quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

A condição de mártir de Assange prejudica ainda mais a reputação dos EUA

A prisão em Londres do fundador do WikiLeaks, Julian Assange, foi manchete em todos os grandes jornais alemães na quarta-feira. Vários dos órgãos de imprensa observaram como a notícia foi bem recebida nos Estados Unidos e os editorialistas questionaram qual é o significado do conceito de liberdade de informação na última superpotência restante no mundo.

Assange, que se entregou a autoridades da Scotland Yard na manhã de terça-feira, teve o pedido de libertação mediante pagamento de fiança negado pelo juiz britânico encarregado do caso. Ele foi acusado na Suécia de cometer estupro, coação ilegal e dois atos de abuso sexual, em incidentes supostamente ocorridos em agosto deste ano. A promotoria pública sueca emitiu um pedido de prisão de âmbito europeu a fim de que Assange seja extraditado para aquele país para ser interrogado.

A prisão ocorreu no momento em que Assange, o fundador do WikiLeaks, de 39 anos de idade, enfrenta pressões crescentes de todas as partes do mundo – da Suécia, dos Estados Unidos e até mesmo do seu país natal, a Austrália –, após a divulgação de vazamentos diplomáticos dos Estados Unidos que foram publicados pelo seu website e por várias organizações de imprensa, incluindo “Der Spiegel”.

O secretário de Defesa dos Estados Unidos, Robert Gates, declarou a jornalistas no Afeganistão, na terça-feira: “A prisão dele soa como uma boa notícia para mim”. Vários políticos famosos vinham pedindo a prisão do australiano, e a ex-candidata republicana à vice-presidência, Sarah Palin, disse que ele deveria ser “rastreado e caçado como Osama Bin Laden”. A primeira-ministra australiana Julia Gillard afirmou que a publicação por parte de Assange das mensagens diplomáticas sigilosas norte-americanas no seu website foi um ato ilegal.

Na sua resposta publicada na quarta-feira no jornal “The Australian”, Assange chama a sua organização de “underdog” (vítima de injustiça e perseguição) e escreve: “A primeira-ministra Gillard e a secretária de Estado Hillary Clinton não reservaram uma só palavra crítica para as outras organizações de mídia porque “The Guardian”, “The New York Times” e “Der Spiegel” são instituições grandes e antigas, enquanto que o WikiLeaks é ainda jovem e pequeno”.

Ele afirmou ainda que o governo australiano está tentando “matar o mensageiro porque não deseja que a verdade seja revelada, incluindo informações sobre as suas próprias atividades diplomáticas e políticas”.

O ministro australiano das Relações Exteriores, Kevin Rudd, disse que Assange contará com apoio consular no Reino Unido e declarou ao “The Australian”: “O que fazemos em relação a australianos em dificuldade em qualquer lugar do mundo é assumir a nossa responsabilidade de garantir o acesso aos direitos consulares e legais de todos australianos no exterior. E isso inclui o senhor Assange”.

A porta-voz do WikiLeaks, Kristinn Hrafnsson, escreveu no Twitter: “Nós não seremos amordaçados, seja por ação judicial seja por censura corporativa”.

A organização de notícias Agence France Presse noticiou na quarta-feira que hackers simpatizantes de Assange atacaram o sistema de e-mail da promotoria pública sueca em resposta à prisão.

Alguns políticos norte-americanos bem conhecidos estão agora intensificando as suas acusações e críticas: “Na minha opinião, o jornal 'The New York Times' cometeu no mínimo um ato de má cidadania, mas para que se determine se eles cometeram um crime, será necessária uma investigação intensiva por parte do Departamento de Justiça”, declarou o senador dos Estados Unidos Joe Lieberman à rede televisiva direitista Fox News.

Enquanto isso, os jornais alemães mostraram-se divididos em relação ao verdadeiro significado da prisão de Assange: seria este um caso de justiça sueca ou uma maneira conveniente de silenciá-lo? Alguns questionaram como um país que é há muito admirado por prezar a liberdade de informação possa agora ter se voltado contra ela. E eles dizem que os danos à reputação dos Estados Unidos só aumentam.

