sexta-feira, 28 de março de 2008

Kassab em campanha. Marco Aurélio de Mello faz vista grossa

'Bandeira' de Kassab, AMAs se multiplicam reduzindo espaço de postos já existentes

Médicos sem sala para atender, filas de até uma hora e meia para uma consulta, pedreiros quebrando paredes enquanto a população aguarda na fila para receber remédios. O dia-a-dia em alguns postos de atendimento médico mantidos pela Prefeitura de São Paulo revela contradições do sistema de saúde da principal metrópole do país.


Esse cenário foi encontrado pela reportagem do UOL em visita a três unidades da rede de Assistência Médica Ambulatorial. Promessa de campanha do ex-prefeito José Serra (PSDB), atual governador do Estado, esses ambulatórios de pronto-atendimento converteram-se na principal bandeira do prefeito Gilberto Kassab (DEM), a ponto de ele inaugurar até três novas unidades por semana.


Em maio de 2006, quando o tucano deixou a Prefeitura, elas eram 29. Nesta sexta-feira, Kassab inaugura a de número 80, no Jardim Brasil (Zona Norte), na realidade um anexo à Unidade Básica de Saúde (UBS) que funciona há 26 anos no local. Até o fim do ano, o total deve chegar a 110.


A reportagem visitou a AMA Vila Guarani (Zona Leste), inaugurada há dois anos, a AMA Dr. Flávio Gianotti (no Ipiranga, Zona Sul), aberta há três meses, e a UBS Jardim São Jorge (Zona Oeste), que está em obras para "abrigar" uma AMA.


Obras desse tipo ajudam a explicar como a prefeitura inaugura tantos ambulatórios em um prazo tão curto: na maioria dos casos, são "adaptadas" as unidades básicas de saúde já existentes, em reformas que, de acordo com Secretaria Municipal da Saúde, custam em média R$ 500 mil cada. Mais de 50 das AMAs em atividade atualmente são UBS adaptadas. Na maioria dos casos, o espaço físico é dividido ao meio, e metade fica sendo AMA, metade UBS. Se há terreno livre no local, é construído um anexo, que é equipado com consultórios.


O secretário municipal da Saúde, Januário Montone, disse que existe "uma capacidade física ociosa na rede de postos de saúde de são Paulo". "Se houve uma readequação, foi porque havia esse espaço. Investir em algo que já se construiu é mais vantajoso do que começar do zero", declarou.


A expansão da rede de AMAs se dá ao mesmo tempo em que estratégias antes tidas como prioritárias em São Paulo, como o Programa Saúde da Família (PSF, programa federal de medicina preventiva que repassa verbas ao município), perdem importância. Há casos em que o espaço físico utilizado pelos profissionais do PSF e pelos médicos das UBS, que atendem à população em consultas com hora marcada, é literalmente invadido pelo novo modelo.


É o que está acontecendo na UBS Jardim São Jorge, situada no bairro de mesmo nome, na região do Butantã. Até a primeira quinzena de março, toda a área do prédio era ocupada por equipes do PSF. Na semana passada, os médicos tiveram de desocupar metade dos consultórios, e o edifício foi dividido ao meio, para dar lugar à nova AMA Jardim São Jorge.


Márcia Gadargi, assessora da Coordenação Centro-Oeste da Secretaria Municipal de Saúde, explica que a reforma deve durar de 30 a 40 dias. "Os equipamentos da UBS passaram para o lado direito do prédio, que continuará especializado no atendimento pré-agendado. Do lado esquerdo, haverá uma AMA com 5 consultórios, duas salas de observação, uma para curativos e outra para inalação", disse. De acordo com ela, nesse prédio híbrido, a AMA e a UBS serão instituições independentes, mas dividirão a sala de esterilização, a copa e a farmácia.

O secretário Montone afirma que não houve "desinvestimento" nas UBS por causa das AMAs. Segundo ele, a secretaria enviou à Câmara Municipal projeto pedindo aumento de 72% no salário dos médicos das UBS, de R$ 2.200 para R$ 3.800.

Consultas desmarcadas

Na quarta-feira (26), a reportagem visitou as obras da AMA Jardim São Jorge e constatou que a reforma tem afetado a rotina de médicos e pacientes. A sala do vigia, por exemplo, virou sala de marcação de consultas. Em meio a pintores e pedreiros em atividade, pessoas formam fila aguardando a vez de ser atendidas.

"De uma hora para outra, os médicos tiveram de se adaptar a espaços menores e até desmarcar consultas por falta de lugar para atender. Eu mesma fiquei sem consultório, e recebi um grupo de pacientes no pátio", disse ao UOL uma médica da UBS, que prefere não se identificar. "Por causa da reforma, os funcionários pedem para a gente procurar a AMA de outro bairro, o Jardim Paulo 6º", declarou Cláudio Freitas, representante da comunidade local no conselho gestor do posto de saúde.

