segunda-feira, 28 de julho de 2008

Atenção aos lobbies que atuam na OMC


Durou pouquíssimo a tentativa de atribuir ao ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, algum tropeço nas negociações de liberalização comercial da Organização Mundial do Comércio (OMC), pela comparação dos países ricos aos nazistas, que aconselhavam repetir muito uma mentira até ela passar por verdade. As interpretações, equivocadas, de que o ministro teria falado impensadamente, não resistiram aos fatos. Já a verdadeira gafe ministerial na atuação do Brasil em relação à OMC ainda exige uma melhor avaliação.

O autor da rata foi o ministro da Agricultura, Reinhold Stephanes, que, em uma entrevista para "O Estado de S. Paulo", chegou a dizer que a chamada Rodada Doha, em negociação na OMC, "não servirá para nada", e que seriam irrelevantes as reuniões dos ministros, em Genebra. Em um ponto delicado das negociações, quando ministros relutam em ceder por duvidarem da real disposição dos interlocutores em negociar, Stephanes desmoralizou a delegação brasileira, e enviou mensagens equivocadas a Genebra.

Ao contrário de interpretações ensaiadas após a manifestação do ministro da Agricultura, porém, ele é voz isolada no governo. Seus assessores chegaram a deixar Genebra no fim de semana, mas sua irritação com o Itamaraty, coordenador das negociações, não é compartilhada pelo Ministério do Desenvolvimento, nem reflete um suposto abandono dos interesses nacionais pelos diplomatas em troca de articulações políticas com parceiros como a China.

Em favor do destempero de Stephanes deve-se reconhecer que ele manifestou pelo menos uma impressão compartilhada por outras autoridades do governo Lula e já mencionada pelo próprio Amorim: com a alta dos preços de alimentos, os fortes subsídios concedidos a produtores rurais nos países ricos provocam distorções menores no comércio internacional; e a demanda crescente por mercadorias agrícolas deve reduzir as barreiras a esses produtos, com ou sem acordo da OMC.

Essa situação, porém, apenas significa que o Brasil pode esperar sem muito desconforto por mais alguns anos, caso fracasse a atual rodada de negociações na OMC. Mas nunca que seja irrelevante o esforço de redução das distorções no comércio internacional e, mais importante, a tentativa, flagrante em Genebra, de evitar que a OMC e o sistema multilateral de comércio percam a relevância e dêem lugar à lei do mais forte no mercado internacional.

A maior gafe foi a do ministro da Agricultura

Amorim, ao provocar escândalo comparando americanos e europeus ao ideólogo nazista Joseph Goebbels, atraiu as atenções para si e para os negociadores brasileiros, em um momento no qual estava ameaçado de perder legitimidade como representante dos interesses dos países em desenvolvimento. A política de substituição de importações da Argentina faz com que o país se isole, no Mercosul, e resista solidamente a ceder na discussão sobre a redução de barreiras às importações de manufaturados. A Índia, que também protege fortemente a própria indústria, e, além disso, teme o efeito da liberalização de importações agrícolas sobre a massa de famélicos agricultores do país, também se encastelava contra avanços na negociação.

No fim de semana, diplomatas em Genebra acusavam o Brasil de "vender" os parceiros por "30 moedas" - concessões dos EUA e Europa para o etanol brasileiro. Ameaçado de perder o protagonismo entre os países em desenvolvimento, ao chocar com sua menção a Goebbels, mostrou aos países desenvolvidos que poderiam perder seu interlocutor mais disposto a concessões, no time dos países emergentes.

As concessões postas na mesa pelo Itamaraty não saíram do bolso dos diplomatas. Em uma demonstração de maturidade, a indústria brasileira, que acompanha de perto as discussões em Genebra, avaliou os números e opções em negociação e concluiu que pode aceitar uma redução nas tarifas de importação e uma maior abertura à concorrência estrangeira. A questão é dosar essa abertura. Para Roberto Giannetti, da Fiesp, a atuação dos negociadores brasileiros garante uma posição privilegiada ao Brasil nas discussões da OMC, em um ambiente onde é difícil conciliar interesses dos aliados com a defesa que, segundo ele, vem sendo feita da prioridade para os produtores brasileiros.

Houve avanços, ainda que tímidos, em agricultura - mas não é à toa que o Grupo de Cairns, de países mais agressivos na demanda por abertura agrícola, perdeu relevância nas negociações para o G-20, grupo de interesses heterogêneos. Apesar das críticas, os brasileiros têm presença garantida nas reuniões decisivas da OMC, das mais restritas às específicas, como a que discute o fim das barreiras ao algodão, comandada por Estados Unidos, União Européia, quatro países africanos e o Brasil.

A atenção, em Genebra, se concentra nas discussões sobre as condições de maior acesso aos mercados, com a redução de tarifas de importação, e na redução de subsídios agrícolas. Mas, ao avançarem, as negociações podem trepidar em outros pontos, que afetam interesses diferenciados. É o caso da disputa por monopólio no uso de denominações geográficas (questão de honra para os europeus, que apavora países como a Argentina, repleta de regiões com nomes espanhóis, dedicadas à produção de vinhos, por exemplo).

Os negociadores brasileiros, se estiverem - como estão - interessados em um acordo, têm de conciliar a defesa dos interesses nacionais com os caminhos possíveis, limitados pelos impedimentos reais dos outros países. Os negociadores também têm de conciliar interesses no Brasil: o agronegócio, a agricultura familiar, industriais, prestadores de serviços, consumidores. Nenhum destes representa sozinho o interesse nacional.

Todos, de alguma maneira, podem ter ganhos, perdas e frustrações com um acordo na OMC. Caso considerem as perdas e frustrações maiores que os ganhos, tentarão convencer a opinião pública que seus interesses particulares são a expressão do interesse nacional. Não são. E cabe à sociedade ficar atenta a isso.

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