Num CD apreendido pela Polícia Federal em 2004, nos porões de arapongas privados contratados da multinacional Kroll, esconde-se a gênese da história de crimes que o delegado federal Protógenes Queiroz tenta tipificar agora naquela que batizou de Operação Satiagraha. O velho CD contém, em meio a outros 80 relatórios, um documento datado do dia 10 de maio daquele ano, chamado NahasMemo, capaz de dar sentido ao que até aqui parece um emaranhado de acusações pouco claras. Lá, o megaespeculador Naji Nahas aparece como sócio de políticos em esquemas de corrupção e, mais importante, como ponte segura do mundo dos negócios até o gabinete mais poderoso do Palácio do Planalto.
Para efeito de entendimento, há que se contar a circunstância da existência do CD, obtido pelo Correio junto a fontes próximas da investigação. Ele veio no arrasto da rede jogada pela PF na Operação Chacal. Estava guardado no fundo falso de uma gaveta no escritório paulista da Kroll. A Operação Chacal, por seu turno, foi deflagrada em outubro de 2004 para interromper uma rede de arapongagem internacional supostamente montada por Daniel Dantas. À época, o dono do Banco Opportunity lutava com a Telecom Itália pelo controle da Brasil Telecom.
Em meio à pugna, com fundos da operadora brasileira, na qual mandava, Dantas contratou a Kroll, maior empresa do mundo no ramo de investigação empresarial. E passou a bisbilhotar figurões de dentro e de fora do governo que pudessem favorecê-lo na empreitada contra os italianos.
O NahasMemo é parte desse grande enredo. E, como o nome diz, traz um perfil detalhado de Naji Robert Nahas, um libanês nascido em 3 de novembro de 1945, filho de Robert Selim Nahas e Renee Kalil Achkar. Lá, diz-se que o menino passou seus primeiros anos no Egito e que estudou na tradicional casa inglesa de Oxford. Depois de formar-se, voltou ao Líbano e casou com a brasileira Maria Latife Aun Simao. O casal mudou-se para o Brasil em 1968, ele, então, com 23 anos. Da união nasceram Fernando, parceiro de negócios do pai na praça paulistana, e Nathalie, que vive nos Estados Unidos.
Inimigos
O interesse de Daniel Dantas em Naji Nahas, entretanto, passava longe da história da saga do imigrante. No relatório não assinado do araponga da Kroll, o libanês é descrito logo na primeira página como amigo de longa data de Marco Tronchetti Provera, principal executivo da Telecom Itália e marechal das tropas inimigas do Opportunity.
“No verão de 2002, foi reportado que Nahas havia intermediado um acordo para dar fim a uma batalha sangrenta entre a Telecom Itália e a Brasil Telecom”, relatou o espião, em inglês. “Nesse caso, Nahas tinha contactado um advogado chamado Kevin Mundy para negociar o acordo pelo qual a Telecom Italia reduziria seus riscos na Brasil Telecom fazendo a TIM explorar suas licenças GSM.”
Estava, assim, bem apresentado o tentáculo do libanês do mercado de telecomunicações como um todo e, em particular, dentro do QG adversário. Eram credenciais opulentas para Daniel Dantas querer recrutá-lo. Mas não é tudo.
Ainda na introdução, o relatório da Kroll versa sobre outra prenda muito maior e mais cobiçada do portfólio de Naji Nahas. “No mercado brasileiro, ele é comumente referenciado como ‘um amigo’, servindo de elo entre corporações e outras entidades, como companhias, agências reguladoras, o mercado financeiro e o governo. Em resumo, um poderoso e bem conectado lobista; no caso da Telecom Itália no Brasil, a atuação aparentemente alcança nível presidencial.” Estava selada a associação entre os dois personagens mais controversos dos últimos 20 anos nas finanças brasileiras.