O jornal de esquerda “Berliner Zeitung” disse: "A reputação dos Estados Unidos foi prejudicada pela divulgação controlada de documentos secretos pelo WikiLeaks. Isso é verdade... Mas a reputação dos Estados Unidos está sendo muito mais prejudicada neste momento à medida que eles tentam – com todos os meios ao seu alcance – amordaçar o WikiLeaks e o seu diretor, Julian Assange. Ao fazerem isso, os Estados Unidos estão traindo um dos mitos originais da sua fundação: a liberdade de informação. E eles estão fazendo isso agora porque, pela primeira vez desde o fim da Guerra Fria, veem-se diante do risco de perder o controle mundial das informações.

'A primeira guerra real da informação teve início', escreveu o ativista de direitos civis dos Estados Unidos John-Perry Barlow. 'E o campo de batalha é o WikiLeaks.' Ele tem razão. Com a doutrina do 'Livre Fluxo de Informações' os Estados Unidos dominaram a transmissão de informações e a maior parte do conteúdo informado durante décadas. Eles diziam que toda pessoa tinha o direito, em qualquer lugar, e sem limitações, de coletar informações e de transmiti-las por rádio e televisão e de disseminá-las. Essa era uma doutrina tremenda, com a condição de que apenas as companhias norte-americanas tivessem o poder, os meios e as capacidades logísticas para fazer uso dessa liberdade. Essa situação mudou um pouco com a internet, mas companhias como a Apple, a Microsoft, o Google, o Facebook e a Amazon ampliaram o domínio dos Estados Unidos no supostamente democrático ciberespaço. Julian Assange e o WikiLeaks são os primeiros a usar o poder da internet contra os Estados Unidos. É por isso que eles estão sendo impiedosamente perseguidos. E é também por isso que o governo norte-americano está traindo um dos princípios da democracia”.

Já o conservador “Die Welt” disse o seguinte:“A promotoria pública sueca deseja simplesmente questionar o australiano Assange a respeito de sérias acusações que foram feitas contra ele. Até o momento, Assange recusou-se a explicar os fatos. Os seus simpatizantes acreditam que isso tudo não passa de uma armação e que as acusações de estupro foram fabricadas com o objetivo de atingir o projeto WikiLeaks.

Se isso for verdade, tanto as suecas, que Assange não nega conhecer, quanto a promotoria sueca devem estar seguindo uma agenda secreta ditada pelos Estados Unidos. Até agora, não houve um fragmento de prova sequer que pudesse fazer com que tal hipótese fosse levada a sério. Na Suécia, a questão não diz respeito aos danos políticos causados pelo ativista do WikiLeaks.

Obviamente, ele assumiu que a elasticidade da lei e da ordem na internet aplicava-se também à sua vida real. Mas foi aí que ele cometeu um erro. A sua prisão é a prova de que, na vida real, o império da lei pode ter consequências duras”.

O “Financial Times Deutschland” manifestou-se desta maneira:“A prisão é tão potencialmente escandalosa quanto supérflua. A operação produziu um mártir, e ele perguntou se tudo isso diz realmente respeito à explicação legalmente oferecida de que há acusações de estupro. Ou se, em vez disso, o objetivo maior é tirar de cena um homem que, segundo vários políticos dos Estados Unidos, é o Inimigo Público Número Um.

E este é de fato o caso, ainda que ninguém seja capaz de explicar que crimes Assange supostamente cometeu com a publicação dos documentos secretos, e tampouco por que a publicação por parte do WikiLeaks seria um crime, mas pelo “The New York Times” não.

A reputação já prejudicada dos Estados Unidos sofrerá uma degradação ainda maior com o novo status de mártir de Assange. E é questionável a esperança declarada dos Estados Unidos de que o WikiLeaks desaparecerá de cena juntamente com Assange. Uma plataforma como o WikiLeaks deverá conseguir sobreviver sem um líder específico, que era tão glamouroso quanto polarizador, e cuja estilo autocrático de liderança lhe custou importantes funcionários há alguns meses”.

