sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Oposição parlamentar critica, mas não consegue articular ações contra o projeto

No que depender de articulação da oposição, o governo pode ficar tranquilo que o trem-bala já é um fato consumado. A série de questionamentos acerca da viabilidade financeira do projeto não foi suficiente para sensibilizar senadores e deputados. Os poucos que se colocaram contra a empreitada mais cara dos oito anos do governo Lula não conseguiram fazer coro.

"Acho difícil qualquer mudança de rumo neste momento. O governo disse claramente que está disposto a cobrir qualquer conta para levar o projeto adiante", diz o senador Eliseu Resende (DEM-MG), vice-presidente da Comissão de Serviços de Infraestrutura do Senado, presidida pelo senador Fernando Collor de Mello (PTB-AL), da base aliada. Collor, procurado, não comentou o assunto.

Se o projeto não provoca debate, a garantia de financiamento subsidiado pelo BNDES com recursos da União foi o mote encontrado por alguns poucos parlamentares para criticar a obra. "É onde podemos agir, no questionamento dessas garantias absurdas que o governo quer dar para viabilizar o trem-bala", diz o senador Antonio Carlos Júnior (DEM-BA).

Na semana passada, o deputado federal Raul Jungmann (PPS-PE) protocolou no Supremo Tribunal Federal (STF) uma ação direta de inconstitucionalidade contra a Medida Provisória 511, que garantiu recursos de até R$ 20 bilhões para o financiamento por meio do BNDES, mas ele próprio confessa não ter muitas expectativas de que a ação prospere. "A realidade é que a oposição está em crise de identidade e perdeu a capacidade de criticar", diz. "Ela perdeu a confiança em si e continua em sua paralisia, vendo o governo costurar alianças com as grandes empreiteiras."

O projeto do trem de alta velocidade passou pelo crivo do Tribunal de Contas da União, que ratificou sua viabilidade financeira. Foram 18 meses de análise e uma dezena de reuniões técnicas para ajustar o projeto, o que culminou na recomendação de que a tarifa-teto do percurso entre Rio e São Paulo fosse reduzida de R$ 217 para R$ 199.

As aspirações que levaram o governo a encampar o projeto do trem-bala em setembro de 2007, quando o presidente Lula viajou em um transporte desse tipo entre as cidades espanholas de Madri e Toledo, ganharam força com a confirmação do Brasil para ser sede a Copa do Mundo de futebol de 2014 e da Olimpíada em 2016. Poder viajar 511 km de distância em uma hora e meia seria crucial nesses eventos esportivos. Os prazos já foram revistos e agora o governo admite sua conclusão só em 2017.

Além do prazo de execução da obra, há dúvidas sobre o custo do projeto. Os consórcios acham que o preço de R$ 33,1 bilhões é subestimado. A exceção é o coreano, o mais bem cotado na disputa.

A comparação com o setor ferroviário indica o que representa o custo do trem-bala. Nos últimos 14 anos, desde a privatização da malha ferroviária no país, as concessionárias que atuam no setor investiram R$ 22 bilhões em 28,5 mil km de malha ferroviária. A malha, ainda assim, não é suficiente. O escoamento de carga do país necessita de mais 50 mil km de trilhos.

"Corremos o risco de que aconteça no Brasil o que estamos assistindo na Itália", diz Mansueto Almeida Júnior, economista do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Orçado em € 30 bilhões, o "Treni Alta Velocita" (TAV) começou a ser construído em 1991, com a participação de 57% da iniciativa privada e 43% do governo. Em 1998, com as obras atrasadas, o consórcio responsável pela obra caiu fora e o governo italiano teve de estatizar o TAV. Os cofres públicos bancaram € 16 bilhões em dívidas e uma segunda parcela segue em aberto porque o governo reconheceu até agora apenas metade do custo de € 32 bilhões da linha Turin-Milão-Nápoles. "Além de ser considerado o maior investimento público da história na Itália, o projeto também é o de maior risco fiscal para o país", diz Almeida Júnior.
Valor

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