A oposição derrubou a CPMF com a alegação de que o excesso de arrecadação cobriria o buraco. Ao ceder a essa lógica, deixou o Congresso com pouco espaço para acolher as demandas da base aliada e da própria oposição
O presidente da República tem afirmado que o Congresso Nacional precisará indicar onde as despesas públicas serão enxugadas para compensar a falta dos R$ 40 bilhões que deixarão de irrigar os cofres da União em 2008 por causa do fim da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF).
Um consenso é reservar recursos necessários para honrar dívidas do governo, o assim chamado superávit primário. Esse ponto torna-se especialmente delicado quando se sabe que as nuvens no Banco Central andam carregadas. O que sinaliza gasto forte com juros no ano que vem. E, como ficou claro na votação da Desvinculação de Receitas da União (DRU), a oposição pode até se fazer de radical, mas não costuma rasgar dinheiro.
Há porém uma variável obscura nesse ponto. É possível manter índices declinantes da relação entre a dívida pública e o Produto Interno Bruto (PIB) mesmo com superávits menores que os adotados atualmente. Será uma tentação e tanto para o governo.
Luiz Inácio Lula da Silva tem também enfatizado que não aceitará cortes nos programas sociais ou nos investimentos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Se o adjetivo “social” for tomado na acepção mais ampla, o Congresso estará então numa sinuca de bico. Simplesmente, não há como cortar R$ 40 bi do Orçamento Geral da União (OGU) sem mexer na saúde, na educação, na Previdência, nos incentivos à agricultura familiar ou na política de elevação real do salário mínimo, entre outras destinações caras a Lula e ao PT.
O Legislativo está diante de um impasse. Se quiser cortar na área social, colocar-se-á numa posição péssima diante do eleitorado — em pleno ano de eleições municipais. Se preferir evitar essa armadilha, precisará enveredar pelo debate do aumento de impostos e contribuições já existentes. Ou, pior, pelo da criação de novas taxas. Talvez caminhe para atolar-se no pântano da reforma tributária.
Nesse jogo de empurra, uma falsa solução está nas promessas de cortes nas emendas parlamentares. As emendas correspondem a menos da metade dos recursos da CPMF. E a maior parte delas comparece ao OGU apenas para constar. Jamais seriam executadas, mesmo que os cofres do Tesouro estivessem explodindo de dinheiro. São ações que servem apenas para o deputado ou senador dizer à sua base que conseguiu enfiar tal ou qual obra no OGU.
Em tempos de PAC, então, a situação piora. Todo centavo que o governo federal puder endereçar à sua menina-dos-olhos será posto nas pranchetas e canteiros tocados pela ministra Dilma Rousseff. A rigor, Lula não precisa do Congresso Nacional para mais nada nos três anos de mandato restantes. Daí não ter motivos para desviar preciosos recursos do PAC e destiná-los ao que no Palácio do Planalto se vêem como obras paroquiais sem importância.
Depois que a poeira baixar, é possível que o Senado perceba que a derrubada da CPMF criou um problema tão grande para o Congresso quanto para o governo. Há muitos anos que a elaboração do OGU não se constitui numa batalha política entre a oposição e o Planalto. Trabalhavam a favor dessa paz duradoura algumas condições. O palácio costuma mandar o projeto de peça orçamentária com as receitas subestimadas, exatamente para permitir que sejam confortavelmente acomodadas no OGU despesas provenientes de emendas parlamentares.
Desta vez, é provável que a temperatura suba. A oposição derrubou a CPMF com a alegação de que o excesso de arrecadação cobriria o buraco criado. Ao ceder a essa lógica, porém, deixou o Congresso Nacional com pouco espaço para realizar a tradicional operação de acolher as demandas políticas, da base aliada e da própria oposição.
O jogo está em aberto e o Palácio do Planalto tem vantagem. O relator do OGU é José Pimentel (PT-CE), um soldado fidelíssimo de Lula. Ele cuidará, em primeiro lugar, de atender às demandas dos aliados, deixando a oposição no fim da fila, e de dedos cruzados para que as contas fechem e sobre um trocado. A derrubada da CPMF tirou dinheiro do governo mas muniu-o de argumentos para dizer não. E governos adoram dizer não, especialmente quando têm os argumentos. Isso sem falar na sempre disponível arma do contingenciamento.