terça-feira, 22 de março de 2011

No grito e na marra

A confusão foi tanta que uma estação do metrô teve até de ficar fechada por dez minutos. Foi na linha 3-vermelha, quinta-feira.

O que aconteceu? Outra sessão de pancadaria envolvendo policiais, seguranças do metrô e manifestantes. O grupo mais uma vez protestava contra o aumento nas tarifas de ônibus.

Já é o 13º protesto desde que o prefeito Kassab resolveu, no começo de janeiro, passar de R$ 2,70 para R$ 3,00 o preço pelos precários serviços de ônibus oferecidos ao público paulistano.

As tarifas tinham ficado congeladas enquanto durou o ano eleitoral. Logo depois, aumentaram ônibus, metrô e trens da CPTM. Enquanto isso, dos 13 novos terminais de ônibus prometidos pelo prefeito, apenas um foi entregue até agora.

Com certeza a prefeitura deve ser cobrada pelas falhas em sua política de transportes.
Mas o fato é que, desde janeiro, os protestos contra Kassab não reúnem mais do que duas centenas de manifestantes. A campanha contra os aumentos não emplacou na população --que percebe bem quando o objetivo das manifestações é mais político e partidário.

Militantes da CUT, de partidos de esquerda e até do MST fazem parte dos protestos. Afinal de contas, o que estão fazendo trabalhadores rurais num protesto contra as tarifas municipais?

Se não se justificam excessos e pancadaria por parte da polícia ou de seguranças, tampouco faz sentido um grupo de militantes prolongar, no grito e na marra, uma bagunça que não tem apoio na maioria dos habitantes da cidade.

sexta-feira, 18 de março de 2011

Projeto aprovado prevê R$ 600 mil só para Bethânia

O orçamento do futuro blog de Maria Bethânia, aprovado pelo Ministério da Cultura, reserva para ela um cachê de R$ 600 mil pela "direção artística" do projeto.O valor equivale a 44% do total de R$ 1,35 milhão que a cantora foi autorizada a captar em dinheiro de renúncia fiscal, via Lei Rouanet.Ela informou ontem, por meio de assessoria, que mantém a decisão de não fazer comentários sobre o assunto.

A remuneração está prevista no orçamento que Bethânia entregou à Comissão Nacional de Incentivo à Cultura, responsável pela escolha dos projetos a serem beneficiados pela lei.

O documento, obtido pela Folha, apresenta a cantora como a única responsável pelas atividades de "direção artística, pesquisa e seleção de textos e atuação em vídeos" do blog de poesia.

Três páginas adiante, uma planilha de custos fixa em R$ 600 mil a remuneração do "diretor artístico" -no caso, a própria cantora.
O orçamento diz que o valor equivale a um salário de R$ 50 mil, a ser pago nos 12 meses de duração do projeto.

O cachê reservado a Bethânia supera os R$ 467 mil que ela planeja gastar com produção, edição e legendagem dos vídeos que ela promete veicular diariamente.
No pedido de verba, a produtora Quitanda Produções Artísticas classifica o blog como revolucionário:

"Em meio a tantos absurdos do mundo moderno, a tantos problemas que cercam a vida de todos, nos propomos a revolucionar a vida cotidiana de cada um."
A captação dos recursos foi autorizada esta semana, como noticiou anteontem a coluna Mônica Bergamo.

Ontem, a reportagem teve acesso a dois pareceres do ministério que embasaram a decisão. O último relata "ajustes orçamentários" na proposta original, que previa captar R$ 1,79 milhão.

A pasta não informou os itens afetados pelo corte de R$ 440 mil. Em nota, afirmou que isso só pode ser checado mediante pedido de vista do processo, em Brasília.
Incluindo o blog, o ministério já autorizou Bethânia a captar R$ 10,5 milhões para seis projetos culturais desde 2006. Por problemas no sistema de acompanhamento virtual da pasta, não era possível saber ontem a quantia que ela chegou a arrecadar.

quarta-feira, 16 de março de 2011

Criação de legenda levará a julgamento inédito no TSE

O prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, pode enfrentar problemas na Justiça Eleitoral ou passar incólume na formação de um novo partido. Segundo ministros e assessores do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), tudo depende da maneira como ele pretende sair do DEM e rumar para outra legenda.

