Em meio a uma crise financeira no país de origem, a Ford decidiu transportar o conhecimento da sua engenharia brasileira na criação dos automóveis pequenos para os Estados Unidos, um país em que seus habitantes sempre valorizaram os carrões e que agora se vêem obrigados a rever conceitos por conta da alta do petróleo e da pressão ambientalista.
Mas não é apenas a experiência na elaboração dos modelos compactos que a Ford quer levar do Brasil para a sua matriz. Também as técnicas de desenvolvimento de motores movidos a etanol com mais eficiência que os existentes hoje nos Estados Unidos é outro objetivo da companhia. E, se fosse possível copiar, a fórmula que fez a operação brasileira sair do prejuízo para sucessivos lucros também seria um sonho para a direção mundial da montadora.
Mark Fields, o executivo que Alan Mulally, presidente mundial da companhia, escolheu em 2005 para comandar a região que engloba as três Américas, esteve no Brasil esta semana e numa conversa com jornalistas ontem, disse ser "muito bom" sair de um país em que o mercado não cresce para um que vive a euforia da expansão de vendas de veículos. "É um belo contraste", disse depois de reuniões em que ele discutiu com o comando local as estratégias que nortearão a operação na América do Sul e toda a companhia daqui para a frente.
Fields, que faz fama no badalado meio automotivo dos Estados Unidos, revelou que a operação na América do Sul é a mais rentável do mundo hoje na companhia. No ano passado, a Ford obteve lucro de US$ 1,2 bilhão na América do Sul, uma região em que o Brasil tem peso de mais de 60%. No mesmo período, o resultado financeiro global da montadora acusou prejuízo de US$ 2,7 bilhões, uma conseqüência clara das perdas acumuladas nos Estados Unidos.
Pressionada agora pela crise econômica nos Estados Unidos, a empresa busca formas de reverter a situação que a tem levado a fechar fábricas e demitir em massa na América do Norte. Fields admitiu que novas medidas serão tomadas se as conseqüências da crise agravarem a situação no mercado automobilístico.
Ele lembrou que o mercado de veículos americano está em queda e deverá registrar este ano o pior resultado da ultima década. É nesse cenário que a Ford estabeleceu a meta de até 2009 reduzir os custos operacionais em US$ 5 bilhões e de recuperar a rentabilidade da atividade nos Estados Unidos.
Além de um drástico corte de pessoal, ainda em curso, e que já eliminou 35 mil postos de trabalho, a companhia negocia a venda de empresas. As inglesas Land Rover e Jaguar estão sendo negociadas pela direção mundial da Ford com a indiana Tata Motors. "Não posso fornecer detalhes de datas, mas as negociações estão bem adiantadas", disse Fields.
O papel do Brasil no novo cenário que a Ford começa a desenhar é no desenvolvimento de produtos, a mesma estratégia que vem sendo adotada há algum tempo pela General Motors, outra montadora americana que vive situação igual à da Ford: lucros na América do Sul e prejuízos na matriz, nos EUA.
Fields explicou que o conhecimento da engenharia brasileira será utilizado para o desenvolvimento de versões do carro pequeno, que está sendo preparado para começar a ser vendido nos Estados Unidos em 2010.
Chamado de projeto Verve, o modelo de carro pequeno é um derivado do Fiesta e será apresentado esta semana no salão do automóvel de Genebra. Na Europa, onde começará a ser vendido ainda este ano, o veículo levará o nome de Fiesta. Apesar do nome, trata-se de um automóvel diferente do Fiesta vendido hoje no Brasil. O Fiesta brasileiro é resultado de um projeto da engenharia brasileira.
Segundo Fields, embora a plataforma do projeto Verve já esteja pronta, a intervenção brasileira se dará na criação de diferentes acabamentos de carroceria do modelo. Com plataformas distintas é possível fazer sobre uma mesma plataforma versões diferentes, que vão do hatch aos sedãs e peruas.
O executivo americano explicou que há até algum tempo, as filais de uma mesma montadora, espalhadas pelo mundo, não trocavam conhecimento por se considerarem auto-suficientes. "Mas para ser competitiva uma empresa global precisa utilizar o conhecimento que já detém e a América do Sul tem um talento na engenharia", destacou.
Nos Estados Unidos, os projetos dos futuros veículos da Ford começam a mostrar um novo tom. Segundo Fields, até três anos atrás, na linha de produtos da empresa 70% eram picapes e 30% automóveis. "Já em 2007 a divisão desses segmentos ficou em meio a meio", destacou.
Faz um ano que a direção da Ford deu início a uma estratégia que visa aproveitar conhecimento e expansão em mercados fora dos Estados Unidos para dar à companhia uma novo formato global. "Temos que aproveitar as oportunidades, como essa força de conhecimento no Brasil para construir essa aliança global", disse.