Veja decidiu apostar no desatino
Alberto Dines
Desta vez, atenderam às exigências formais e os cuidados mínimos da cartilha jornalística. A denúncia sobre o envio de 3 milhões de dólares de Cuba para a campanha presidencial do PT (Veja, nº 1929, de 2/11/500, págs. 46-53; na capa, "Os dólares de Cuba para a campanha de Lula" e no título do texto principal, "Campanha de Lula recebeu dinheiro de Cuba") procurou evitar os erros das "bombas" anteriores: não opinou nem panfletou, não escondeu as fontes, gravou suas entrevistas abertamente, indicou onde e como se realizaram, completou-as com informações suplementares e ainda fez reparos às contradições embutidas na própria reportagem. Até aí tudo bem.
O que há de errado com a nova matéria arrasa-quarteirão de Veja?
O resto: a denúncia pressupõe um gigantesco, incomensurável, grau de estupidez nas duas pontas da operação: o governo cubano e a direção do PT. Difícil acreditar que políticos experientes aqui e no Caribe tenham embarcado numa aventura tão primária.
Nenhum político minimamente responsável arriscaria o futuro do seu partido com uma operação tão perigosa e insensata. Nem mesmo Roberto Jefferson ou Waldemar da Costa Neto.
Fidel Castro já cometeu erros crassos, a direção do PT já cometeu erros imperdoáveis, mas é impensável que juntos tenham planejado tamanho disparate e tão grande desatino. Há limites para a estultice. É isto que torna inacreditável a denúncia de Veja.
Tiro no escuro
Esta inverossimilhança nuclear estancou o curso da velha bola de neve. Houve um certo frisson na mídia eletrônica no sábado [29/10] à noite e no domingo. O Estado de S.Paulo foi o único a animar-se com a perspectiva de barulho e lascou uma manchete de primeira página no domingo com o material de Veja. O Globo estava entusiasmado com a façanha da polícia fluminense ao liquidar o facínora Bem-Te-Vi e a Folha, empolgada com os programas sociais do governo federal. Não deram muita bola.
Não houve munição para um berreiro petista contra a "conspiração da mídia" nem para repetir os chavões de Hugo Chávez contra a "mídia reacionária". Veja ficará na liça apanhando sozinha até o próximo sábado ou, na melhor das hipóteses, até sexta à tarde, quando as principais redações já conhecerão o conteúdo da próxima edição. Se no sábado não aparecer algo pelo menos consistente para oferecer como prova, a revista corre o risco de ficar pendurada na brocha.
Aqui reside a segunda falha deste tipo de "reportagem-suicida" – quem detona o petardo muitas vezes vai para o ar sozinho. A matéria foi construída em torno de declarações de pessoas (Rogério Buratti e Vladimir Poleto) às voltas com a Justiça, ex-auxiliares do ex-prefeito de Ribeirão Preto Antonio Palocci, na ocasião o coordenador da campanha de Lula. A figura-chave de ambos os depoimentos é Ralf Barquete, já falecido.
Se Veja não produzir nenhum trunfo no próximo fim de semana, o prosseguimento da denúncia deverá dar-se no âmbito de uma das CPIs, provavelmente a dos Bingos. Significa que, apesar das cautelas, Veja deu um tiro no escuro. Confiou na temperatura política, certo de que ela seria capaz de comandar os desdobramentos. Entregou-se ao imponderável. Nesses casos, o jornalismo sai de cena e entra o esoterismo.
Recordar é viver
Pauteiros, estudantes de História e jornalistas curiosos podem encontrar no "Segundo Caderno" do Globo, na seção "Há 50 anos" (pág.7), uma excelente ferramenta para referências históricas.
No dia 12 de outubro de 1955, O Globo noticiava: "Jânio confirma que Juscelino pagou oito milhões pelo apoio comunista".
Em 26/10/1955: "Exaltado pela imprensa russa o apoio dos comunistas a Juscelino e Jango!".
Em 28/10/1955, título forte: "Transformado o Maranhão em paraíso da fraude eleitoral".
E em 29/11/1955, a manchetinha fornecida por Octávio Mangabeira, expoente da UDN: "Não pode ser solucionada, a crise, dentro do curso normal das coisas".
Naquele ano, agosto não foi o mês dos traumas. Foi novembro