O jornal “Die Tageszeitung”, que tem uma linha de esquerda, manifesta-se assim:“Na chamada 'guerra contra o terror' as democracias dos Estados Unidos e da Europa não só instigaram guerras sem razões satisfatórias, mas também tentaram reduzir a privacidade, os direitos civis e as liberdades dos seus cidadãos. Mais poder para o Estado, mas menos transparência para as pessoas – esse conflito assimétrico é auto infligido por países como os Estados Unidos e isso criou a necessidade de uma plataforma como o WikiLeaks.

Os novos poderes para a luta contra o terrorismo tornaram difícil trazer críticas para o domínio público. Mas agora é muito mais fácil descobrir 'quando alguém falou com quem sobre o que'. Não importa se essa ameaça seja mais imaginária do que real – ela ainda assim fez surgir a necessidade de um canal confiável. A mídia clássica não foi capaz de preencher essa necessidade: ela não tem uma consciência clara do novo e generalizado sentimento de sentir-se ameaçado, e tampouco o conhecimento técnico necessário. Já o WikiLeaks conta com ambos.

Julian Assange é o astro do WikiLeaks mas a necessidade que existe pelo seu website é maior do que a necessidade dele. Se o WikiLeaks não sobreviver aos atuais ataques, sites similares ocuparão o lugar dele, contanto que haja uma necessidade para sites desse tipo”.

O diário berlinense “Der Tagesspiegel” manifestou-se desta forma:“O mesmo indivíduo que para uma pessoa é um terrorista, para outra é um combatente pela liberdade: esse ditado anglo-saxão ainda é válido na era da internet. Para os Estados Unidos, Assange é um terrorista; para a comunidade da Internet, ele é um pioneiro da liberdade. A opinião favorável em relação a Assange parece ser mais forte aqui na Alemanha – de qualquer forma, as discussões utilizam as palavras 'plataforma para exposição' e não 'espionagem'. Entretanto, essa percepção baseia-se na premissa não comprovada de que Assange foi movido por motivos puros – e não pelo desejo de aparecer.

Ninguém precisa de uma teoria da conspiração para ter dúvidas. A publicação maciça de documentos secretos no WikiLeaks não exibe nenhuma estratégia particular, a não ser o desejo de expor instituições poderosas. Assange sem dúvida deseja desestabilizar o sistema – ou todos os sistemas. O conteúdo, bem como a quantidade maciça de dados, deverão garantir isso. A alegria clandestina sentida por muita gente devido a essa estratégia anarquista de obstrução é um sinal político. É por isso que o conflito com Assange não pode ser vencido por meios políticos ou econômicos. As instituições que o WikiLeaks ataca precisam demonstrar a legitimidade das suas ações. Se isso acontecer, Assange terá de fato feito alguma coisa pela democracia.”(Dear Spiegel)

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

Jobin, o traidor da Pátria.Relatos de Jobim à diplomacia americana irritam Itamaraty

Alvo dos mais recentes vazamentos de documentos da diplomacia dos Estados Unidos, pelo site Wikileaks, o ministro da Defesa, Nélson Jobim, irritou a diplomacia brasileira devido à informação de que teria confirmado ao governo americano o diagnóstico de câncer no presidente da Bolívia, Evo Morales. Segundo telegrama de 2009 a Washington, do embaixador Clifford Sobel, Jobim, após um encontro em La Paz entre Morales e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, teria informado aos EUA que o governo brasileiro até ofereceu tratamento em São Paulo para o presidente boliviano.

A transmissão, a outro governo, de um suposto segredo de Estado de um aliado do Brasil é uma falta "grave", na avaliação de um graduado diplomata. No Palácio do Planalto, porém, o caso foi minimizado. Segundo um assessor de Lula com trânsito na equipe da presidente eleita Dilma Rousseff, o governo está decidido a não dar atenção a "telegramas de embaixador", e eventuais comentários de Jobim sobre Morales não teriam poder de afetar a relação com o governo da Bolívia. O governo boliviano negou ontem que Morales tenha tido câncer e informou que ele foi operado por médicos cubanos de um "desvio de septo".

