Como o diretor João Zoghbi tornou uma senhora de 83 anos sua sócia para receber dinheiro de um banco que faz negócios com o Senado
O EMPRESÁRIO
João Carlos Zoghbi na porta de sua casa, em Brasília. Apadrinhado por políticos, ele virou diretor do Senado e ergueu um grupo empresarial
Por quase uma década, João Carlos Zoghbi foi diretor de Recursos Humanos do Senado, onde comandava uma folha de pagamentos de 10 mil funcionários, que consome R$ 2,3 bilhões por ano. Acumulou poder, patrimônio – ele é dono de uma casa em Brasília, com 770 metros quadrados de área construída –, assim como muitos desvios éticos e irregularidades. A vida funcional de Zoghbi no Senado se assemelha a um compêndio dos escândalos que nos últimos meses abalaram ainda mais a imagem pública do Congresso. Sete parentes de Zoghbi – sua mulher, Denise, seus três filhos, um irmão, uma cunhada e até uma ex-nora – foram demitidos do Senado depois que o Supremo Tribunal Federal (STF) obrigou o Parlamento a tomar medidas contra o nepotismo. Um dos filhos de Zoghbi morava de graça num apartamento funcional do Senado. A família Zoghbi envolveu-se também na farra das passagens aéreas do Congresso – fizeram 42 viagens com bilhetes da cota de 12 deputados federais.
Agora, uma investigação feita por ÉPOCA nos últimos três meses revela que Zoghbi tem problemas ainda mais sérios. Ele está envolvido na criação de empresas de fachada, que usavam testas de ferro para ocultar o recebimento de quantias milionárias pagas por empresas que faziam negócios com o Senado. A história mais escandalosa envolve Maria Izabel Gomes, uma senhora de 83 anos. Ela foi ama de leite e babá de João Carlos Zoghbi. Mora até hoje com ele numa casa no Lago Sul, bairro nobre de Brasília. Até os 80 anos, dona Maria Izabel não tinha renda alguma. Era isenta no Imposto de Renda. No segundo semestre de 2006, ela virou sócia majoritária de três empresas – DMZ Consultoria Empresarial Ltda., Contact Assessoria de Crédito Ltda. e DMZ Corretora de Seguros Ltda. ÉPOCA apurou que, em apenas um ano e meio, as três empresas da ex-babá faturaram pelo menos R$ 3 milhões.
Grande parte dessa receita veio do Banco Cruzeiro do Sul, instituição que fez fortuna como provedora de crédito consignado, empréstimos com desconto em folha de pagamentos para funcionários públicos. Só no Senado, nos últimos três anos o negócio movimentou R$ 1,2 bilhão. O Cruzeiro do Sul foi responsável por uma fatia de R$ 380 milhões. ÉPOCA apurou que o Cruzeiro do Sul pagou cerca de R$ 2,3 milhões à empresa Contact por serviços referentes à concessão de crédito consignado, especialmente aos funcionários do Senado. Os pagamentos à Contact começaram depois de o banco ter enfrentado, em 2007, uma complicada negociação para renovar o contrato com o Senado por dois anos. Em 2006, a Mesa do Senado resolveu tomar providência contra o Cruzeiro do Sul, depois de receber o ofício número 350, assinado pelo então diretor João Carlos Zoghbi. Ele reclamava dos serviços prestados pelo banco. O relatório de Zoghbi registrava queixas de funcionários sobre mau atendimento, descaso e até uma denúncia documentada de que o banco se recusava a aceitar a quitação de dívidas. A direção do Senado ameaçou suspender negócios com o banco.
