415 ÷ 1,66 = 250. Essa conta mostra um resultado, para dizer o mínimo, surpreendente. De acordo com ela, o novo valor do salário mínimo em vigor no Brasil desde primeiro de março último, que é de 415 reais, convertido pela taxa de câmbio definida na abertura do mercado em 4 de março, de 1,66 reais por dólar, corresponde a exatos 250 dólares. Isso faz com que o Brasil se alinhe, juntamente com o Chile, dentre os países com os mais altos pisos salariais registrados na América Latina da atualidade.
Desde a edição do Plano Real em 1994, a meta de levar o salário mínimo para a casa dos 100 dólares motivou políticas, discursos, embates no Congresso e todo um festival de análises contrárias e favoráveis à medida. Enfim, essa meta foi atingida a duras penas em maio de 1995, quando o valor do salário mínimo foi reajustado de R$ 70 para R$ 100,00 e a taxa de câmbio girava ao redor de 0,90 dólares por real. À época, todos entendiam que esse resultado tinha um significado meramente simbólico, decorrente que era mais da forte valorização cambial que deu a tônica da estratégia de estabilização do Plano Real do que de uma recomposição mais extensa do poder de compra do salário mínimo. Prova de que o salário mínimo, corroído por longos anos de arrocho salarial e alta inflação, não sofreu qualquer recomposição expressiva é o fato de que o seu valor possibilitava a compra de somente 1,08 cestas básicas, de acordo com o dado apurado pelo Dieese para a Região Metropolitana de São Paulo, nesse mesmo mês de maio de 1995. Finalmente, com a crise externa e a maxi-desvalorização do real que veio com o fim da âncora cambial e a implantação do regime de câmbio flutuante no início de 1999, o valor do salário mínimo voltou a se contrair em dólares, recuando aos níveis habituais e mostrando que, de fato, a consecução da meta dos 100 dólares havia sido uma conquista apenas aparente.
De lá para cá, o salário mínimo passou a percorrer uma trajetória de elevação do valor real muito mais robusta, especialmente a partir de 2004. Considerando-se como indexador o IPCA acumulado, o valor atual do salário mínimo apresentou um aumento real desde maio de 1995 até o presente de aproximadamente 66%, dos quais cerca de 35% apenas de 2004 para cá. Adotando-se o valor da cesta básica como indexador, verifica-se que o poder de compra do salário mínimo evoluiu para cerca de 1,25 cestas básicas na média do ano de 1999, quando valia cerca de 72 dólares, para cerca de 1,43 cestas básicas na média do ano de 2002, quando valia cerca de 67 dólares e para cerca de 1,9 cestas básicas nesse último reajuste que o levou ao valor de 250 dólares.
Novo valor do salário mínimo faz com que o Brasil se alinhe dentre os países com os mais altos pisos salariais registrados na América Latina da atualidade
Cabe chamar atenção para o fato de que a política de elevação do valor real do salário mínimo brasileiro vem sendo implementada ano após ano sem provocar nenhum dos graves efeitos indesejáveis que eram insistentemente repetidos por alguns economistas: o nível de desemprego ao invés de aumentar, reduziu-se significativamente; a taxa de formalização do emprego não somente não recuou como expandiu-se sensivelmente nos últimos anos; o impacto fiscal, que era considerado "mortal" para a sustentação da estabilidade das contas públicas, foi absorvido, não tendo comprometido sequer as metas de superávit primário e tendo conseguido conviver até mesmo com uma importante melhoria da relação dívida/PIB nos anos recentes. Quanto aos efeitos sobre a distribuição de renda, os aumentos recentes do salário mínimo, juntamente com outras políticas de renda, vêm conseguindo reduzir a pobreza metropolitana e elevar a renda rural de forma mais efetiva do que se obteve com outras modalidades de política.
Além dos efeitos diretos sobre o mercado de trabalho e a distribuição de renda, também cabe considerar que a política de elevação dos salários, em conjunto com outras iniciativas, está na raiz da crucial transformação ocorrida no padrão de crescimento da economia brasileira, que voltou a ter o seu pólo dinâmico assentado no mercado interno. De fato, as políticas de renda vêm estimulando o crescimento do consumo das famílias enquanto a redução da vulnerabilidade externa vem permitindo que formação bruta de capital, após muitos anos de estagnação, venha se expandindo em um ritmo muito acentuado, voltada para a construção de capacidade produtiva que permita acompanhar essa expansão do consumo.
Na economia brasileira, o potencial de indução de crescimento econômico dos componentes da demanda doméstica é, historicamente, muito superior ao que os componentes associados ao setor externo são capazes de proporcionar. Exercícios de decomposição estrutural do crescimento da economia, que podem ser realizados a partir dos dados disponíveis no Sistema de Contas Nacionais do IBGE, mostram que o período 1996-2003 foi caracterizado pelo predomínio das exportações na explicação do crescimento, sendo essa, provavelmente, uma das razões estruturais para o baixo ritmo de expansão do PIB ocorrido nesses anos. Lamentavelmente, os dados das contas nacionais são disponíveis somente até 2004, não sendo possível a construção desses exercícios de decomposição estrutural do crescimento da economia para anos mais recentes. Futuramente, quando se tornarem disponíveis, esses dados vão revelar que a mudança do pólo dinâmico da economia para o mercado interno foi o principal fator estrutural por trás da atual onda de aceleração do crescimento.