Com escolta de um carro da PM, uma Kombi cheia de pessoas simples saía quase que diariamente de uma agência bancária em Botafogo. Dentro do carro, valores que podiam chegar a R$1 milhão por dia que saíam da Secretaria de Saúde - e deveriam ser usados para melhorar os serviços para a população - estavam sendo levados para um escritório no Centro da cidade. Lá, pessoas humildes, donas de pequenas ONGs ou igrejas evangélicas, recebiam pequenas quantias, nunca maiores de R$950. O restante ficava no escritório da Pro-Cefet. E era tanto dinheiro que precisava ser somado com uma máquina de contar cédulas.
O esquema desvendado ontem na Operação Pecado Capital funcionou por cerca de 18 meses. De acordo com as investigações do Ministério Público, o secretário de Trabalho no Governo Rosinha Marco Antonio Lucidi "exerceu influência para o direcionamento da contratação em favor da Pro-Cefet". Os promotores encontraram diversas irregularidades na contratação, inclusive o uso de um ofício falso. Após contratada, a Pro-Cefet teria que realizar o programa chamado "Saúde em movimento". Os promotores dizer ter encontrado provas de que o programa era uma farsa.
Duas pequenas ONGs sacaram R$60,9 milhões
Dos R$234,4 milhões repassados à Pro-Cefet, R$60,9 milhões foram sacados na boca do caixa por duas ONGs, a Alternativa Social e a Projeto Filipenses. Essas duas organizações deveriam, com o dinheiro, prestar serviços de saúde em comunidades carentes. Para isso, teriam contratado outras 138 micro-ONGs. Destas, 52 eram igrejas evangélicas. Algumas ONGs já estavam inativas.
Mas a contratação, na verdade, nunca existiu, segundo o Ministério Público. Os representantes das ONGs eram levados a uma agência bancária em Botafogo, onde endossavam cheques sem nem mesmo saber o valor. Os diretores da Pro-Cefet recebiam os cheques, que nunca passavam de R$100 mil para evitar rastreamento. Depois de receber o dinheiro, os representantes das ONGs ficavam com valores entre R$100 e R$950. O restante era desviado para a quadrilha.
O gerente do banco prestou depoimento e disse que os saques chegavam a R$1 milhão por dia e que seguranças armados entravam no banco. Os dias de pagamento da ONG, segundo ele, transformavam a agência num "inferno de tanta gente".
Em depoimento prestado ao MP, Jorge Antonio Oliveira Costa, que é dono de uma pequena ONG na Zona Norte, contou que foi ao Itaú com a promessa de que a organização, que cuida de crianças carentes, receberia ajuda. Ao chegar, ele viu cerca de 20 pessoas que também abririam conta no banco. Jorge relatou que assinou um cheque sem ver o valor e recebeu R$950. A operação foi realizada três vezes. O depoente afirmou no depoimento que jamais o projeto "Saúde em movimento" foi realizado. Mas, segundo os promotores apuraram, a quadrilha sacou R$300 mil em nome da ONG dele.
Outras duas mulheres que prestaram depoimento, Anna Maria da Conceição e Jussara Maranhão da Silva, informaram que trabalhavam como voluntária na entrega do Cheque Cidadão, programa dos governos Garotinho e Rosinha. Quando a entidade à qual eram ligadas fechou, elas foram procuradas por Rita para receber recursos para a ONG. Elas contam que receberam apenas R$300 e R$100 do que foi sacado em nome das instituições a que pertenciam.
ONG recebeu R$6,5 milhões sem comprovar gastos
A Projeto Filipenses ficou com R$6,5 milhões dos R$55,6 milhões que foram sacados na boca do caixa e não comprovou os gastos. Localizada num pequeno escritório na Rua Barão do Bom Retiro, no Engenho Novo, ela informa que presta vários tipos de serviços comunitários. O GLOBO esteve ontem na organização, mas nenhum responsável foi encontrado.
A segunda entidade que mais recebeu recursos foi a Associação Cívica Cultural e Beneficente Projeto Missões de Vida - Rilineg, com R$1,7 milhão. O endereço da Associação é uma casa simples na Pavuna, Zona Norte do Rio. A proprietária desta ONG é Rita Germello, que segundo os promotores era a arregimentadora das pequenas ONGs que emprestavam seus nomes para os saques do esquema. Outras 11 entidades receberam mais de R$1 milhão no período em que o esquema funcionou.
Para realizar a operação criminosa, a Pro-Cefet contava com ajuda policial. De acordo com depoimentos, o soldado da Polícia Militar Otávio Augusto Cavalcanti, sócio de um dos diretores da Pró-Cefet preso ontem, ficava dentro da agência acompanhando os saques, que aconteciam pelo menos três vezes por semana. O dinheiro saía em uma Kombi que era escoltada por um carro da PM até um escritório no Centro da cidade. No endereço, o dinheiro era somado em máquina de contar cédulas.