Treze anos depois do processo de impeachment do ex-governador Paulo Afonso Vieira (PMDB), evitado por um único voto, Santa Catarina volta a enfrentar uma ameaça de cassação na cúpula do governo. A diferença é que o processo migrou da Assembleia Legislativa, onde se desenrolou o processo, para o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que hoje vota dois processos contra o governador Luiz Henrique (PMDB) e seu vice, Leonel Pavan (PMDB).
Além de egressos do mesmo partido, os dois governadores também são alvejados pela mesma oposição, liderada pelo PP de Esperidião Amin, partido derrotado nas eleições de 2006. A acusação recai sobre abuso de poder econômico e político por propaganda durante o período eleitoral. Um dos processos pede a cassação do mandato e o segundo pede a ineligibilidade do governador e do seu vice por três anos.
A migração do processo do Legislativo para a Justiça Eleitoral também é reflexo da desmobilização da política local em torno da cassação do governador. Ex-governador do Estado, ex-secretário da Casa Civil do governo Paulo Afonso, hoje presidente estadual do PMDB e atual presidente da Celesc Holding, Eduardo Pinho Moreira diz que o governo Paulo Afonso foi sacudido por uma instabilidade política que avalia inexistir no governo de Luiz Henrique. "Houve um momento em que o governo parou para impedir o impeachment e hoje isso não ocorre", diz.
Lembra que Paulo Afonso não tinha maioria na Assembleia, o que o deixou vulnerável. A lição que os pemedebistas locais tiraram do episódio foi que "fortalecimento político" é essencial para se governar, diz o presidente estadual do partido. Com maioria farta na Assembleia Legislativa - são 27 governistas de um total de 40 deputados -, o questionamento da eleição de Luiz Henrique no Tribunal Regional Eleitoral de Santa Catarina (TRE-SC) e no TSE não causou nenhum desdobramento local.
O encaminhamento do processo à esfera federal, diz Pinho, deveu-se a um "descuido jurídico" do governador e do próprio PMDB, que "não deram muita bola quando os adversários foram ardilosos e entraram com a ação no TSE, depois de ter sido julgada improcedente no TRE".
O próprio Paulo Afonso prefere considerar que são casos "muito diferentes". "Houve uma articulação de partidos para me tirar do poder. Se eu tivesse maioria, isso não teria acontecido porque em outros Estados, que fizeram emissão de Letras [Financeiras do Tesouro do Estado], isso não ocorreu". Na sua opinião, o processo só andou porque havia "fragilidade política".
"O Luiz Henrique teve todo cuidado para fazer diferente, garantindo sólida maioria na Assembleia", destacou Paulo Afonso.
O caso Paulo Afonso originou-se na emissão de R$ 605 milhões em Letras Financeiras do Tesouro do Estado (LFTEs) pelo governo catarinense para pagar precatórios (dívidas judiciais). Essa operação teve irregularidades apontadas pela Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) dos Títulos Públicos do Senado.
Em relação à decisão de hoje, tanto a defesa quanto a acusação manifestam otimismo. A acusação teve três votos a favor na primeira vez em que o caso foi julgado no TSE em fevereiro de 2008, mas os três ministros - Ari Pargendler, Gerardo Grossi e José Delgado - não estão mais no TSE e os votos foram invalidados porque não foi incluso no processo o vice e a previsão de sua respectiva defesa. Já a oposição sustenta que o governador já foi vitorioso no TRE e que no TSE o caso voltou ao início com a inclusão do vice, desconsiderando a argumentação de votos anteriores dos ministros, que, embora não contem mais, estão no processo.
"O que eles montaram foi uma farsa, uma fraude, porque alegaram que houve publicidade escandalosa e maciça", disse João Linhares, advogado de Luiz Henrique.
A acusação sustenta que houve durante a campanha eleitoral reportagens pagas e publicidade institucional em uma rede de quase 200 jornais do interior do Estado a favor do governador, além do envio para a Assembleia Legislativa de um projeto de isenção de IPVA para motocicletas em meio ao processo eleitoral.
Linhares rebate as acusações, dizendo que se tratava de "material jornalístico", tendo sido feita uma entrevista com o governador, cujo conteúdo foi replicado para os jornais afiliados das respectivas redes - Associação dos Jornais do Interior de Santa Catarina, Associação Catarinense de Emissoras de Rádio e Televisão e Associação dos Diário do Interior de Santa Catarina. Citou nota pública das redes negando pagamento pela matéria e lembrou a renúncia de Luiz Henrique para concorrer à reeleição e seu passado político: "Ele passou por 12 eleições e nunca foi condenado a nada. Ninguém vai renunciar ao mandato para fazer bobagem", diz
Do outro lado, Alessandro Abreu, advogado da acusação, diz que parte dos fatos que estão relatados no processo foram feitos por terceiros e a favor de Luiz Henrique, como a isenção de IPVA para motociclistas, cujo projeto foi proposto por Amin em campanha na TV e enviado à Assembleia por Pinho Moreira, quando assumiu o governo em substituição a Luiz Henrique, de quem era vice de fevereiro a dezembro de 2006. Abreu sustenta reportagens pagas e que houve "propaganda institucional" e elas teriam sido veiculadas antes mesmo da renúncia.
A possibilidade de cassação preocupa parte do PMDB, pelo entendimento de que o processo gerou "alguma tensão" no governo, ainda que Luiz Henrique já tenha reiterado publicamente que não se preocupa com o julgamento, acreditando que não será cassado. "O governador pediu para agilizar o processo. Quer se ver livre desse abacaxi porque tem convicção de que não fez nada de errado", afirmou Linhares.
Este ano o TSE cassou os governadores Cássio Cunha Lima (PSDB-PB) e Jackson Lago (PDT-MA). O último julgado, o governador do Amapá, Walder de Góes (PDT) foi absolvido.