A pressão de governadores para evitar que a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Sistema Carcerário indiciasse secretários estaduais que administram os presídios teve resultado. O relator da CPI, deputado Domingos Dutra (PT-MA), recuou e decidiu responsabilizar os 26 Estados e o Distrito Federal pelo caos nas unidades prisionais e pela negligência na ressocialização dos detentos.
O parecer que deve ser votado hoje na comissão, no entanto, vai pedir ao Ministério Público a abertura de inquérito contra 32 pessoas, a maioria ligada ao Judiciário. Juizes, promotores, delegados e agentes penitenciários formam o rol de acusados da CPI.
A única autoridade estadual é o secretário de Justiça e Segurança Pública no Estado do Mato Grosso do Sul, Wantuir Jacini. A denúncia é de que Jacini obstruiu os trabalhos da CPI ao esconder presos durante a diligência de integrantes da comissão em uma unidade prisional do Estado. Entre os possíveis indiciados também estão dez envolvidos na prisão de uma menor em cela masculina de Abaetetuba, no Pará. A menina, de 15 anos, foi mantida por 26 dias ao lado de 20 homens.
Na surdina
A decisão de Dutra de não pedir indiciamentos de autoridades dos governos estaduais foi tomada em uma reunião fechada ontem com os integrantes da comissão. A principal pressão partiu de deputados ligados ao PSDB. Comenta-se que foi um pedido dos governadores Aécio Neves (Minas Gerais) e José Serra (São Paulo). O argumento é de que a responsabilização dos secretários poderia prejudicar uma futura campanha eleitoral.
Ontem, antes do encontro, o relator disse ao Jornal do Brasil que pedirá ao Ministério Público dos Estados do Rio de Janeiro e de São Paulo que apure a ligação das autoridades do setor com o crime organizado. Segundo ele, a conivência das autoridades com os criminosos ficou "clara" com as investigações da CPI. Dutra voltou atrás e reconheceu interferências.
– Estamos em uma Casa política – admitiu. – Tive que fazer concessões para salvar a CPI. Indiciar as figuras era retirar do Estado à responsabilidade (pela situação das cadeias).
O relatório da CPI aponta ainda um ranking dos presídios brasileiros levando em consideração a superlotação, assistência e instalações. Com estes critérios, o Presídio Central de Porto Alegre (RS) foi eleito como o pior do País. Na seqüência apareceu a Colônia Agrícola de Campo Grande (MS), o Distrito de Contagem (MG), já desativado, e as delegacias de Valparaíso (GO), Nova Iguaçu (RJ) e Caxias (RJ).
A CPI produziu ainda um Estatuto do Sistema Prisional para tentar regularizar o tratamento dispensado à população carcerária do país que soma hoje 440 mil detentos para 220 mil vagas. Dutra propõe projetos de lei sobre o Estatuto Penitenciário e a criação do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do sistema carcerário – O sistema hoje é falido - disse o presidente da CPI, deputado Neucimar Fraga (PR-ES). Temos que criar regras para tentar estabelecer uma política prisional de recuperação.
As dificuldades políticas enfrentadas pelo relator da CPI do Sistema Carcerário não é exclusiva. Desde o início do ano, os parlamentares estão com a atenção voltada para outras cinco CPIs, que acabam virando palco de disputas entre governo e oposição e, muitas vezes, ficam engessadas e sem chegar a lugar algum. A CPI das ONGS é um dos exemplos (leia página 3). Não avança nas investigações diante da blindagem governista. A CPMI dos Cartões Corporativos terminou sem indiciar ninguém. A da Escutas Telefônicas ainda engatinha. A CPI da Pedofilia começa a apresentar resultados práticos. Mas na prática, apenas a que tratou da Subnutrição de Crianças Indígenas terminou sem holofotes e grandes transtornos.