Em princípio, a avaliação no TSE é a de que não há qualquer impedimento à criação de um novo partido por Kassab, o Partido da Democracia Brasileira (PDB). Mas, o tribunal tende a proteger os votos que os eleitores deram ao DEM, partido pelo qual ele foi eleito. Por esse motivo, Kassab terá de ser bastante cauteloso ao trocar de legenda.

O problema está na eventual união do PDB com o PSB e com outros partidos. Há dois cenários no TSE para esse tipo de fusão. No primeiro, os ministros podem entender que o PDB é uma legenda totalmente nova e, portanto, não haveria problemas em receber Kassab, demistas e pessebistas, individualmente. Mas, num segundo cenário, essa união pode ser interpretada como um "drible" à regra da fidelidade partidária, caso o PDB receba partidos inteiros na sua formação, com visões programáticas distintas. Nesse cenário, o TSE pode concluir que Kassab quis fugir da regra que protege os votos dados pelos eleitores para as legendas e seus programas políticos. Os votos dados ao PSB, por exemplo, seriam, em caso de fusão, do PDB. O TSE pode identificar incompatibilidades nos programas desses legendas e impor dificuldades a essa e outras fusões no futuro.

Curiosamente, foi o próprio DEM de Kassab que, numa consulta ao TSE, levou o TSE a proteger a fidelidade partidária. A decisão foi tomada em 27 de março de 2007. Na época, o DEM se chamava PFL e os líderes da legenda se incomodaram com o fato de muitos parlamentares saírem de partidos da oposição e do centro e rumarem para a base do governo no Congresso. Esse movimento foi intenso antes do escândalo do mensalão, que estourou em 2005. Foi na esteira das denúncias do mensalão que o TSE passou a punir o troca-troca partidário, numa decisão de caráter moralizador.

Desde então, o TSE considera que os votos são dos partidos pelos quais o político foi eleito e tem aplicado como punição a perda do mandato de quem troca de legenda. O tribunal admite poucas exceções a essa regra, como os casos de expulsão do político do partido. Outra exceção é o caso de infidelidade do partido aos seus ideais programáticos. Por fim, a criação de um partido também pode ser admitida para efeito de troca de legenda. Mas, o TSE nunca julgou um caso desse tipo. A fusão do PL com o Prona, que levou à formação do PR, por exemplo, não foi questionada junto à Corte Eleitoral.

Para manter tempo de TV, PDB precisaria se coligar com sigla do porte do PSB


Recurso político dos mais valiosos, o tempo de propaganda eleitoral gratuita no rádio e na TV tornou-se um dos maiores nós na criação de uma nova legenda pelo prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab (DEM).

O prefeito tenta convencer correligionários a saírem do DEM para a nova sigla - provisoriamente batizada de Partido da Democracia Brasileira (PDB). Mas, antevendo o reduzido tempo disponível no rádio e na TV, políticos de olho nas eleições municipais de 2012 dão sinais de que podem refugar.

As chances eleitorais no pequeno partido dependeriam diretamente da capacidade de fazer aliança com uma legenda média ou grande. Simulação feita pelo Valor mostra que a coligação entre o PDB e o PSB - considerada o primeiro passo para uma posterior fusão das duas siglas - daria ao partido de Kassab, no mínimo, cerca de meio segundo a mais a que o DEM teria direito. Seria praticamente trocar seis por meia dúzia.

Por esse cálculo, o PDB teria 21,4 segundos relativos à divisão igualitária de um terço do horário eleitoral (10 minutos). O PSB, que elegeu 34 deputados federais no ano passado, teria ainda mais 1min19s, relativos à divisão proporcional dos dois terços restantes (20 minutos) entre os partidos com representação na Câmara - totalizando 1min40s6. Juntos, PDB e PSB ficariam com 2min02s. O DEM teria 2min01s6 (sem a criação de um 28º partido, o Democratas disporá de, no mínimo, 2min02s4, e o PSB, de 1min41s4).

