sexta-feira, 15 de maio de 2009

Sem emplacar CPI, tucanos invadem Mesa em plenário


O plenário do Senado foi palco de algo inédito na história da instituição. Inconformados com a decisão da Mesa Diretora de não ler o pedido de instalação da CPI da Petrobrás, senadores do PSDB subiram à Mesa e, em uma quebra de protocolo, assumiram a presidência para tentar dar continuidade à sessão não deliberativa do início da noite desta quinta-feira (14). Segundos antes, a 2ª vice-presidente da Mesa, Serys Slhessarenko (PT-MT), assumira o posto para, com uma frase, instalar a confusão: “Não havendo mais oradores inscritos, declaro encerrada esta sessão”.

Ou seja, não haveria a possibilidade de o substituto hierárquico na Mesa – o 1º vice-presidente da Casa, Marconi Perillo (PSDB-GO) – chegar a tempo para prorrogar a sessão e, assim, ler o requerimento (os tucanos haviam informado que Perillo, que já estava em Goiânia, tomaria um avião de volta só para ler em plenário o pedido de abertura da CPI).

Foi o que bastou para que o líder do PSDB no Senado, Arthur Virgílio (AM), sem alternativas, subisse à Mesa, ocupasse a cadeira da presidência e, aos gritos e batendo na mesa, anunciasse: “Quero ver quem vai me tirar daqui!”, disse Virgílio, emendando uma exortação ao colega. “Com a palavra, o senador Tasso Jereissati [PSDB-CE]". Tasso tomou o microfone do plenário, protestou por alguns segundos e, por causa do primeiro-secretário, Heráclito Fortes (DEM-PI), não mais se fez ouvir em plenário – por determinação de Heráclito, os microfones foram todos desligados.

Em seguida, e novamente sem ter o que fazer, Virgílio deixou o plenário e anunciou à imprensa algo também inédito: que pediria “a cabeça” da secretária-geral da Mesa, Claudia Lyra.

“Essa senadora [Serys] demonstrou que se presta a qualquer papel, e encerrou uma sessão depois de eu ter pedido a palavra como líder, amparada numa viúva do senhor Agaciel Maia – viúva entre aspas, funcional, daquele esquema de roubalheira que estava montado aqui no Senado –, a senhora Claudia Lyra, que não vai continuar como secretária-geral”, bradou o tucano, acrescentando que pedirá ao presidente da Casa, José Sarney (PMDB-RN), a demissão da servidora. Do contrário, disse Virgílio, “a vida dele se tornará um inferno aqui nesta Casa”.

Desordem do dia

A assessoria de imprensa de Marconi Perillo disse à reportagem que, no momento em que o embate era travado em plenário, o senador estava “batalhando voo” de volta para Brasília no aeroporto de Goiânia. Segundo a assessoria, depois de saber do desfecho da sessão Marconi decidiu permanecer na cidade e retornar só amanhã, às 9h. Como garante o regimento, o senador poderá fazer a leitura do requerimento da CPI, em caso de ausência de Sarney.

Já a senadora Serys Slhessarenko ponderou que a reação oposicionista é normal. A petista repetiu diversas vezes que “não havia inscritos” para que a sessão se mantivesse aberta – o que, como podem demonstrar notas taquigráficas, justificaria a orientação regimental de Claudia Lyra.

“De qualquer forma, a sessão estava acabando”, concluiu a petista, reiterando que, como Heráclito havia ressaltado seguidas vezes em plenário, a reunião de líderes que definiu o depoimento do presidente da Petrobras, Sérgio Gabrielli, antecederia uma eventual leitura de requerimento. À reportagem, a assessoria de Serys garantiu que a senadora já estava no caminho de volta para casa quando, dentro do carro, ouviu a transmissão da sessão plenária pela rádio Senado – e, valendo-se de sua posição na hierarquia, foi ao plenário determinar o encerramento da ordem do dia.

O ineditismo da situação foi tal que regimentalistas do Senado afirmam não existir no regimento norma definindo se um líder de bancada, julgando-se desrespeitado em suas prerrogativas parlamentares, poderia tomar o comando da sessão com o objetivo de prorrogá-la. O ato, ainda mais da forma como foi praticado, custaria caro a Arthur Virgílio, que poderia enfrentar um processo por quebra de decoro. Mas também isso não tem normatização na Casa, segundo os mesmos regimentalistas.

Minutos depois da confusão, cerca de 20 policiais legislativos ocupavam a tribuna da imprensa de um plenário vazio. Em tom de brincadeira, um deles disse ao Congresso em Foco que "nada é inédito ao Senado", mas que de fato aquilo nunca havia ocorrido. Para o agente, os tucanos poderiam fazer até reunião de bancada, madrugada adentro, em plenário, desde que com as portas fechadas, sem microfones, iluminação ou transmissão da TV Senado: a sessão estava formalmente encerrada.

Próximos passos

O embate desta quinta-feira enfraquece a união dos principais partidos de oposição em torno da razoabilidade da CPI da Petrobras. Ao alegar fidelidade "à praxe" de acordo entre líderes, a despeito de imposições regimentais, Heráclito afrontou três dos principais líderes do PSDB – além de Virgílio, o presidente e o ex-presidente nacional da legenda, respectivamente Sérgio Guerra (PE) e Tasso Jereissati (CE).

