Após uma semana afastado, o primeiro-secretário do Senado, Heráclito Fortes (DEM-PI), retoma as atividades diante de um tema delicado. Terá de decidir se aciona o Tribunal de Contas da União (TCU) para auditar a folha de pagamento da Casa. Considerada uma caixa-preta, ela tem estimativa de R$ 2,4 bilhões em 2009 — valor correspondente a 80% de todo o orçamento da instituição.
A Secretaria de Controle Interno do Senado sugeriu o TCU a Heráclito porque avalia não ter condições de promover o pente-fino na base de dados, que reúne informações de mais de 6 mil servidores, entre funcionários do quadro efetivo e comissionados. Se ele der o aval, será a primeira auditoria realizada no arquivo e representará um precedente. Algo que muita gente não quer. “Se em 20% apareceu o que apareceu, imagina em 80%”, disse um servidor da Casa, numa referência às irregularidades apuradas em contratos do Senado.
Nos últimos dois anos e meio, o acesso à folha de pagamento acabou sonegado aos auditores internos. Essa dificuldade foi imposta por João Carlos Zoghbi, o ex-todo poderoso do Recursos Humanos. Em 2008, Zoghbi chegou a desconsiderar autorização assinada por Agaciel Maia, então diretor-geral, para que os técnicos do Controle Interno pudessem manipulá-la — mais um capítulo na disputa interna travada entre os dois funcionários. Zoghbi é investigado pela Polícia Federal por envolvimento em supostas irregularidades na concessão de crédito debitado em folha oferecido aos servidores.
Há uma parcela de servidores que discorda da ideia de acionar o TCU por temer que vire rotina submeter a bilionária folha de pagamento aos auditores do tribunal. O arquivo pode revelar detalhes importantes sobre a rotina da Casa. Logo que tomou posse como primeiro-secretário, em fevereiro, Heráclito Fortes foi comunicado da dificuldade de acesso e exigiu a base de dados. Ainda assim, o material demorou a chegar, o que o irritou bastante. Finalmente, o acesso foi franqueado.
O sistema que controla a folha de pagamento do Senado se chama Ergon — um programa de computador adquirido pela Casa na iniciativa privada. A manutenção é feita pelo Prodasen (Secretaria de Informática). Nesse banco de dados, o Recursos Humanos registra, além de salários pagos a funcionários do quadro efetivo e comissionados, férias, licenças, horas extras cumpridas pelos servidores, adicionais por participação em comissões especiais, pensões e aposentadorias. Daí, a polêmica. “Não se sabe o quanto a Casa paga de hora extra”, disse um outro servidor ouvido pelo Correio.
Sem opção
Procurado pela reportagem, Heráclito desconversou. Disse que precisa tomar pé da situação após uma semana ausente e soltou a frase que tem carregado na ponta da língua: “Isso é briga interna. Tem um grupo que estava no poder, outro que está no poder e um terceiro que quer o poder. Vocês não podem ouvir só um lado”. Ele, porém, confirmou que a intenção ao pedir o arquivo foi desvendar o RH do Senado. Como a Secretaria de Controle alega não ter condições de fazê-lo, Heráclito fica sem opção. Naturalmente, o primeiro-secretário terá de levar o assunto ao presidente da Casa José Sarney (PMDB-AP).
Uma parcela significativa de servidores reclama da ausência de Sarney. Em fevereiro, quando disputou a Presidência da Casa com Tião Viana (PT-AC), o peemedebista foi a aposta de uma parte do funcionalismo contra o discurso de moralização entoado pelo petista e por alguns parlamentares que o apoiavam — os senadores do PSDB, por exemplo. Sarney ganhou, e o Senado mergulhou numa onda de denúncias. O presidente transferiu a Heráclito a tarefa de administrar a crise. Nos bastidores, o primeiro-secretário tem sido acusado de jogar no “próprio time” e não defender o funcionalismo da Casa.
Zoghbi administrava folha de pagamento de R$ 2,4 bilhões
Os técnicos da Secretaria de Controle Interno (SCINT) do Senado querem se proteger e estudam denunciar na próxima tomada de contas ao Tribunal de Contas da União (TCU) — uma espécie de prestação de contas anual — a dificuldade no acesso ao banco de dados da folha de pagamento. Avaliam que a iniciativa pode livrá-los de uma eventual punição pela falta de auditoria no arquivo. Entre outras tarefas, a secretaria é responsável por verificar a legalidade e exatidão da remuneração e benefícios pagos a senadores e servidores.
Nos últimos dois anos e meio, porém, o acesso ao arquivo foi dificultado pelo ex-diretor de Recursos Humanos João Carlos Zoghbi. Ele foi afastado após denúncia da revista Época. A reportagem levantou a suspeita de que o servidor pode ter tirado proveito da condição de “dono” da folha de pagamento do Senado.
Descobriu-se que uma empresa registrada em nome da ex-babá de Zoghbi, uma senhora de 83 anos, intermediava o crédito consignado no Senado. Atuando como correspondente bancário de apenas uma instituição, ela teria faturado cerca de R$ 3 milhões. Zoghbi nega as irregularidades. Atribui a atuação da empresa a um de seus filhos, Marcelo, exonerado do Senado no ano passado após a súmula do Supremo Tribunal Federal (STF) que baniu o nepotismo da administração pública. A Polícia Federal investiga o caso.