Segundo servidores do Senado, o Cruzeiro do Sul teria enviado então a Brasília a ex-bancária Bianka Machado e Dias para buscar um entendimento com a área de Recursos Humanos do Senado. Meses depois, o que era para ser apenas um relacionamento institucional entre um banco privado e o Senado gerou um novo negócio. Em outubro de 2006, foi criada em Brasília a Contact Assessoria de Crédito, que funciona numa pequena sala num prédio do Setor Comercial Norte, em Brasília. No papel, a empresa tem três donos: a ex-babá de Zoghbi, Maria Izabel, com 61% das cotas, Bianka Dias, com 34%, e o dentista Ricardo Nishimura Carneiro, com outros 5%. Ao longo de 2007, o Cruzeiro do Sul fez pagamentos de R$ 1,97 milhão, divididos em dezenas de parcelas. “Operamos em Brasília por intermédio de correspondentes, e não por agências. A Contact é uma correspondente no Senado. Ao longo de 2007, os contratos intermediados pela Contact somaram R$ 66 milhões, e a empresa fez juz a comissões”, afirma Sérgio Capella, diretor do Cruzeiro do Sul.
MORDOMIAS
Agaciel Maia, ex-diretor-geral do Senado, que se demitiu. Como Zoghbi, ele ocultava uma casa no patrimônio. Ao contrário do amigo, ele vai ao Senado e exige carro com motorista e celular pagos pela Casa
Zoghbi afirma que as empresas pertencem a sua família. “Na realidade, a Contact e as duas DMZ são empresas dos meus filhos. Como é proibido a servidores públicos ser donos de empresas que negociam com órgãos públicos, eles registraram as empresas em nome da minha mãe preta (Maria Izabel)”, diz Zoghbi. Na outra empresa, a DMZ Consultoria Empresarial, Maria Izabel detém 90% das ações. Os outros 10% estão em nome de Nishimura, funcionário da Secretaria de Saúde de Brasília. Segundo Zoghbi, Nishimura é amigo de seus filhos e entrou na empresa “porque eles não poderiam aparecer”.
Ricardo e Marcelo – os dois filhos de João Carlos Zoghbi, que ele diz serem os “donos ocultos” das empresas – também são dentistas. Mas por que eles prestam consultoria em área financeira a bancos, corretoras de seguro, entre outros clientes? “Eles também são bons de informática e entendem de administração. Trabalharam duro para ganhar esse dinheiro”, diz Zoghbi. “Sei que há um conflito de interesse, que essa história me compromete.” Segundo ÉPOCA apurou, Zoghbi seria o verdadeiro dono dos negócios atribuídos por ele aos filhos. Como ainda é funcionário do Senado, Zoghbi diz temer que essa história possa causar sua demissão.
ÉPOCA ouviu o casal Zoghbi na semana passada, em sua casa no Lago Sul, uma das áreas mais nobres de Brasília. Só os salões da casa têm o tamanho de um bom apartamento em Brasília. Pelas amplas salas, o casal tem, espalhadas, obras de arte, esculturas e quadros. O piso é de mármore espanhol, cujo metro quadrado pode ser comprado a partir de R$ 500. A obra está inacabada – falta instalar o elevador no fosso projetado para evitar o trabalho de alcançar o 2o andar pelas escadas. Na área de lazer há uma piscina com hidromassagem e, na garagem, costumam repousar cinco carros, três deles importados. Dona Maria Izabel, a octogenária ama de leite de Zoghbi, vive num quarto na parte térrea da mansão, que não chega a ter o requinte dos outros cômodos. Ela se locomove de muletas e tem uma empregada a seu dispor em tempo integral.
Tudo em casa
O banco que mantém contrato com o Senado pagou R$ 2,3 milhões à empresa que pertence à ex-babá de Zoghbi
Durante a conversa, numa pequena mesa de trabalho num dos cantos do salão principal, Denise Araújo Zoghbi tentava ajudar o marido a explicar os negócios ocultos da família. Ela é funcionária aposentada do Senado. Foi demitida no ano passado da direção do Instituto Legislativo Brasileiro, um órgão do Senado. Com lágrimas nos olhos, voz embargada, ela disse: “Essa reportagem vai acabar conosco, o João vai ser demitido. O que eu posso fazer? Dinheiro? Se eu te der meu carro, você não publica?”.