Esse cálculo, contudo, leva em conta um cenário improvável, em que todos os demais partidos lançassem nomes próprios. Na última eleição municipal em São Paulo, 11 legendas ou coligações apresentaram candidatos. Caso o número se mantenha em 2012, o tempo mínimo para um partido sem representação na Câmara - como o novato PDB - subiria para 54,5 segundos, o que aumenta o cacife do partido do prefeito. Nesta situação, a diferença entre PDB/PSB e DEM chegaria a 34 segundos.

Mesmo assim, a escassez de tempo de propaganda e a incerteza da aliança com o PSB estão afastando políticos do DEM antes favoráveis ao projeto da nova sigla. Somente no Estado de São Paulo, estima-se que 70% dos 75 prefeitos do DEM desistiram e vão permanecer na legenda.

É o caso da prefeita de Ribeirão Preto, Dárcy Vera, que tentará a reeleição em 2012. Uma das primeiras a anunciar que sairia com Kassab ao PDB, Dárcy voltou atrás e vai ficar no DEM por conta dos riscos envolvidos na mudança. A prefeita deve fechar aliança com o PMDB. Se saísse do DEM, ficaria sem quase nenhum tempo de TV e sem segurança para fechar outras coligações. "Existe a realidade de cada coligação municipal. Apoios já conquistados podem ser perdidos", disse um político do DEM.

Outro ponto considerado pelos desistentes do DEM paulista é o viés governista do PDB. A nova sigla sai da esfera do PSDB e se aproxima do governo federal e do PT, o que atrapalha os planos de prefeitos ou pré-candidatos já aliados ao governo tucano de Geraldo Alckmin no Estado. "Se eu for para o partido do Kassab, posso perder a eleição. Os prefeitos pensaram isso", disse o político.

Até a bancada de São Paulo do DEM na Câmara abandonou o prefeito. Kassab ajudou a emplacar cinco dos seis deputados federais do Estado eleitos pelo DEM e agora só conta com o apoio de Guilherme Campos. Até o deputado Rodrigo Garcia decidiu ficar no DEM. Garcia fez dobradinha com o prefeito de São Paulo em diversas eleições e chegou a ser cogitado como um dos nomes de Kassab para sucedê-lo. "Fiz uma avaliação racional. Meu calendário é diferente do dele. Fui eleito na oposição e vou permanecer na oposição", disse. Deputado federal mais votado no Estado pelo DEM, Garcia afirma que "ficaria muito feliz se Kassab ficasse no partido".

A insegurança sobre os rumos do partido que Kassab pretende fundar é uma das razões mais apontadas pelos políticos ouvidos pelo Valor. Líder do DEM na Assembleia Legislativa paulista, o deputado Estevam Galvão afirma existir receio de perder o mandato com a estratégia de criar um partido para depois fundi-lo em 2014 ao PSB. "E não temos a convicção de que o PSB vai aceitar fundir, não há garantia", disse Galvão, que também tem a expectativa de que Kassab desista do PDB.

Segundo Galvão, prefeitos e vereadores estão ansiosos para saber que rumo tomar, de olho em 2012. "Há pouco tempo para a filiação, o prazo termina no fim de setembro", afirmou. "É um projeto que está minguando", disse um vereador tucano com trânsito no DEM.

Kassab começou a se movimentar depois das eleições de 2010. Primeiro, tentou convencer o DEM a fundir-se com o PMDB. Sem sucesso, travou conversas com o PMDB para apenas migrar do DEM com seu grupo. A negociação não foi para frente porque o prefeito desejava o comando do PMDB de São Paulo, abrindo embate com o vice-presidente, Michel Temer.

