segunda-feira, 24 de junho de 2013

Na Casa do Saber, temor é com onda conservadora


O professor Celso não tem um aparelho de TV em casa há mais de dez anos, não lê todo o jornal para não se "contaminar" e suspeita que o caráter violento das manifestações tem sido tratado com preconceito. O economista Paulo busca entender as origens dessa mesma violência - ou "vandalismo" - e acredita que a demanda principal do Movimento Passe Livre (MPL) é uma "utopia razoável". Afinal, lembra, a prefeitura do município paulista de Agudos, a 330km da capital, já oferece transporte grátis para os seus moradores. Marília, com mestrado em gestão pública, está preocupada "se o feitiço pode virar contra o feiticeiro": teme que os protestos sirvam a uma causa conservadora ou golpista, a exemplo de uma organização que pede assinaturas para o impeachment da presidente Dilma Rousseff.

O Brasil procura respostas para os episódios das últimas duas semanas. E, na sexta-feira, inquietações como estas tomavam conta das 70 pessoas que assistiam à palestra "O que está acontecendo nas ruas?", proferida pelo professor de filosofia política da USP e colunista do Valor, Renato Janine Ribeiro, na Casa do Saber, em São Paulo.

Para algumas dúvidas o diagnóstico vinha como um tranquilizante. O caráter violento dos protestos é explicado em boa parte pela debilidade na cultura política brasileira, mas não haveria riscos de um golpe fascista. A preocupação surgiu com a presença de skinheads e dos chamados "carecas", grupos de inspiração neonazista que haviam causado tumulto e agressão principalmente nos protestos do dia anterior, quinta-feira.

"A classe média nossa é manada. Mas no Brasil não há um grande partido de massa que cultive o ódio. Por outro lado, avança o conservadorismo no poder, com os projetos antigays", explicava Renato Janine Ribeiro, que antes cancelara o horário de intervalo da palestra para que todos ouvissem, no próprio auditório, a fala de Dilma Rousseff em cadeia de rádio e TV.

O filósofo mencionou a permanência do deputado federal e pastor Marco Feliciano (PSC-SP) na presidência da Comissão de Direitos Humanos da Câmara - apesar de todo o clamor em contrário - como sinal do distanciamento das instituições políticas.

Dizendo concordar em 99,9% com o professor, Malu, uma das participantes, questionava se não há, de fato, um partido de direita, com grande capacidade de mobilização, já que a bancada evangélica, suprapartidária, funcionaria tal qual uma legenda, como o antigo Centrão, surgido durante a Assembleia Constituinte, em 1987. "Ela está sim nas ruas e faz movimento de massas", argumentava.
Nos últimos anos, cerimônias de igrejas evangélicas já reuniram até 2 milhões de fieis em São Paulo. A mobilização, porém, refletiria mais a adesão às próprias denominações religiosas do que a instrumentalização por políticos.

Renato Janine Ribeiro lembrou que os desdobramentos de grandes movimentos populares nem sempre servem à causa que os gerou. É o caso dos Indignados da Espanha, cujo efeito foi o de enfraquecer a esquerda e levar o Partido Popular, de direita, ao poder. O mesmo ocorreu no pós-Maio de 1968. "O que ficou, no entanto, foi a lembrança daquele movimento. Há [desde então] uma inveja geracional. Toda geração deseja fazer o seu 1968", diz o filósofo.

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