Na já mencionada reunião de líderes, o PSDB teria autorizado o líder do DEM, José Agripino (RN), a representar os tucanos na discussão sobre o depoimento de Gabrielli e a instalação da CPI. Em reunião a portas fechadas da Mesa Diretora, os líderes decidiram ouvir o presidente da Petrobras antes da leitura do requerimento da CPI. Foi o que Heráclito alegou para não ler o documento, assinado por 32 senadores (o número regimental mínimo é 27).

Caso tenha seu funcionamento autorizado, a CPI investigará as suspeitas de fraudes em licitações nas empresas e os supostos desvios de royalties de petróleo – entenda-se por royalty o valor pago ao detentor de marca ou patente quando seu produto, registrado (patenteado) para fins comerciais, é explorado por terceiros.

Os supostos crimes foram apontados pela Operação Águas Profundas, da Polícia Federal, que desbaratou esquema de fraudes em licitações para a reforma de plataformas de petróleo da Petrobas, maior estatal do país e uma das maiores petrolíferas do mundo. Alvaro Dias lembra que, além da PF, Ministério Público Federal (MPF) e Tribunal de Contas da União (TCU) detectaram indícios de práticas ilícitas – a ANP está incluída no pedido de investigação porque o MPF constatou irregularidades no pagamento da agência a usineiros.

Para que a CPI seja instalada, o protocolo de requerimento deve ser lido em plenário pelo presidente do Senado, José Sarney (PMDB-RN), ou pelo sucessor hierárquico imediato. Como determina o regimento interno da Casa, vale o número de assinaturas registradas até a meia-noite do dia em que for feita a leitura - horário-limite para a retirada ou inclusão de adesões.

Tragicômico

Antes de Heráclito Fortes chegar ao plenário, quem presidia a sessão era o peemedebista Mão Santa (PMDB-PI), que já estava há cerca de meia hora a dissuadir os tucanos. “Graças a Deus está chegando Heráclito Fortes”, aliviou-se Mão Santa, ao ver o colega adentrar o local.

Virgílio, Jereissati e Sérgio Guerra tentavam de todas as maneiras induzir Mão Santa à leitura do documento, sem resultado: visivelmente constrangido e titubeando nas respostas, o peemedebista mencionava o acordo firmado na reunião de líderes. Além disso, dizia o senador, “só Deus baixando retira meu nome” da lista de adesões da CPI.

“Houve um entendimento de que se faria a convocação do senhor Sérgio Gabrielli para esta comissão e, em seguida, a leitura do requerimento para a devida instalação da CPI”, explicava Mão Santa, também em vão. “Vossa excelência é o presidente no momento, para todos os efeitos. Faça esta leitura em nome da confiança que tem conosco”, insisti Virgílio. “Não existe nenhum motivo, nenhum líder para impedir que seja feita aqui a leitura da CPI”, emendava Tasso.

Heráclito apresentava as mesmas razões de Mão Santa, tentando convencer os tucanos a desistir da leitura. Ele chegou a anunciar uma reunião extraordinária das lideranças na próxima segunda-feira (18), com a intenção de apressar as tratativas para o depoimento de Gabrielli e a formalização da CPI. “Há uma praxe nesta Casa, de respeitar as decisões desse colegiado. Vossa excelência entenda a posição de quem ocupa a presidência da Mesa nesse momento. Eu assinei a CPI, não se cogita a retirada de minha assinatura”, lembrou Heráclito, dirigindo-se a Virgílio.

Uma das possibilidades aventadas na reunião de líderes, lembrava Heráclito, foi o comparecimento de Gabrielli a uma audiência conjunta das comissões de Constituição e Justiça; de Assuntos Econômicos; e de Infra-Estrutura. Nada adiantava. “Queremos a imediata leitura da CPI, é um direito nosso”, dizia Tasso, que chegou a pedir que Heráclito passasse a palavra para a secretária-geral da Mesa.

Sopro

Diante da resposta irônica de Heráclito, o senador cearense disparou. “Sei que vossa excelência gosta muito de uma gracinha, mas não pedi para passar a palavra para a doutora Claudia Lyra. Essa não é a discussão”, disse. “Vossa excelência está dizendo que não pediu para passar a palavra para a doutora Claudia?”, desafiou Heráclito, fazendo o colega recuar e pedir desculpas – mas não sem voltar à carga depois.

“Peço que a doutora sopre em seu ouvido uma pergunta que eu vou fazer. Esse é o trabalho dela, esse sopra-sopra, que ela faz com muita competência. Gostaria de uma sopradinha no seu ouvido, para que vossa excelência pudesse entender o que diz o regimento”, alfinetou o senador, referindo-se à possibilidade regimental de substituição na presidência da Mesa.

Heráclito se disse pasmo com o que acontecia. "Imagine se o senador ACM [Antônio Carlos Magalhães, morto em 2007], se a providência divina assim permitisse, entrasse aqui agora. Ele não ia entender nada: eu criticado por vocês e elogiado pelo PT." Vozes governistas presentes ao episódio, Marina Silva (PT-AC) e João Pedro (PT-AM) haviam acabado de manifestar apoio à postura de Heráclito. Congresso em foco

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