O ministro da Justiça, Tarso Genro, defendeu ontem a decisão do governo de reforçar o controle sobre a entrada de estrangeiros e negou que exista uma crise nas relações com a Espanha, depois de uma sucessão de incidentes em que cidadãos de cada um dos países foram impedidos de desembarcar no outro, na semana passada. “As relações tendem a se adaptar”, disse o ministro à imprensa na saída de um compromisso no Supremo Tribunal Federal. “Não virou cabo de guerra. Nós queremos é que os brasileiros na Espanha tenham o mesmo tratamento digno, sóbrio e respeitoso que tem qualquer estrangeiro no país.”
Genro empenhou-se em desfazer a impressão de que a deportação de mais cinco espanhóis e um italiano em Salvador, no fim de semana, tenha sido outro ato de retaliação pela deportação de dois estudantes brasileiros durante escala em Madri, na última quarta-feira. No dia seguinte, a Polícia Federal deportou um grupo de espanhóis na capital baiana, medida que o assessor internacional do presidente Lula, Marco Aurélio Garcia, admitiu ter sido uma represália.
“Temos queixas duras dos brasileiros sobre o tratamento que recebem da polícia (espanhola)”, argumentou o ministro. Os dois estudantes, que se dirigiam para um congresso de ciências sociais em Lisboa, alegam ter ficado horas sob estrito controle, sem direito a fazer telefonemas ou mesmo se alimentar. Situação semelhante ocorreu ontem com a brasileira Marcela Mowad, de 18 anos, que estuda italiano em Milão e foi impedida de entrar na Irlanda, onde pretendia passar o fim de semana. Marcela contou ao site G1 que ficou 11 horas detida numa cela até ser deportada de volta para a Itália no dia seguinte. “Eles demonstraram muito preconceito com os brasileiros, como se todos fossem criminosos.”
Abusos
Genro garantiu que o maior rigor nas fronteiras brasileiras não será acompanhado por constrangimentos. “Não haverá, da Polícia Federal e do Ministério da Justiça, nenhum abuso”, disse. “Esse trabalho (de fiscalização da imigração) é sempre feito por amostragem, e você pode aumentar essa amostragem”, explicou. “Não se trata de ter nenhum tratamento em relação aos espanhóis, mas que a fiscalização seja mais rigorosa em relação a todos os países.”
O tom conciliatório não foi acompanhado pelo presidente da Câmara dos Deputados, Arlindo Chinaglia (PT-SP), que denunciou a “onda de expulsões” de brasileiros pelas autoridades espanholas como “abuso inaceitável”. Às vésperas de a Câmara ouvir sobre o assunto o embaixador da Espanha, Ricardo Peidró, Chinaglia acusou o país europeu de se comportar “como na época do descobrimento (da América), quando destruía culturas”.
Bolivianos expulsos
Os primeiros a sentir o impacto do reforço de controle nas fronteiras brasileiras foram bolivianos que tentavam ingressar irregularmente no Brasil por Foz do Iguaçu (PR), na Tríplice Fronteira com Paraguai e Argentina. A PF deportou na noite de domingo 50 bolivianos que não tinham visto para entrar no país, como resultado da decisão de exigir a apresentação de documentos de identidade aos 25 mil estrangeiros que cruzam diariamente a fronteira em Foz do Iguaçu. “Quem não se identifica não entra, sejam brasileiros ou estrangeiros”, disse o chefe do Núcleo de Migração da PF na região, Cleo Mazzoti. Para facilitar o trânsito de quem trabalha ou estuda, está em estudo a criação de um documento especial de identidade.
Golpistas são capturados
Brasileiros estão mais uma vez no centro de um caso policial em território espanhol. Ontem, foram presos em Barcelona, na Catalunha (norte do país), cinco brasileiros acusados de envolvimento com falsificação de documentos e fraude bancária pela internet — uma prática particularmente chamada de phishing. O dinheiro obtido ilegalmente na rede era enviado a diversas contas bancárias no Brasil e, em parte, usado na compra de equipamentos utilizados nas falsificações.