Depois, apareceu o PSB. Inicialmente, a ideia era fazer uma fusão após a fundação do PDB, de modo a fugir da regra de fidelidade partidária. Com receio da interpretação do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) sobre o tema, agora a intenção é fundar o partido para fechar coligações em 2012.

sexta-feira, 11 de março de 2011

Proposta de criação de Eximbank é do governo Lula

A criação de um banco especializado em operações de comércio exterior, um Eximbank brasileiro, foi objeto de um projeto entregue no segundo semestre de 2009, pelo presidente do BNDES, Luciano Coutinho, ao ministro da Fazenda, Guido Mantega, como parte das discussões para a Política de Desenvolvimento Produtivo, a nova política industrial do governo Luiz Inácio Lula da Silva. O projeto definiu as linhas básicas do novo Eximbank, e a intenção de criá-lo foi anunciada no ano seguinte, 2010: uma subsidiária do BNDES que concentraria os instrumentos do governo para financiamento à exportação.

Apesar de anunciada, a criação do Eximbank não chegou a ser concretizada, por divergências dentro da equipe econômica sobre o formato da instituição. Por sugestão do BNDES, o Eximbank será criado como uma subsidiária do banco; mas a ideia de reunir sob o novo órgão as atividades de financiamento e seguro á exportação foi vetada pelo ministério da Fazenda.

O Ministério do Desenvolvimento chegou a sugerir que diretorias diferentes do Eximbank tratassem de seguro e de financiamento. Afinal a equipe econômica concordou em criar uma instituição apartada para garantir mecanismos de garantia e seguro à exportação em mais longo prazo, e a oficialização da nova subsidiária do BNDES, com os mecanismos de crédito oficial, passou a depender da concretização simultânea dos novos mecanismos de seguro ao comércio exterior.

O Eximbank, segundo confirmaram Luciano Coutinho e o ministro do Desenvolvimento, Fernando Pimentel, fará parte dos novos instrumentos de política industrial, a chamada Política de Desenvolvimento Produtivo II, a ser anunciada em abril.

Cúpula do PMDB convida Chalita


A cúpula do PMDB intensificou a negociação com o deputado federal Gabriel Chalita (PSB-SP) para filiá-lo ao partido. Em troca, dirigentes pemedebistas ofereceram ao parlamentar a vaga para disputar a Prefeitura de São Paulo, em 2012. Chalita conversou pelo menos duas vezes com o vice-presidente da República e presidente licenciado do PMDB, Michel Temer, sobre a possível migração. Também já foi convidado para trocar de legenda pelo presidente do Senado, José Sarney (AP), pelo líder do PMDB na Câmara, Henrique Eduardo Alves (RN) e pelo presidente do diretório estadual de São Paulo, deputado estadual Baleia Rossi, filho do ministro da Agricultura, Wagner Rossi.

A tentativa de atrair Chalita faz parte da estratégia do PMDB de tentar fortalecer o partido em São Paulo. O diretório minguou nas últimas eleições e em 2010 elegeu apenas um deputado federal em São Paulo, do total de 70 eleitos no Estado.

Com a morte do ex-governador Orestes Quércia, que presidia o diretório paulista, Temer e seus aliados passaram a controlar o partido em São Paulo. Centenas de diretórios municipais devem trocar a direção neste ano: "Estamos conversando com várias lideranças regionais. Onde nosso desempenho nas eleições foi ruim, haverá reformulação", afirma o deputado estadual e líder do PMDB na Assembleia Legislativa, Jorge Caruso.

Jundiaí, Louveira e Vinhedo são cidades em São Paulo onde a mudança está sacramentada. A filiação do ex-prefeito de Sorocaba Renato Amary (PSDB) vai nessa linha. "Não queremos mais ser escada para o PT e o PSDB. Teremos candidato próprio ou a vice em todas as cidades grandes. As alianças serão fechadas em torno de um projeto de crescimento do partido", disse Baleia Rossi.

Antes de sondar Chalita, o PMDB tentou atrair o prefeito da capital, Gilberto Kassab (DEM), e seus aliados para o partido. As conversas de Temer com Kassab, no entanto, não avançaram. O vice-presidente da República não quis dar o comando do diretório de São Paulo para o prefeito, além deste ser ligado ao ex-governador José Serra (PSDB).