Os padrões éticos do casal Zoghbi são peculiares. Eles se dizem orgulhosos de ser funcionários públicos. Mas, como toda a família, eles entraram no Senado sem ter de enfrentar um concurso público. Denise foi contratada em 1974 para trabalhar no setor de taquigrafia. Dez anos depois, seu marido ganhou um emprego no Senado durante as nomeações que, na época, ficaram conhecidas como o escândalo do Trem da Alegria. Eles fizeram carreira se aliando a senadores poderosos. Ela trabalhou com o senador Antônio Carlos Magalhães. Mas foi como chefe de gabinete do senador Edison Lobão (PMDB-MA), hoje ministro de Minas e Energia, que Denise ajudou o marido a se tornar um dos mais influentes membros da elite burocrática do Senado. Em 2001, Lobão assumiu como interino a presidência do Senado, vaga pela renúncia de Jader Barbalho, enrolado nos mais variados escândalos. A única mudança feita por Lobão na burocracia da casa: a promoção de João Carlos Zoghbi a diretor de Recursos Humanos.
No cargo, ele se tornou protagonista de todos os recentes escândalos no Congresso. No ano passado, quando o STF obrigou o Parlamento a acabar com a nefasta prática de empregar familiares, Zoghbi foi forçado a demitir sete parentes empregados no Senado. No começo de março, o então diretor-geral do Senado, Agaciel Maia, teve de deixar o cargo depois da notícia de que escondia a propriedade de uma mansão avaliada em R$ 5 milhões. Zoghbi chegou a ser escolhido pelos senadores José Sarney (PMDB-AP) e Renan Calheiros (PMDB-AL) como sucessor de Agaciel. Mas uma reportagem revelou que sua casa de 770 metros quadrados também não era declarada em seu patrimônio. Com uma agravante: como diretor do Senado, Zoghbi tinha a sua disposição um apartamento funcional em que, indevidamente, pusera um de seus filhos para morar. Na semana passada, Zoghbi virou personagem de outro escândalo: a farra das passagens aéreas. De acordo com o site Congresso em Foco, sete integrantes da família Zoghbi usaram 42 passagens das cotas fornecidas pela Câmara a 12 deputados federais para viagens pelo Brasil e ao Exterior. “Todas as passagens foram compradas na loja da TAM na Câmara dos Deputados”, diz Denise Zoghbi. “Se houve problema, é deles.” Emprego, casa e turismo dos Zoghbis eram por conta dos cofres públicos.
Com padrinhos políticos de peso, por anos Zoghbi dividiu com o ex-diretor-geral Agaciel Maia a gestão da inchada máquina do Senado. Desde que foi demitido da diretoria do Senado, Zoghbi tem evitado circular pelo Senado. Tirou férias e, na maior parte do tempo, permanece recluso em sua casa. Ao contrário dele, Agaciel continua na ativa. Ele deixou o cargo, mas continua com poder. Chegou a exigir dos atuais diretores do Senado, seus aliados, um carro com motorista, um celular pago pela Casa e um bom gabinete. Agaciel despachou por algum tempo no amplo gabinete na torre do Senado, espaço cobiçado até pelos senadores. Hoje, usa salas em outras dependências do Senado.
Zoghbi e Agaciel Maia são exemplos dos desvios de uma parte da elite burocrática no Senado. Trata-se de uma casta que, ao longo do tempo, consolidou um poder comparável ao dos senadores e se concedeu os mais variados tipos de regalias. Eles ganham mais que os parlamentares, usufruem as mesmas mordomias, são responsáveis por compras e contratos milionários e influem até nas disputas entre os senadores.“A presença do corpo de funcionários do Congresso na vida parlamentar é abusiva e ultrapassa sua condição de meros funcionários”, afirma o cientista político Luiz Werneck Viana. Pelo que Zoghbi demonstra com seu patrimônio e sua conduta, essa casta de funcionários públicos ultrapassou mesmo qualquer limite aceitável.
Tudo para a família
Como servidor do Senado, João Carlos Zoghbi empregou parentes, conseguiu passagens aéreas de parlamentares para eles e até um apartamento funcional para o filho morar. Fora do Legislativo, abriu seis empresas em nome dos filhos e da ex-babá (Época)