O brasiliense Warley V.D.S. — a polícia não divulgou os nomes completos dos detidos —, de 40 anos, está entre os acusados. Com ele foram presos Ederson Renato Z.D.O., de 25 anos, e Jeferson Ricardo Z.D.O, 29 anos, ambos de Umuarama (PR), e Suellen S.S.N.C.B, de Ji-Paraná (RO). Segundo o jornal catalão El Periodico, no escritório onde a quadrilha atuava foram apreendidos diversos equipamentos eletrônicos e de informática, além de ferramentas usadas para confecção de documentação falsificada, como permissões de moradia, documentos de identidade e carteiras de motorista.
A operação teve início no ano passado, quando foi presa em Navarra a brasileira Silvia Fernanda R.K., flagrada com sete documentos de identidade (falsificados) de Portugal e sete certificados de permanência na Espanha. Ela foi presa ao tentar se inscrever no Programa de Seguridade Social espanhol. A partir da prisão de Silvia, a polícia conseguiu identificar outros brasileiros que usavam documentação falsa e já estavam inscritos no programa social.
A técnica chamada de phishing, usada pelos brasileiros, consiste em copiar mensagens eletrônicas e páginas de empresas e bancos na internet com a intenção de induzir os clientes e “ceder” suas senhas, contas bancárias e outros dados pessoais. Além das quatro pessoas presas, um quinto integrante da quadrilha agiria no Brasil. Ele seria responsável por acessar as contas dos usuários espanhóis e desviar o dinheiro para contas abertas na Espanha com documentação portuguesa falsa. A Interpol está ajudando a polícia espanhola a identificar e prender o restante do grupo.
Zapatero estuda novas alianças
O mesmo governante, uma nova era na política. Com essa promessa, o socialista José Luis Rodríguez Zapatero assume seu segundo mandato à frente do governo espanhol, depois de confirmar as pesquisas de intenção de votos e sair vitorioso das eleições legislativas de domingo. O Partido Socialista Operário Espanhol (PSOE) conquistou 43,6% dos votos e garantiu 169 das 350 cadeiras do parlamento — cinco a mais que em 2004, porém sete menos que a maioria absoluta. Mesmo considerado “suficiente, forte e sólido” pelo líder do PSOE, o resultado obriga o premiê a buscar aliados.
Na primeira entrevista coletiva depois da vitória, Zapatero afirmou que “ainda não é a hora” de dialogar com outras forças, mas adiantou que, em qualquer cenário que venha a se formar — uma coalizão estável com determinados partidos ou acordos pontuais no Parlamento —, manterá relações com todas as bancadas. “Precisamos conversar com cada um dos partidos, nas próximas semanas, mas é um pouco prematuro definir alianças”, considerou. O Partido Popular (PP), do conservador Mariano Rajoy, não venceu, mas teve desempenho melhor que no último pleito: 40,1% dos votos e 153 cadeiras, cinco a mais que em 2004.
O resultado, “inédito para um partido da oposição”, como classificou Ángel Acebes, secretário-geral do PP, foi bastante comemorado. “Mariano Rajoy tem muitos motivos para estar satisfeito com o trabalho feito nos últimos quatro anos”, disse Acebes. Zapatero, por sua vez, não quis comentar o crescimento dos adversários, e afirmou que sua intenção é apenas “dialogar com Rajoy para abordar pendências institucionais que precisam de solução”.
Desafio
Mais uma vez no governo, o líder socialista tem desafios pela frente. Após uma década de forte crescimento, a economia espanhola dá sinais de perder ímpeto. A inflação é a maior em 10 anos e a taxa de desemprego chega a quase 9% da população economicamente ativa. Além disso, Zapatero terá de encontrar soluções para a imigração ilegal e para a ameaça terrorista que representa o grupo separatista Pátria Basca e Liberdade (ETA).
A América Latina também está nos planos do próximo governo. Zapatero garantiu que continuará trabalhando pela estabilidade política e econômica da região e manterá os esforços para “tornar mais ricos” os laços entre espanhóis e latino-americanos. “Há dois princípios nos quais trabalhamos e trabalharemos: contribuir para a estabilidade e a cooperação, contribuir para a estabilidade política, para consolidar as democracias e as relações entre os diferentes países na América Latina.”