Ao mesmo tempo em que conversava com o PMDB, Kassab aproximou-se do PSB. O prefeito articula a criação do Partido Democrático Brasileiro (PDB), que deve se fundir ao PSB. Para driblar problemas com a Justiça Eleitoral, o PDB deve disputar as eleições municipais de 2012 e depois efetivar a fusão. Como ônus da operação, o partido daria a Kassab o controle dos diretórios municipal e estadual de São Paulo.

De olho no potencial eleitoral de Chalita, segundo deputado federal mais votado em São Paulo, o PTB também tenta atrair o parlamentar. Chalita, no entanto, pode perder o mandato se mudar de partido. Pela legislação eleitoral, o mandato pertence ao partido pelo qual o candidato foi eleito e o PSB poderia pedir a cadeira do deputado. Para migrar, Chalita depende de Kassab. No caso de o prefeito conseguir criar uma legenda e fundir-se ao PSB, o parlamentar poderia argumentar que não concorda com a fusão e, dessa forma, poderia trocar de partido sem perder seu mandato. Chalita já anunciou que, confirmada a fusão do PDB com o PSB, trocará de legenda.

No Estado, o PMDB não pretende aliar-se formalmente ao governo tucano de Geraldo Alckmin. Em dezembro, foi discutida a possibilidade do PMDB ficar com a pasta de Agricultura, mas os nomes que o partido apresentou não agradaram ao governador. Um acordo para selar um apoio dos pemedebistas ao governo nas votações da Assembleia Legislativa deve ser fechado na próxima semana, em reunião de Caruso com o secretário da Casa Civil, Sidney Beraldo, mas sem compromisso de aliança para as próximas eleições e sem a barganha de cargos: "É constrangedor querer derrubar alguém que já está no cargo. Não temos mais essa reivindicação", disse Rossi sobre a pasta da Agricultura. Segundo ele, o caso deveria ter sido resolvido em dezembro, quando Alckmin ainda fazia nomeações.

quarta-feira, 9 de março de 2011

Forças Armadas resistem à Comissão da Verdade

Em documento enviado a Jobim, Exército diz que projeto reabre feridas

Apesar da decisão da presidente Dilma Rousseff de bancar como prioridade a criação da Comissão Nacional da Verdade, as Forças Armadas resistem ao projeto e elaboraram um documento com pesadas críticas à proposta. No texto, enviado mês passado ao ministro da Defesa, Nelson Jobim, os militares afirmam que a instalação da comissão "provocará tensões e sérias desavenças ao trazer fatos superados à nova discussão". Para eles, vai se abrir uma "ferida na amálgama nacional" e o que se está querendo é "promover retaliações políticas".

Elaborado pelo Comando do Exército, o documento tem a adesão da Aeronáutica e da Marinha. No texto, os militares apontam sete razões para se opor à Comissão da Verdade, prevista para ser criada num projeto de lei enviado pelo Executivo ao Congresso Nacional em 2010. Os militares contrários à comissão argumentam que o Brasil vive hoje outro momento histórico e que comissões como essas costumam ser criadas em um contexto de transição política, que não seria o caso. "O argumento da reconstrução da História parece tão somente pretender abrir ferida na amálgama nacional, o que não trará benefício, ou, pelo contrário, poderá provocar tensões e sérias desavenças ao trazer fatos superados à nova discussão".

As Forças Armadas defendem que não há mais como apurar fatos ocorridos no período da ditadura militar e que todos os envolvidos já estariam mortos. "Passaram-se quase 30 anos do fim do governo chamado militar e muitas pessoas que viveram aquele período já faleceram: testemunhas, documentos e provas praticamente perderam-se no tempo. É improvável chegar-se realmente à verdade dos fatos".

