A reforma tributária, em tramitação na Câmara Federal desde fevereiro, será decidida de acordo com interesses de grupos políticos, deixando de lado muitas questões técnicas e financeiras. Prevista para estar em condições de ser votada em plenário em meados de julho para depois seguir para o Senado, a proposta de emenda à Constituição (PEC) 233, que engloba todos os itens da reforma tributária, tem na unificação do ICMS o ponto máximo de discordância.
Na Câmara, os deputados que representam os estados do Norte, Nordeste e Centro Oeste, independente da cor partidária e apoiadas pelos respectivos governadores dos estados que compõe cada região, vão jogar todas as fichas à favor da manutenção da proposta do governo que prevê não só a unificação das alíquotas do ICMS, como a sua cobrança no destino dos produtos e não na origem, como é hoje .
Por outro lado, os deputados dos estados economicamente mais fortes - São Paulo, Rio, Minas Gerais, Paraná e Rio Grande do Sul - já foram orientadas para que negociem ao máximo a manutenção do sistema atual de aplicação do ICMS. Como a representatividade dos estados na Câmara é igual, apesar da pressão de governadores politicamente mais fortes como os tucanos José Serra (SP) e Aécio Neves (MG), além do peemedebista Sérgio Cabral (RJ), a aritmética de uma futura votação é favorável à proposta do Palácio do Planalto.
A mudança no processo de cobrança e a unificação das alíquotas do ICMS traria justiça fiscal, defende o presidente da Comissão Especial da Reforma Tributária no Congresso, deputado Antonio Palocci (PT-SP), ao proporcionar uma "equalização do produto interno bruto dos estados". "A cobrança (do ICMS) no destino é mais correta. O ICMS é um imposto sobre consumo. Então é mais correto cobrá-lo onde o produto é consumido e não onde é produzido. Com isso a distribuição do imposto entre os estados se tornaria mais justa", diz.
Ainda para o deputado, o fim da acumulação de crédito do ICMS de exportadores seria outro ponto positivo com a cobrança no destino. "A acumulação de créditos que ocorre hoje é um grave problema econômico e pune as empresas que realizam esforço exportador", acrescenta o presidente da Comissão Especial.
Pesquisa a ser divulgada pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), com cerca de 900 empresas exportadoras, apontou que dentre as que reportam problemas de acúmulo de créditos, cerca de 55% informam tomar decisões de limitar suas exportações em função do volume de créditos não utilizados. "Isto significa exportar menos do que seria desejável exclusivamente em função de questões tributárias", reclamou o presidente da CNI, deputado Armando Monteiro Neto (PTB-PE).
Para o deputado, "há uma verdadeira conspiração antiexportação no sistema tributário". "De um lado, as empresas exportam menos do que podem. De outro, os governadores e secretários estaduais de fazenda têm ojeriza a empresas intensivas em exportação. Associam a perda de receita ao grau de intensidade exportadora em razão das deficiências do sistema tributário em acolher os problemas dos créditos acumulados", critica.
Na opinião dos deputados Luiz Carreira (DEM-BA) e Lelo Coimbra (PMDB-ES), contudo, a chamada guerra fiscal deve continuar. "Ela é um legítimo direito de defesa dos estados menos desenvolvidos para gerar emprego e renda dentro de um quadro em que o governo central não tem uma política de desenvolvimento regional", disse Carreira. Para o deputado do DEM, a unificação da legislação do ICMS transforma os estados em "meros guardadores de caixa", porque tira deles a competência para fazer gestão político-financeira.
O ex-governador do Rio Grande do Sul, Germano Rigotto, que coordena o grupo de reforma tributária do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES), admitiu à Gazeta Mercantil na última quinta-feira que se valeu da guerra fiscal para atrair investimentos quando governou o seu estado. Porém, segundo ele, a fórmula "chegou ao limite" e já "ameaça a própria Federação". "Se algum estado acha que vai ganhar com a guerra fiscal daqui para a frente está enganado", avaliou Rigotto.O economista e ex-coordenador da Fazenda de São Paulo, Clóvis Panzarini, considera que a unificação de alíquotas vai piorar a situação atual, porque "idiossincrasias" de alguns estados vão contaminar a lei do País. Por outro lado, segundo ele, as legislações estaduais mais avançadas vão se diluir numa regra geral mais complexa, que terá de conciliar interesses e características específicas dos 26 estados.
Panzarini avalia que a transferência da maior parte da arrecadação da receita do ICMS para o estado de destino em operações interestaduais poderá acabar com a guerra fiscal. "Os benefícios serão dados ao consumidor (e não ao produtor, como hoje)", diz.
Por outro lado, ele questiona se não haverá desinteresse na fiscalização. Para Panzarini, a solução é atribuir aos bancos a responsabilidade de recolher e partilhar os recursos. Isso, segundo ele, "pressupõe a nota fiscal eletrônica", que permitiria o acompanhamento on line. De outra maneira, ele alega que ficaria difícil fiscalizar os contribuintes. "Mas esse tipo de nota fiscal ainda não existe, a não ser em grandes empresas como a Petrobras", explicou.