O governador Sérgio Cabral chamou de marginais os 11 militares do Exército presos por levar três jovens do Morro da Providência a traficantes do Morro da Mineira. Os rapazes acabaram mortos. Ontem, depois do enterro, 200 moradores da favela entraram em confronto com soldados na sede do Comando Militar do Leste.
Mesmo criticado pelo secretário de Segurança, José Mariano Beltrame, pelo governador Sérgio Cabral e pela Ordem dos Advogados do Brasil, devido à falta de preparo dos militares na segurança pública, o Comando Militar do Leste informou que o Exército vai continuar ocupando o Morro da Providência, no Centro, durante as obras do Projeto Cimento Social, programa do senador Marcelo Crivella. Ontem foi mais um dia de protesto. Moradores e parentes dos três jovens mortos entraram em confronto com militares em frente ao Palácio Duque de Caxias. Em represália às mortes, o tráfico desafiou o poder público e mandou fechar todo o comércio em torno da comunidade.
– O policial militar passa por oito meses de treinamento para cuidar da ostensividade, enquanto no Exército um soldado é temporário, fica só 10 meses na corporação, e ainda recebe um salário mínimo pra isso – disse Beltrame, insatisfeito com a presença do Exército na Providência.
Em entrevista coletiva no Comando Militar do Leste, o chefe da seção de comunicação, coronel Barcellos, caracterizou o ocorrido como um fato isolado.
– A presença do Exército não ficou insustentável na comunidade. As tropas vão continuar dando segurança ao pessoal, material e equipamentos empregados nas obras do projeto – assegurou.
Mas o coronel Barcellos não quis falar sobre o depoimento de três dos 11 militares envolvidos no caso, que confessaram ter entregado David Wilson Florêncio da Silva, de 24 anos, Wellington Gonzaga Costa, 19, e Marcos Paulo da Silva, 17, a traficantes do Morro da Mineira, controlado por uma facção rival da que ocupa a Providência.
Ao revelar que o tenente Vinícius, o sargento Maia e o soldado Rodrigues admitiram o crime, o delegado da 4ª DP (Praça da República), Ricardo Dominguez, responsável pelo caso, deu detalhes do seqüestro. Eles contaram que os jovens foram detidos por desacato a autoridade, encaminhados à Delegacia de Polícia Judiciária Militar, em Santo Cristo, e liberados pelo capitão. Segundo o delegado, o tenente disse que tinha ficado insatisfeito com a ordem do seu superior, e que planejou a ida ao Morro da Mineira para dar um corretivo.
– O fato é que o caminhão do Exército entrou e saiu da comunidade sem qualquer retaliação dos traficantes. Isso pode caracterizar um contato prévio dos militares com os bandidos – explicou.
Bombas contra a revolta
Assim que saíram do enterro dos jovens, no cemitério São João Batista, em Botafogo, parentes e moradores da Providência protestaram em frente ao Comando Militar do Leste. Os manifestaram chegaram carregando faixas e pedindo justiça. Eles interditaram o trânsito da Avenida Marechal Floriano e jogaram pedras e pedaços de ferro nos cerca de 200 militares que faziam a segurança do Palácio Duque de Caxias. Em resposta, foram lançadas bombas de efeito moral. Houve muita correria entre os manifestantes e pedestres que seguiam para a Central do Brasil. Cerca de 200 PMs acompanharam a movimentação. Logo depois do protesto, tiros foram disparados na favela, mas não se sabe por quem.
– A comunidade está revoltada. Ninguém quer mais o Exército lá. Se eles continuarem, vai ter problema. Ninguém trabalha mais – afirmou, indignado, Dinaldo Barbosa, irmão de Marcos.
Durante todo o dia, o comércio da região ficou fechado a mando dos traficantes. Até o Hospital dos Servidores do Estado não funcionou. Cinco linhas de ônibus tiveram seus itinerários alterados. Segundo a Viação Real, empresa responsável pelas linhas, 11 ônibus foram quebrados durante o fim de semana.