Um esquema de desvio de R$70 milhões dos cofres públicos na gestão da ex-governadora Rosinha Garotinho (PMDB), hoje candidata a prefeita de Campos, levou ontem 12 pessoas à cadeia, entre elas dois ex-secretários de estado. A operação Pecado Capital cumpriu 14 mandados de prisão, expedidos depois de investigação, que dura dois anos, sobre o envolvimento de ONGs que prestaram serviço ao estado e empresas doadoras da pré-campanha do ex-governador Anthony Garotinho à Presidência da República pelo PMDB. Pelo escândalo, os dois ex-governadores foram denunciados à Justiça por suposto ato de improbidade administrativa.
Gilson Cantarino, ex-secretário de Saúde, e Marco Antônio Lucidi, ex-secretário de Trabalho, além da ex-deputada federal Alcione Athayde, prima de Garotinho e ex-subsecretária de Saúde do estado, estão entre os 12 presos. Diferentemente de operações recentes da Polícia Federal, nenhum deles foi algemado - segundo os promotores, para preservar a intimidade dos acusados, ontem denunciados por crimes de formação de quadrilha, uso de documento falso, falsidade ideológica, dispensa indevida de licitação e peculato (crime praticado por funcionário público).
A investigação começou em 2006, após O GLOBO mostrar que havia sócios em comum entre empresas que doaram recursos para a pré-campanha de Garotinho e ONGs que prestavam serviço ao governo Rosinha. Na denúncia por improbidade, os promotores confirmaram que os sócios das empresas receberam recursos de cooperativas que eram contratadas com dinheiro da Secretaria estadual de Saúde (SES). A ação civil pública, distribuída ontem para a 4ª Vara de Fazenda Pública, acusa, além de Rosinha e Garotinho, mais 21 pessoas (a maioria delas também denunciada criminalmente) e dez entidades.
Ex-secretário de Saúde foi preso em sítio de amigo
Nas ruas desde as 6h, promotores de Cidadania e da Coordenadoria Especial de Combate à Sonegação Fiscal (Coesf), 250 policiais militares que estão cedidos à Coordenadoria de Segurança e Inteligência do MP (CSI), dois delegados e 15 agentes da Delegacia Fazendária (Delfaz) percorreram ontem todos os endereços dos denunciados. Além dos mandados de prisão, cumpriram 30 de busca e apreensão. O grupo se encontrou às 3h, na sede do Ministério Público, no Centro do Rio. Além de prender 12 denunciados - Claro Luiz Dantas da Silva e Carlos Arlindo Costa (na Suíça) estão foragidos -, o MP apreendeu computadores e documentos.
O único incidente registrado pelos promotores foi durante o cumprimento do mandado de prisão contra Gilson Cantarino. A equipe do MP chegou à casa do médico às 6h, mas, impedida pela síndica, só conseguiu entrar no edifício, em Icaraí, por volta das 7h, quando Cantarino já havia deixado o apartamento. A partir de então, os promotores tentaram encontrar o ex-secretário em outros lugares.
Durante o dia, os advogados de Gilson Cantarino chegaram a anunciar à 21ª Vara Criminal da capital, que concedera os mandados de prisão, que seu cliente se entregaria apenas hoje. No entanto, por volta das 16h, os promotores foram informados por policiais do serviço reservado do 12º BPM (Niterói) que Cantarino estaria em Itaipu, um bairro distante de Icaraí, se deslocando de carro. Uma equipe de agentes da CSI foi deslocada para a região e conseguiu prender o médico no sítio de um amigo, em Pendotiba, outro bairro.
O Ministério Público informou que a operação continuará até que todos os foragidos sejam presos. Marco Antônio Lucidi foi preso em casa, na Barra da Tijuca, Zona Oeste do Rio.
Entre as "mini-ONGs", 52 igrejas evangélicas
O eixo central do esquema estava, segundo os promotores, na distribuição de R$234,4 milhões recebidos pela Pro-Cefet para o Projeto Filipenses e para a ONG Alternativa Social, que repassava o valor a 138 "micro-ONGs" - pequenas entidades filantrópicas, a maioria religiosa. Na lista, entre outras, 52 igrejas evangélicas, 47 associações de moradores, uma ONG chamada Rocinha Futebol Clube e a Tenda Espírita Cabocla Jurema. As que mais receberam foram a Associação Cívica, Cultural e Beneficente Projeto Missões de Vida, com R$1,7 milhão, e a Igreja Pentecostal Assembléia dos Santos Ministérios Somos Mais que Vencedores, com R$1,2 milhão.
Como o GLOBO mostrou em reportagem há dois anos, o ex-secretário Marco Antônio Lucidi foi um dos fundadores da Pro-Cefet, que recebeu recursos da Secretaria estadual de Saúde e "terceirizou" os serviços e o pagamento para outras ONGs. Em 2006, ele era secretário estadual de Trabalho, mas continuava com influência na Pro-Cefet. Lucidi foi mantido no governo Sérgio Cabral (PMDB) no cargo de vice-presidente da Fundação de Apoio à Escola Técnica (Faetec). Já Gilson Cantarino é apontado pelo MP como o responsável direto pela realização do contrato entre a Pro-Cefet e o governo do estado.
Garotinho e Rosinha, poupados na denúncia criminal, são apontados, na ação civil, como responsáveis, em última instância, pelos contratos. Foi por interferência do ex-governador que Rosinha substituiu a ONG CCBDC, que prestava o serviço anteriormente, pela Pro-Cefet. Caso sejam condenados, eles poderão ficar inelegíveis por até oito anos, pagar multas e devolver os valores desviados das contas do estado.
Os desvios de recursos da saúde não paravam no esquema de "micro-ONGs". De acordo com os promotores, outros R$8,8 milhões do projeto foram usados para pagar a empresas e cooperativas, todas ligadas aos representantes da Pro-Cefet, por serviços de consultoria que nunca foram prestados.