Abaixo-assinado
Exibindo um abaixo-assinado com 1.817 assinaturas, Freitas explica que há anos a população do Jardim São Jorge pede a instalação de um posto de saúde 24 horas no local. "A cada administração, mudam o nome do serviço e dizem que vai melhorar. Na época da (Luiza) Erundina, era hospital de pronto-atendimento. Aí veio o (Paulo) Maluf e transformou em PAS. A Marta (Suplicy) chamou de UBS e colocou as equipes do Programa de Saúde da Família. Agora vai ser AMA, aberta das 7h às 19h. Queremos que funcione dia e noite, para não termos de levar criança ao pronto-socorro só por causa de uma febre", afirma.

De fato, o propósito de um ambulatório de pronto-atendimento é desafogar as filas dos pronto-socorros (leia quadro). Mas da forma como as AMAs estão sendo feitas, talvez não resolvam o problema. A reportagem apurou que, atualmente, o critério da Prefeitura para transformar um posto de saúde em AMA é o espaço. Somente prédios de grandes dimensões ou que tenham terreno disponível para a construção de uma edícula ganham roupagem nova. Dessa forma, podem ocorrer distorções: uma região carente, que não tenha espaço "adequado" para receber a AMA, fica sem o serviço.

Ao visitar a AMA Dr. Flávio Gianotti, instalada em um gigantesco ambulatório de especialidades no bairro do Ipiranga, a reportagem se deparou com corredores vazios e sem filas. De acordo com a gerente da AMA, Cilene Trajano, a unidade realiza de 160 a 185 atendimentos por dia, em geral de pacientes jovens com gripe e febre e idosos com pressão alta ou dor no peito.

"Se a pessoa tiver uma crise de pressão alta, vem aqui e recebe medicação. Se detectarmos que tem problema cardíaco, nós a encaminhamos de volta à UBS perto da sua casa, para dar continuidade ao tratamento", afirma Cilene. Como essa AMA não tem ortopedista ou sala de gesso, se alguém chegar com suspeita de fratura, tirar o raio-X e for detectada uma fratura, é preciso chamar uma ambulância e encaminhar o paciente a um hospital.

No outro extremo da cidade, a AMA Vila Guarani, na Mooca (Zona Leste), os corredores estão sempre cheios. De acordo com a gerente da unidade, Lêssemi Rinaldi, o prédio era uma UBS grande, de dois pavimentos, e o piso de baixo virou AMA. "Realizamos 450 atendimentos por dia e a espera para ser atendido varia de uma hora a uma hora e meia", afirma. E isso não ocorre porque falta pessoal. É que a AMA Vila Guarani recebe pacientes de toda a região da Mooca, um público potencial de 45 mil pessoas, que não encontrou atendimento perto de casa.

Na quarta-feira, a doméstica Izilda de Moraes e seu marido, o aposentado Hamilton, procuraram a AMA Vila Guarani porque ela estava com alergia respiratória. "Primeiro tentamos ir à AMA Vila Diva, que é perto de nossa casa, mas não conseguimos. Passamos por uma triagem para pegar senha e nos informaram que o tempo de espera seria de 3 horas", explica Hamilton.

"Descontinuidade"
Para especialistas ouvidos pelo UOL, os problemas na rede AMA refletem a falta de planejamento para a malha de serviços de saúde de São Paulo. "Cada prefeito que chega ao poder tem um projeto diferente, que rompe com o que se estava fazendo até então. Essa descontinuidade tem um efeito dramático sobre a política de saúde pública da cidade", disse o médico Paulo Elias, da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo.

De acordo com Luis Fernando Rolim Sampaio, diretor do Departamento de Atenção Básica do Ministério da Saúde, sempre que existem dois modelos diferentes concorrendo num mesmo território, surgem conflitos. "Entre esperar três meses por uma consulta numa UBS e ser atendido na hora na AMA, qualquer pessoa vai preferir a segunda opção. O risco é o paciente crônico, que tem de voltar periodicamente para controlar hipertensão e diabetes, não procurar mais ao médico que o acompanha", afirmou. "Quem faz tratamento preventivo é médico de saúde da família ou posto de saúde."

Tanto Elias quanto Sampaio afirmam que se não houver integração entre os serviços das AMAs, das UBS e o Programa Saúde da Família, há desperdício de dinheiro público. "Se a cada vez que você procura o serviço, é atendido por um médico diferente, não tem como acompanhar seu histórico, e vai ter de repetir uma série de exames. Então o problema não é só a Prefeitura promover maior acesso a serviços de saúde. Também deve haver preocupação com a eficiência do gasto do dinheiro público", conclui Sampaio.

ENTENDA A DIFERENÇA ENTRE AMA, PRONTO-SOCORRO E UBS

O termo AMA (Assistência Médica Ambulatorial) foi criado na gestão do prefeito José Serra (PSDB) para designar ambulatórios de pronto-atendimento. São postos de saúde destinados a resolver ocorrências de baixa complexidade, que não envolvam risco de morte ou de lesão irreversível no paciente. Na cidade de São Paulo, se uma pessoa sofre uma fratura, um acidente de trânsito ou um ferimento à bala, é transferida para um pronto-socorro. Já sintomas de mal-estar repentino, como uma dor de cabeça, uma febre ou uma crise de hipertensão, são tratados na AMA. A diferença desse serviço para o de uma unidade básica de saúde (UBS) é que o paciente não precisa agendar consulta com antecedência.Para ler no Uol o link é esse aqui E neste link aqui você confere todas as fotos da obra eleitoreira do Kssab

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