O presidente Luiz Inácio Lula da Silva começou uma conversa institucional com o PMDB tendo como horizonte as eleições de 2010. As conversas passam longe de cargos na Infraero ou do posto do ministro da articulação política, José Múcio, pretendido pelo PT. O que está em discussão é um projeto político comum, que inclui a entrada do PMDB no núcleo do poder; o apoio da legenda, desde já, à candidatura presidencial da ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff; e a cessão de espaço ao partido, pelo PT, nas disputas regionais de 2010.
Um quarto objetivo, não-declarado mas presente em conversas e negociações reservadas, é a aprovação de mudanças legais que permitam a Lula disputar um terceiro mandato, na hipótese de Dilma não se viabilizar eleitoralmente. A preocupação de Lula é obter o acordo mais amplo possível com o PMDB para evitar que o partido, ou suas principais lideranças, faça composições com o principal candidato da oposição à Presidência, até o momento, o governador de São Paulo, José Serra (PSDB).
As lideranças do PMDB se ressentem do fato de o partido não ter assento nas reuniões de coordenação do governo, a "reunião das 9h", nas palavras de uma importante liderança pemedebista. É nesses encontros que as principais decisões do governo são tomadas. Apenas um ministro não-petista - José Múcio, do PTB - tem assento na coordenação. Os pemedebistas asseguram, no entanto, que não estão reivindicando o cargo de Múcio. Quem está fazendo isso, dizem, é o PT, partido do presidente. O PMDB quer se fazer presente na reunião com um de seus ministros, ou com um líder.
O PMDB comanda ampla e relevante fatia do primeiro escalão do governo Lula. São seis os ministérios sob a responsabilidade do partido - Minas e Energia, Defesa, Saúde, Integração Nacional, Agricultura e Comunicações. "Não é um novo ministério nem o cargo de José Múcio que nós queremos. Múcio tem o nosso apoio para ficar", assegurou um integrante da cúpula do partido. É óbvio que se Múcio for nomeado ministro do Tribunal de Contas da União, abre-se uma vaga e fica mais fácil para o presidente abrigar o PMDB na equipe da reunião de decisões. Mas o partido deixou claro que pode ser até um líder, ou um ministro pemedebista que já tenha cargo, o escolhido para representar o partido. "Não há razão para o PMDB, que está entrosado com o governo, não participar do núcleo de decisões", alegou a mesma fonte.
O presidente Lula já teria concordado com a demanda. Em apenas uma semana, fez dois gestos em direção ao PMDB. Na quarta-feira da semana passada, convidou os presidentes da Câmara, Michel Temer, e do Senado, José Sarney, ambos do PMDB, para jantar no Palácio da Alvorada. Na segunda-feira, convocou as principais lideranças do partido para uma reunião no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB), sede provisória da Presidência enquanto durar a reforma do Palácio do Planalto.
No primeiro dos dois encontros, o presidente deixou clara a estratégia que tem em mente para a aliança com o PMDB. Iniciou a conversa falando de Dilma e mostrando entusiasmo com sua candidatura. Falou em detalhes sobre a doença da ministra, transmitindo confiança quanto à recuperação dela e, ao mesmo tempo, reafirmando a candidatura em 2010. De forma explícita, pediu o apoio do PMDB à Dilma.
No momento seguinte da conversa, Lula falou sobre a presença do PMDB no governo e prometeu trazer o partido para o núcleo decisório. Não disse como ia fazer isso, mas se comprometeu com a demanda. Sarney e Temer explicaram que uma aliança com o partido, em 2010, passa por acordos político-eleitorais nos Estados. A mesma advertência foi feita na segunda-feira, durante a segunda reunião do presidente com o PMDB em menos de uma semana. Para concretizar uma aliança para 2010, ressalvaram os líderes pemedebistas, o PT terá que ceder espaço a candidatos da legenda aliada.
"Quem vota nas convenções do partido são os delegados estaduais, e eles estão sob a influência das questões locais. Então, é preciso equacionar direitinho as questões locais para trazer o apoio do PMDB ao candidato do governo", ponderou um participante dos encontros com Lula. "Se o PMDB não vai ter a Presidência da República, é claro que valoriza as disputas estaduais."
Chegar a um acordo nos Estados não será tarefa fácil. O PT, tradicionalmente, não segue as decisões do diretório nacional nos pleitos estaduais e municipais. Além disso, há problemas no PMDB. Nas conversas entre Lula e a cúpula do partido, avaliou-se que só o presidente pode, por exemplo, resolver o impasse na Bahia, onde o governador Jaques Wagner, do PT, quer se candidatar à reeleição, mas tem no ministro da Integração Nacional, Geddel Vieira, do PMDB, um possível contendor.
Em São Paulo, a principal liderança do PMDB, o ex-governador Orestes Quércia, interessado numa vaga para o Senado em 2010, fechou acordo com Serra, e criou uma situação complicadíssima para o partido fazer aliança formal com Dilma. No Rio, o prefeito de Nova Iguaçu, Lindberg Farias, do PT, quer sair candidato ao governo do Estado, hoje sob o comando do pemedebista Sérgio Cabral, um aliado fiel de Lula. Em Santa Catarina, o governador Luiz Henrique, do PMDB, tem aliança sólida com o PSDB e o DEM, principais partidos de oposição ao presidente, mudar isto não será fácil.
No Rio Grande do Sul, avalia-se que há possibilidade de composição entre PT e PMDB. "No Paraná, o presidente acha que o governador Roberto Requião (PMDB) é muito amigo dele e que, conversando, resolve a questão", relatou um político da cúpula. O PT precisa escolher, na avaliação do PMDB, o que é mais importante, se a Presidência da República ou as questões locais. "Nós precisamos do presidente (para fechar acordos regionais), não é só do PT não", observou um pemedebista.
As conversações sobre o papel do PMDB no governo começaram de verdade antes dos dois encontros com o presidente Lula, exatamente há cerca de um mês, durante reunião na residência oficial do presidente da Câmara. No encontro, o ministro da Defesa, Nelson Jobim, queixou-se da falta de integração entre os seis ministros do partido e também deles com o partido. Jobim lembrou, ainda, que a legenda não tem participação nas decisões políticas do governo. Definiu-se, ali, que o tema seria levado ao Planalto.
Depois daquela reunião, numa audiência para tratar de assuntos de sua Pasta, Jobim revelou ao presidente o pleito do PMDB. "Se todos vamos caminhar juntos para 2010, é preciso que haja integração política", comentou uma liderança pemedebista, ressalvando que não se trata de o partido ter mais um ministério ou a coordenação política do governo. O objetivo é ter um representante no coração do poder em Brasília.
Na semana passada, Jobim demitiu da Infraero afilhados do PMDB, num sinal oposto ao da aproximação entre partido e governo esboçada nos bastidores. As demissões ainda não foram entendidas no partido, mas estão sendo tratadas em separado da grande negociação para o futuro. Falou-se em rebelião, mas o Planalto procurou logo descaracterizar a decisão do ministro como um ato de desprestígio. Desde então, Lula passou a liderar pessoalmente as negociações com o partido.