Jobim também divulgou nota negando ter acusado o ex-secretário-geral do Itamaraty Samuel Pinheiro Guimarães de ter "ódio aos EUA", como consta em outro telegrama vazado no Wikileaks. Mas nada falou sobre Morales - que, recentemente, em uma cerimônia em La Paz, com Jobim, acusou os EUA de apoiarem conspirações contra o governo boliviano.

A rivalidade entre o Itamaraty e Jobim, cotado para permanecer ministro no governo Dilma Rousseff, é evidente na leitura dos telegramas confidenciais vazados na internet pelo Wikileaks. Os textos escritos em 2008 e 2009, pelo então embaixador Clifford Sobel, mostram que os americanos viam Jobim como seu maior aliado contra o Ministério de Relações Exteriores, no esforço para firmar acordos na área de Defesa com os EUA.

O acordo, alvo de repetidos contatos e viagens de autoridades dos dois governos, foi firmado apenas em abril de 2010, mas incluiu, discretamente, até permissão para missões de fiscalização em instalações militares e civis dos dois países.

O ministro Jobim é descrito, pelo embaixador, como "talvez um dos mais confiáveis líderes no Brasil". Sobel lembra que o ministro pertenceu ao Supremo Tribunal Federal e afirma que "ele mantém uma forte reputação de integridade que é rara entre os líderes brasileiros". Notando que o Itamaraty procurava encurtar e esvaziar a visita de Jobim aos EUA, onde o ministro queria tratar do acordo de Defesa, Sobel descreveu o ministro da Defesa como um homem decidido a "desafiar a supremacia histórica do Itamaraty em todas as áreas de política externa".

Numa avaliação do que significava ter Jobim no ministério, na época, Sobel prevê que Lula teria de dar a última palavra na disputa "entre um ministro da Defesa invulgarmente ativo e interessado em desenvolver laços mais firmes com os EUA e um Ministério de Relações Exteriores que está firmemente comprometido em manter controle sobre todos aspectos da política externa e manter uma distancia calculada entre o Brasil e os Estados Unidos".

Pelo relato de Sobel, Jobim se mostra um ministro afinado com algumas linhas gerais do governo Lula, como a reivindicação de transferência tecnológica no campo militar, a defesa de uma política de contenção, sem hostilidades, do governo de Hugo Chávez na Venezuela, a relutância em aceitar acusações de apoio às Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia por parte de governos vizinhos e a crítica aos EUA pelos obstáculos colocados no passado à venda de aviões da Embraer aos venezuelanos.

Mas, enquanto os diplomatas são descritos como um "problema" no esforço por um acordo de Defesa, Jobim foi descrito como um aliado que permitiria uma aliança com o Brasil nesse campo passando por cima do Itamaraty. O acordo assinado somente em 2010, de fato, colocou o ministério da Defesa como único responsável pelas medidas necessárias para por em prática a cooperação entre Brasil e EUA.

O comportamento de Jobim descrito por Sobel nos telegramas confidenciais vazados ontem mostra que, na tentativa de assegurar a confiança dos americanos, o ministro chegou a entrar em detalhes sobre o delicado tema da doença de Evo Morales, tratado com Lula durante visita do brasileiro a La Paz, em janeiro de 2009. Jobim, diz Sobel, teria dito que Lula ofereceu a Morales exames e tratamento em um hospital de São Paulo.

Embora houvesse relatos públicos de que Morales sofria de "sinusite aguda", Jobim, segundo Sobel, teria dito que os problemas sentidos pelo boliviano eram "na verdade, causados por um sério tumor e a cirurgia seria uma tentativa de removê-lo". Jobim teria dito, inclusive, que o tumor poderia explicar por que Morales parecia extraordinariamente distraído nos encontros da época. O tratamento teria sido adiado, porém, segundo o ministro, até o referendo constitucional previsto para o fim daquele mês, na Bolívia. Valor Econômico
 

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