O caso Alstom, em que a empresa francesa se vê obrigada a prestar contas de atos de corrupção praticados com o PSDB entre 1995 e 2003, será uma das estrelas da reunião do grupo de trabalho contra a corrupção da OCDE, nesta semana em Paris, e traz lições importantes para as empresas brasileiras, que ampliam a participação no mercado internacional. A França, até a década passada, estava entre os que davam até uma espécie de incentivo fiscal para a corrupção, ao permitir a suas empresas abater como despesa operacional "comissões" pagas a funcionários de governos estrangeiros.
Por pressão das próprias empresas, vêm se fechando as saídas para práticas daninhas de mercado baseadas na compra de favores de funcionários públicos. A OCDE, organização que reúne algumas das maiores economias do mundo, tem, em vigor, desde 1999 sua "Convenção sobre o Combate à Corrupção de Funcionários Públicos Estrangeiros em Transações Comerciais Internacionais", à qual o Brasil aderiu em 2000. As normas da convenção são lei desde 2002. Corromper funcionário no exterior é crime, embora não haja, ainda, empresa brasileira punida por esse delito.
Ao ser avaliado pela OCDE, no ano passado, o Brasil ganhou elogios aos esforços governamentais para aperfeiçoar os mecanismos de controle e teve reconhecida boa qualidade de governança das empresas do país. A OCDE cobrou, porém, mais medidas para tornar efetivas as regras que criminalizam a corrupção de funcionários públicos. E lamentou a falta de leis para punir as pessoas jurídicas envolvidas em casos de corrupção - como a França deve fazer com a Alstom, e a Alemanha com a Siemens, também flagrada pagando o que não devia a quem não deveria.
Entre as recomendações e críticas ao Brasil feitas em dezembro pelo grupo de trabalho sobre corrupção, da OCDE, está "ser mais proativo em detectar, investigar e perseguir casos de corrupção no exterior". Na reunião deste mês em Paris, não é o Brasil quem está no foco, mas a Argentina, que deve receber a avaliação do grupo sobre as práticas no país. No final de 2008, porém, o Brasil volta à berlinda, e terá de apresentar relatório do que fez para atender as recomendações do grupo de 37 países da OCDE. O governo vem tentando fechar as brechas e reforçar o cumprimento da lei.
O coordenador dos trabalhos do Brasil no grupo da OCDE, Marcelo Stopanovski Ribeiro, secretário de Prevenção da Corrupção e Informações Estratégicas, lamenta, por exemplo, que até hoje o Congresso não tenha aprovado a lei, cobrada pela OCDE, que permite às autoridades punirem pessoas jurídicas envolvidas em casos de corrupção. O projeto recebeu pedido de vistas de um parlamentar do DEM, partido de oposição, e empacou no Legislativo.
OCDE cobra mais leis para punir pessoas jurídicas
A criação de mecanismos de governança corporativa, que garantem maior transparência e legitimidade nas movimentações financeiras das empresas é vista pelos países da OCDE como critério indispensável no combate à corrupção internacional; e, do ponto de vista formal, o setor privado brasileiro vai bem, louvado por instituições internacionais que acompanham esse tipo de tema.
Na lista das corporações latino-americanas mais bem governadas de 2008, elaborada pela revista LatinFinance e a consultoria Managment Excelence, os três primeiros lugares vão para as companhias brasileiras CPFL, Gol e Aracruz. Dos 30 primeiros lugares, 21 cabem a companhias sediadas no Brasil. Os analistas afirmam que, na região, por ampla margem, só as empresas brasileiras oferecem suficiente governança, segurança e transparência para garantir investimentos sérios.
Outra consultoria, a Ernst & Young, em sua 10ª Pesquisa Global sobre Fraudes, divulgada em maio, mostrou que 63% dos executivos de empresas brasileiras levam em consideração riscos referentes a fraude e corrupção, ao estudar aquisição de companhias no exterior. Os brasileiros são, também, maioria entre os executivos que conhecem a legislação internacional sobre o tema. Recentemente, uma grande multinacional brasileira entregou às autoridades brasileiras relato de negócios perdidos com um dos países africanos alvo de esforços diplomáticos do Brasil, porque executivos da companhia se recusaram a pagar propinas exigidas por funcionários locais.
A existência de práticas de auditoria e até de raros denunciantes de abusos no exterior não elimina o risco de que, com o crescimento da importância do Brasil como base para empresas de atuação multinacional, o governo brasileiro se veja na situação do francês, hoje, investigando as próprias empresas por mau comportamento no exterior.
"Os mecanismos de enforcement, de garantia de cumprimento da lei não são tão fortes; mas os prazos de prescrição desse crime são longos, e uma empresa pode ser punida no futuro por delitos que comete hoje", comenta um dos maiores especialistas no tema, o ex-secretário Nacional de Justiça e ex-chefe do Departamento de Recuperação de Ativos de Cooperação Jurídica Internacional Antenor Madruga, hoje sócio do escritório Barbosa, Müssnich & Aragão. "O risco de se envolver com esse tipo de problema é maior para as pequenas e médias empresas que começam a se lançar no mercado internacional", concorda Marcelo Ribeiro, da Controladoria Geral da União.
Grandes empresas, porém, também se envolvem em casos de corrupção; como revelou ao Valor recentemente o presidente do grupo anticorrupção, Mark Pieth, cinco companhias brasileiras estão na lista da OCDE das empresas denunciadas por corrupção no exterior. A pressão internacional crescente tende a alcançar quem hoje acredita serem pequenos os riscos de mau comportamento nas ações expansão no mercado externo. É forte o dano à imagem de empresas envolvidas nesses casos; e, como alertam os especialistas, é grande também a possibilidade de que, ainda que tarde, chegue a punição criminal para quem se ver metido no escândalo desses.