O governo do Estado de São Paulo fixou o preço mínimo do leilão de privatização da Cia. Energética de São Paulo (Cesp) no teto da faixa que era esperada pelo mercado, em R$ 49,75 por ação. Com isso, o potencial a ser arrecadado pelo governo é de pelo menos R$ 6,6 bilhões, incluindo a participação direta e indireta na estatal. O leilão foi marcado para 26 de março.
A estratégia foi adotada, segundo apurou o Valor, porque ficou claro que os grupos interessados em adquirir a geradora paulista partiriam para a formação de consórcios, diante do tamanho do ativo que está em jogo. Numa configuração de leilão com menor número de concorrentes, o preço mínimo ganhou maior relevância no processo. A expectativa no governo é de participação de um grupo reduzido de interessados - três consórcios, no máximo - com ágio não muito expressivo. Num cenário com maior número de concorrentes, a disputa no leilão tenderia a ser maior, reduzindo a importância do preço mínimo. Inicialmente, o Banco Fator, contratado pelo governo, indicou um preço de R$ 45.
O governo controla a Cesp por meio da Secretaria da Fazenda, mas também tem participações através do Metrô, da Sabesp e outras estatais. Tudo somado, entre ações ordinárias e preferenciais, chega-se a 43,7% do capital total. No entanto, de acordo com a assessoria de imprensa da Secretaria da Fazenda, uma fatia de 8,893% de de ações preferenciais classe B (PNB) detida pelo Metrô serão entregues à BNDESPar para pagamento de uma dívida. Com isso, o governo poderá dispor de 40,66% do capital da Cesp, ou 132,967 milhões de ações. Não está claro ainda quanto disso será ofertado no leilão de privatização e quanto será vendido em posterior oferta pública aos minoritários (tag along). O edital de privatização, esperado para hoje, deve esclarecer essa dúvida.
O preço foi considerado alto por grupos interessados na compra da Cesp. Muitos vinham pressionando o governo paulista a fixar um valor mínimo mais baixo por conta do risco da renovação, em 2015, das concessões das usinas de Ilha Solteira e Jupiá, que representam 67% da capacidade de geração da empresa.
"O preço veio no limite da nossa expectativa", disse Carlos Piani, presidente da Equatorial Energia. Segundo ele, o valor parece embutir uma expectativa de renovação das concessões por parte do governo de São Paulo.
Piani confirma a tese de formação de consórcios. "Se entrarmos na disputa, não entraremos sozinhos, a Cesp é muito grande." De acordo com ele, a Equatorial tem mantido conversas com a Light, onde detém uma participação de 13%, e com o fundo Brasil Energias, gerido pelo banco UBS Pactual.
Procurada, a CPFL, maior distribuidora do país e tida como uma das grandes interessadas na privatização, informou que não comenta decisões do Programa Estadual de Desestatização (PED). A Energias do Brasil também não comentou. Na véspera da divulgação do preço mínimo, o presidente da Suez Energy, Maurício Bähr, afirmou que a Cesp está no plano de investimentos da multinacional para este ano. Ontem, o executivo não foi localizado para comentar. A Suez controla a Tractebel, a maior geradora privada do país.
De acordo com um outro executivo interessado na estatal, o preço fixado deverá estimular a formação de consórcios com um número maior de integrantes, para dividir a conta a pagar e também diluir o risco tomado.
Apesar da crítica dos interessados nos bastidores, as ações PNB da Cesp, as mais líquidas e que definem o valor da empresa, subiram ontem. Tiveram alta de 4,34% (a sétima mais expressiva do pregão), fechando a R$ 47,39 e aproximando-se do preço mínimo. No ano, o papel acumula alta de 10%. Em doze meses, enquanto o Ibovespa subiu 39,04%, Cesp PNB teve valorização de 85,95%. O comportamento dos investidores reflete uma avaliação de que o preço mínimo não fará micar o leilão.
Um executivo de banco pondera, entretanto, que há um movimento especulativo na bolsa porque os minoritários são grandes interessados no sucesso do leilão, de olho no pagamento de prêmio a que têm direito pelas regras de "tag along".
A analista Mônica Araújo, da corretora Ativa, disse que o preço mínimo veio em linha com sua expectativa. André Segadilha, da corretora Prosper também não se surpreendeu com o valor. Em relatório divulgado ontem disse esperar grande disputa pela Cesp, considerando seu mercado de atuação (Sudeste do país) e sua dívida equacionada. Já o analista Fernando Abdalla, da corretora Unibanco, retirou sua recomendação de compra do papel. Segundo ele, a ação já ultrapassou o preço alvo estimado. Além disso, ele vê melhores opções de investimento como Tractebel e Cemig, considerando que os minoritários terão que esperar um prazo de cerca de 180 dias a partir da privatização para a realização da oferta pública.
A queda de braço em torno do preço "justo" pela Cesp tem como mote o risco de renovação da concessão de suas duas maiores hidrelétricas (Jupiá e Ilha Solteira). Segundo as atuais regras do setor elétrico, suas concessões, que completam 20 anos em 2015, não poderão ser renovadas. A rigor, teriam que ir a leilão novamente. Segundo especialistas, a Cesp só conseguirá manter as duas usinas se houver uma mudança da lei ou uma nova interpretação.
O risco, entretanto, é setorial. Também em 2015 vencem as concessões de usinas de Chesf, Furnas e Cemig. Em função disso, há quem aposte em uma solução que permita a continuidade da concessão para evitar uma crise.
Nas contas de uma empresa interessada, descontado o fluxo de caixa da Cesp a partir de 2015, o preço mínimo deveria ser situado entre R$ 30 e R$ 35. Fontes ligadas ao governo, entretanto, dizem que o impacto é menor, equivaleria a um desconto de 15% no valor da companhia, porque Jupiá e Ilha Solteira representariam 50% da receita da empresa (apesar de responder por 67% da geração).
Outro risco mapeado por interessados é o endividamento da Cesp. Principalmente uma dívida de R$ 1,5 bilhão com o BNDES. O banco estatal teria sinalizado disposição de alongar o prazo para o novo controlador. Depois da reestruturação da Cesp, concluída há quase dois anos, os pagamentos anuais de dívida sofreram redução significativa. Em 2008, por exemplo, a Cesp precisará desembolsar R$ 1,1 bilhão, R$ 700 milhões a menos do que o previsto antes da reestruturação.