Seguindo um conselho do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que lhe pediu para não hostilizar o PT, o deputado Ciro Gomes (PSB-CE) já começou a costurar apoios dentro do partido para viabilizar sua candidatura em 2010. As hostilidades ao PT cessaram depois que Lula mandou um emissário - Gilberto Carvalho, seu secretário particular - procurar Ciro e lhe pedir expressamente que parasse de bater em seu partido.
Carvalho convidou Ciro para almoçar num restaurante da Vila Planalto, um bairro de classe média localizado a meio caminho dos palácios da Alvorada e do Planalto, e lá deu a mensagem de Lula: "Ciro, você precisa nos ajudar. O presidente pede que você não hostilize o PT. O "bloquinho" - como é conhecido o bloco que reúne três partidos de esquerda (PSB, PCdoB e PDT) da coalizão governista - criou um antagonismo com o PT e isso não é bom". Ciro reagiu bem. O encontro com Carvalho aconteceu há três meses e, desde então, ele parou de falar mal publicamente do PT.
Aquela não foi, segundo um ministro, a primeira vez que Lula pediu a Ciro para abrandar o tom em relação ao PT. O presidente fez isso antes pessoalmente. Num encontro ocorrido há alguns meses no Palácio da Alvorada, com a presença da atriz Patrícia Pillar, mulher de Ciro, Lula fez a mesma advertência ao deputado: que ele construa a candidatura sem guerrear o PT, mas, sim, por dentro do partido.
Naquela ocasião, ainda estavam abertas as feridas da disputa pela presidência da Câmara e a entrada do PMDB no governo. Os dois eventos colocaram em campos opostos, na coalizão, o PT e os outros partidos de esquerda. O PT afastou-se da esquerda e escolheu o PMDB como seu aliado preferencial nas disputas intestinas do governo e nas disputas eleitorais.
Conselheiros políticos do presidente avaliaram que, na eleição da Câmara, em que o petista Arlindo Chinaglia, com o apoio do PMDB, derrotou o comunista Aldo Rebelo, Ciro chegou a ser "seduzido" pelo PCdoB para fazer um "jogo anti-PT". "A idéia de colocar o "bloquinho" como contraponto ao PT é ruim", observou um ministro.
Na avaliação do presidente, Ciro não será um candidato forte sem o apoio do maior partido de esquerda do país. Embora trabalhe com a possibilidade de o PT vir a ter candidato em 2010, Lula, por ora, considera-a remota. Ele acredita que a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, tem chances de emergir como candidata, mas apenas na hipótese de o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) se transformar num retumbante sucesso.
Embora a ministra do Turismo, Marta Suplicy, outra candidata possível do PT, ainda possa se recuperar das derrotas que sofreu nos últimos três anos (prefeitura em 2004 e a prévia para se candidatar ao governo de São Paulo em 2006) e do desgaste de imagem (no meio do caos aéreo, ela celebrizou a frase "relaxa e goza", que segue viva na memória dos eleitores), Lula, segundo seus assessores, acha muito difícil a sua redenção. Os outros possíveis candidatos ele cita por citar nas conversas internas. O ministro da Justiça, Tarso Genro, por exemplo. "O presidente o menciona por pura retórica. Outro que ele cita pouco é Jacques Wagner (governador da Bahia). Acha que ele precisa se firmar e se reeleger", contou um assessor direto.
Nesse cenário, o Planalto avalia que Ciro é, neste momento, o candidato governista mais viável para enfrentar em 2010 o tucano José Serra, governador de São Paulo - no governo, ninguém acredita que o governador de Minas Gerais, Aécio Neves, vá conseguir superar Serra e sair candidato pelo PSDB. A aposta de Lula em Ciro tem, no entanto, uma outra explicação.
O presidente quer fazer o sucessor a qualquer custo. Por isso, não faz questão sequer que ele seja do PT. O importante é eleger alguém que siga seu legado, que derrote a oposição. No apogeu da crise do mensalão, quando alguns correligionários, inclusive do PT, se afastaram dele e mesmo assessores já não acreditavam na sua capacidade de recuperação, Lula não entregou as armas. Não é do seu feitio.
"No meio de uma reunião, em que todos fizeram um diagnóstico pessimista da situação, ele se levantou, foi ao banheiro e, na volta, soltou um palavrão e afirmou: "Esses caras (da oposição) não vão ganhar de mim (em 2006)". Os assessores pensaram: "ele está ficando louco". Todo mundo achava que aquilo era uma necessidade dele para se manter em pé. Não era. Era convicção em sua própria força", revelou um auxiliar. "O medo do Lula é chegar ao fim do mandato como Fernando Henrique. Com os candidatos à sucessão fugindo dele", revelou outro assessor.
Ainda durante o ardor da crise de 2005, Lula sugeriu a Ciro que se candidatasse à sua sucessão já em 2006. O que parecia ser um momento de fraqueza era, na verdade, um teste. O presidente queria saber o quão próximo Ciro estava realmente dele. Fizera isso no passado com outros correligionários. Em 1998, declarou que não disputaria a Presidência da República, sendo que seu único objetivo era saber quem, no PT, tinha planos para desafiar sua liderança. Descobriu o que queria. Tarso Genro manifestou prontamente a intenção de se lançar candidato.
Já Ciro passou no teste. Recusou a oferta da candidatura em 2006, dizendo que o presidente conseguiria se recuperar e disputar e ganhar a eleição. O gesto encantou Lula por demonstrar lealdade num momento difícil. No ano seguinte, o da eleição, depois de já ter recuperado quase inteiramente a popularidade perdida durante o escândalo do mensalão, Lula planejou convidar Ciro para ser o vice na campanha da reeleição.
