O professor Celso não tem um aparelho de TV em casa há mais de dez
anos, não lê todo o jornal para não se "contaminar" e suspeita que o
caráter violento das manifestações tem sido tratado com preconceito. O
economista Paulo busca entender as origens dessa mesma violência - ou
"vandalismo" - e acredita que a demanda principal do Movimento Passe
Livre (MPL) é uma "utopia razoável". Afinal, lembra, a prefeitura do
município paulista de Agudos, a 330km da capital, já oferece transporte
grátis para os seus moradores. Marília, com mestrado em gestão pública,
está preocupada "se o feitiço pode virar contra o feiticeiro": teme
que os protestos sirvam a uma causa conservadora ou golpista, a exemplo
de uma organização que pede assinaturas para o impeachment da
presidente Dilma Rousseff.
O Brasil procura respostas para os episódios das últimas duas
semanas. E, na sexta-feira, inquietações como estas tomavam conta das
70 pessoas que assistiam à palestra "O que está acontecendo nas ruas?",
proferida pelo professor de filosofia política da USP e colunista do
Valor, Renato Janine Ribeiro, na Casa do Saber, em São Paulo.
Para algumas dúvidas o diagnóstico vinha como um tranquilizante. O
caráter violento dos protestos é explicado em boa parte pela debilidade
na cultura política brasileira, mas não haveria riscos de um golpe
fascista. A preocupação surgiu com a presença de skinheads e dos
chamados "carecas", grupos de inspiração neonazista que haviam causado
tumulto e agressão principalmente nos protestos do dia anterior,
quinta-feira.
"A classe média nossa é manada. Mas no Brasil não há um grande
partido de massa que cultive o ódio. Por outro lado, avança o
conservadorismo no poder, com os projetos antigays", explicava Renato
Janine Ribeiro, que antes cancelara o horário de intervalo da palestra
para que todos ouvissem, no próprio auditório, a fala de Dilma Rousseff
em cadeia de rádio e TV.
O filósofo mencionou a permanência do deputado federal e pastor
Marco Feliciano (PSC-SP) na presidência da Comissão de Direitos Humanos
da Câmara - apesar de todo o clamor em contrário - como sinal do
distanciamento das instituições políticas.
Dizendo concordar em 99,9% com o professor, Malu, uma das
participantes, questionava se não há, de fato, um partido de direita,
com grande capacidade de mobilização, já que a bancada evangélica,
suprapartidária, funcionaria tal qual uma legenda, como o antigo
Centrão, surgido durante a Assembleia Constituinte, em 1987. "Ela está
sim nas ruas e faz movimento de massas", argumentava.
Nos últimos anos, cerimônias de igrejas evangélicas já reuniram até 2
milhões de fieis em São Paulo. A mobilização, porém, refletiria mais a
adesão às próprias denominações religiosas do que a instrumentalização
por políticos.
Renato Janine Ribeiro lembrou que os desdobramentos de grandes
movimentos populares nem sempre servem à causa que os gerou. É o caso
dos Indignados da Espanha, cujo efeito foi o de enfraquecer a esquerda e
levar o Partido Popular, de direita, ao poder. O mesmo ocorreu no
pós-Maio de 1968. "O que ficou, no entanto, foi a lembrança daquele
movimento. Há [desde então] uma inveja geracional. Toda geração deseja
fazer o seu 1968", diz o filósofo.