quarta-feira, 16 de julho de 2008

ONG chegava a sacar R$1 milhão por dia


Com escolta de um carro da PM, uma Kombi cheia de pessoas simples saía quase que diariamente de uma agência bancária em Botafogo. Dentro do carro, valores que podiam chegar a R$1 milhão por dia que saíam da Secretaria de Saúde - e deveriam ser usados para melhorar os serviços para a população - estavam sendo levados para um escritório no Centro da cidade. Lá, pessoas humildes, donas de pequenas ONGs ou igrejas evangélicas, recebiam pequenas quantias, nunca maiores de R$950. O restante ficava no escritório da Pro-Cefet. E era tanto dinheiro que precisava ser somado com uma máquina de contar cédulas.

O esquema desvendado ontem na Operação Pecado Capital funcionou por cerca de 18 meses. De acordo com as investigações do Ministério Público, o secretário de Trabalho no Governo Rosinha Marco Antonio Lucidi "exerceu influência para o direcionamento da contratação em favor da Pro-Cefet". Os promotores encontraram diversas irregularidades na contratação, inclusive o uso de um ofício falso. Após contratada, a Pro-Cefet teria que realizar o programa chamado "Saúde em movimento". Os promotores dizer ter encontrado provas de que o programa era uma farsa.

Duas pequenas ONGs sacaram R$60,9 milhões

Dos R$234,4 milhões repassados à Pro-Cefet, R$60,9 milhões foram sacados na boca do caixa por duas ONGs, a Alternativa Social e a Projeto Filipenses. Essas duas organizações deveriam, com o dinheiro, prestar serviços de saúde em comunidades carentes. Para isso, teriam contratado outras 138 micro-ONGs. Destas, 52 eram igrejas evangélicas. Algumas ONGs já estavam inativas.

Mas a contratação, na verdade, nunca existiu, segundo o Ministério Público. Os representantes das ONGs eram levados a uma agência bancária em Botafogo, onde endossavam cheques sem nem mesmo saber o valor. Os diretores da Pro-Cefet recebiam os cheques, que nunca passavam de R$100 mil para evitar rastreamento. Depois de receber o dinheiro, os representantes das ONGs ficavam com valores entre R$100 e R$950. O restante era desviado para a quadrilha.

O gerente do banco prestou depoimento e disse que os saques chegavam a R$1 milhão por dia e que seguranças armados entravam no banco. Os dias de pagamento da ONG, segundo ele, transformavam a agência num "inferno de tanta gente".

Em depoimento prestado ao MP, Jorge Antonio Oliveira Costa, que é dono de uma pequena ONG na Zona Norte, contou que foi ao Itaú com a promessa de que a organização, que cuida de crianças carentes, receberia ajuda. Ao chegar, ele viu cerca de 20 pessoas que também abririam conta no banco. Jorge relatou que assinou um cheque sem ver o valor e recebeu R$950. A operação foi realizada três vezes. O depoente afirmou no depoimento que jamais o projeto "Saúde em movimento" foi realizado. Mas, segundo os promotores apuraram, a quadrilha sacou R$300 mil em nome da ONG dele.

Outras duas mulheres que prestaram depoimento, Anna Maria da Conceição e Jussara Maranhão da Silva, informaram que trabalhavam como voluntária na entrega do Cheque Cidadão, programa dos governos Garotinho e Rosinha. Quando a entidade à qual eram ligadas fechou, elas foram procuradas por Rita para receber recursos para a ONG. Elas contam que receberam apenas R$300 e R$100 do que foi sacado em nome das instituições a que pertenciam.

ONG recebeu R$6,5 milhões sem comprovar gastos

A Projeto Filipenses ficou com R$6,5 milhões dos R$55,6 milhões que foram sacados na boca do caixa e não comprovou os gastos. Localizada num pequeno escritório na Rua Barão do Bom Retiro, no Engenho Novo, ela informa que presta vários tipos de serviços comunitários. O GLOBO esteve ontem na organização, mas nenhum responsável foi encontrado.

A segunda entidade que mais recebeu recursos foi a Associação Cívica Cultural e Beneficente Projeto Missões de Vida - Rilineg, com R$1,7 milhão. O endereço da Associação é uma casa simples na Pavuna, Zona Norte do Rio. A proprietária desta ONG é Rita Germello, que segundo os promotores era a arregimentadora das pequenas ONGs que emprestavam seus nomes para os saques do esquema. Outras 11 entidades receberam mais de R$1 milhão no período em que o esquema funcionou.

Para realizar a operação criminosa, a Pro-Cefet contava com ajuda policial. De acordo com depoimentos, o soldado da Polícia Militar Otávio Augusto Cavalcanti, sócio de um dos diretores da Pró-Cefet preso ontem, ficava dentro da agência acompanhando os saques, que aconteciam pelo menos três vezes por semana. O dinheiro saía em uma Kombi que era escoltada por um carro da PM até um escritório no Centro da cidade. No endereço, o dinheiro era somado em máquina de contar cédulas.

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