"Ciro como vice tem a vantagem de que já prepararemos o candidato à sucessão em 2010", disse Lula na época a um assessor próximo. O presidente levou essa idéia até o último minuto antes do prazo legal de escolha, só desistindo dela ao perceber que o vice-presidente José Alencar gostaria de permanecer no cargo para um segundo mandato. "Como gosta muito também do Zé Alencar, ele preferiu deixar assim", conta um ministro.
Ciro, na avaliação do Planalto, está no caminho certo para se viabilizar em 2010. Parou de bater no PT e esvaziou o "bloquinho". Seu maior aliado hoje no PT é o ex-ministro José Dirceu, que o considera um "excelente" candidato e, segundo um ministro do núcleo do poder em Brasília, vem trabalhando as bases do partido para "amadurecer a idéia de o PT não ter um candidato presidencial em 2010".
Outro simpatizante é o presidente do PT, deputado Ricardo Berzoini (SP), com quem Ciro cultiva boas relações no Congresso, discute estratégias de articulação política e dialoga, segundo palavras do próprio dirigente petista, "sobre o futuro". Berzoini assegura, no entanto, que o PT terá candidato próprio à sucessão de Lula, embora não descarte a possibilidade de apoiar Ciro.
"Ciro é muito bem relacionado no PT. Tanto por suas posições, como na defesa do governo na crise política de 2005 e na votação da CPMF, quanto por sua gestão à frente do Ministério da Integração Nacional, no projeto da transposição do rio São Francisco", atesta o presidente do PT. "Ele tem uma visão positiva sobre o papel do Estado no desenvolvimento do país. Uma visão de desenvolvimento que conjuga Estado e setor privado, mas sempre com a coordenação forte do Estado. É o que defendemos."
As idéias defendidas por Ciro, principalmente na área econômica, em que se mostra crítico à ortodoxia da atual política monetária conduzida pelo Banco Central, são admiradas por petistas importantes. Para eles, mesmo tendo iniciado sua trajetória política na direita (no extinto PDS) e passado pelo PSDB, Ciro está ideologicamente mais próximo hoje do PT. "Ele é um crítico mordaz do governo FHC, principalmente, do que foi feito na economia. A aliança com Tasso Jereissati (senador do PSDB do Ceará) é uma relação regional que não o vincula ideologicamente aos tucanos. Politicamente, ele defende o governo Lula", sustenta Berzoini.
Lula costuma dizer que a lealdade de Ciro é "inestimável". Embora isso possa parecer apenas parte do jogo do poder, assessores do presidente asseguram que é algo que vai além da política. Um auxiliar recorre a uma imagem bíblica para tentar explicar a gratidão de Lula a Ciro, especialmente, durante o mensalão. Na história do cristianismo, diz ele, há os mártires e os confessores da fé. Enquanto os primeiros dão a vida por causas, os confessores passam por perseguições, difamações, torturas e, mesmo assim, seguem fiéis à fé cristã.
"O presidente preza muito os que permaneceram fiéis nos tempos da provação, no sentido de que é fácil ser fiel ao governo nos tempos de mamata; e muitos fraquejam, se omitem, desaparecem ou amarelam quando se trata de defender publicamente posições incômodas. Com o tempo Lula foi vendo o quanto isso era importante e decisivo", assinalou um amigo do presidente, acrescentando que o senador Aloizio Mercadante (PT-SP) foi um dos que desertaram no momento mais difícil - embora Lula, assevera um assessor, continue tendo "muito carinho" por ele.
"Um cara como o Ciro, que a rigor poderia ter transigido ou ficado "na moita", foi para o procênio da política e sustentou uma defesa firme e forte do governo e do presidente", comparou o amigo de Lula. "Ele valoriza muito isso."
Um fato recente ilustraria esse aspecto da personalidade do presidente. Jacó Bittar, seu aliado de primeira hora, co-fundador do PT, ex-prefeito de Campinas, rompeu com o partido - e com Lula - nos anos 90. Na legenda, Bittar disputava poder e influência com Lula, hostilizava-o internamente, conta um velho aliado de Lula.
Recentemente, Lula resolveu "adotar" Bittar, que, acometido do Mal de Parkinson, está com a saúde debilitada. O presidente o trouxe para Brasília, acomodou-o no Palácio da Alvorada e chamou seu acupunturista - o médico chinês Gu Hanghu - para tratar diariamente dele. "Lula está cuidando dele como se fosse um filho. Ele devota grande fidelidade aos velhos amigos", comentou um auxiliar, lembrando que, para o presidente, a relação pessoal é tão ou mais importante que a política. Os candidatos que desejarem seu apoio, diz ele, terão que se lembrar disso.
Ciro não é, no entanto, uma unanimidade no PT. Valter Pomar, secretário de Relações Internacionais do partido e representante de uma corrente de esquerda, diz que, na crise de 2005, Ciro foi solidário "no geral", mas aproveitou para "tirar uma casquinha" da legenda. Em 2006, mesmo com o PT apoiando a eleição de seu irmão para o governo do Ceará, não conseguiu que o PSB fizesse o "óbvio": apoiar Lula desde o primeiro turno. "Na eleição para presidência da Câmara, ele fez campanha para Aldo Rebelo e foi muito duro com o PT", queixa-se Pomar.
O dirigente petista alega que os laços de Ciro com Tasso são muito fortes. Nesse sentido, sua candidatura à presidência seria uma aposta "de renovação conservadora", não de ruptura em relação ao padrão da política brasileira. "O que mais preocupa é que, com ele, vem junto um estilo e uma rede de alianças tucanas (Tasso, Aécio etc.)", critica. Pomar afirma que a chance de o PT apoiá-lo já no primeiro turno da eleição em 2010 "é igual a zero".