O objetivo da Comissão da Verdade é esclarecer as graves violações de direitos humanos praticadas durante o regime militar, como torturas, mortes e desaparecimentos. E ainda tentar identificar os responsáveis por esses crimes, mas sem buscar a punição deles, por causa da Lei da Anistia. Desde sua criação, a comissão tem sido alvo de polêmicas. Por causa de pressões dos militares, o governo já modificou o texto original para assegurar que a Lei da Anistia seja respeitada e atos cometidos no regime militar não deem origem a processos penais.

Mas o documento enviado a Jobim mostra que as Forças Armadas continuam refratárias até à possibilidade de identificar responsáveis por atos da ditadura. No documento, os militares reconhecem ser legítimo o direito das famílias de buscar desaparecidos, mas falam em revanchismo: "O que não cabe é valer-se de causa nobre para promover retaliações políticas".

Tema "não contribui para a paz"

Para as Forças Armadas, a criação da Comissão da Verdade não faz mais sentido, por se tratar de uma etapa da História superada, segundo os militares, principalmente se comparado a outros países do continente, "que até hoje vivem consequências negativas de períodos históricos similares". Trata-se de uma referência a Argentina, Chile e Uruguai, países que fizeram a revisão de suas ditaduras, e julgam e punem os responsáveis.

"Trata-se de assunto delicado ressuscitar discussão sobre os atos do governo militar. Não contribui para a paz nacional, considerando que o governo não foi derrubado pelas forças políticas, mas sim ensejou processo lento e gradual de transição e devolução do poder aos civis, promovendo verdadeira reconciliação nacional".

Os militares recorrem também à decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) do ano passado, que, segundo o documento enviado a Jobim, "extinguiu as pretensões de grupos desejosos de buscar punição a qualquer custo aos agentes do Estado". O STF entendeu que a Lei da Anistia encerrou com possibilidade de julgamentos de possíveis culpados.

Mas, cientes da dificuldade de barrar a criação da Comissão da Verdade, os militares se preparam para o embate no Congresso e têm prontas cinco emendas para modificar o texto original do governo. Eles querem que testemunhas e militares sejam convidados, e não convocados, como prevê o projeto do governo; que se investiguem casos de terrorismo e justiçamento praticados pela esquerda; e o fim de anonimato para quem entregar documentos de forma voluntária.

Na emenda em que pedem apuração também de casos de terrorismo e justiçamento (militantes de esquerda que matavam traidores dentro de seu grupo), os militares afirmam que, assim como a tortura e o homicídio, são crimes equiparados a hediondos e que devem receber o mesmo tratamento pela Comissão da Verdade.

O projeto do governo assegura o anonimato a testemunhas que, voluntariamente, entregarem documentos ou prestarem depoimentos. As Forças Armadas querem a identificação de todas as pessoas. "É atender ao princípio do contraditório e da ampla defesa. Denúncias anônimas poderiam surgir sem fundamento", argumentam.

Outra mudança desejada é trocar a expressão "convocar" (militares e outras testemunhas) por "convidar" - que ninguém seja obrigado a comparecer à Comissão da Verdade. "É inconstitucional dar poderes de polícia à comissão", afirmam.

Outra alteração é impedir sessões fechadas, como prevê o texto do governo em casos de resguardar a intimidade e a vida privada das pessoas. "É para garantir transparência e espírito democrático às atividades da comissão, evitando que reuniões secretas tenham por fim direcionar os trabalhos. Não há motivos que justifiquem os trabalhos secretos da comissão", defendem os militares.

As Forças Armadas pretendem incluir no texto que a comissão deve se restringir à busca de fatos históricos e "não deve ter por objetivo perseguir ou tentar incriminar pessoas".

terça-feira, 1 de março de 2011

Ana de Hollanda nomeia advogada ligada a representante do Ecad para diretoria setorial e indica que vai abandonar a reforma da lei


Após dois meses de especulação, a ministra da Cultura, Ana de Hollanda, deu o principal sinal de que vai abandonar a reforma da Lei do Direito Autoral, um dos principais pontos defendidos pela política cultural do governo Lula. Ana afastou Marcos Souza da gestão da Diretoria de Direitos Intelectuais (DDI) do Ministério da Cultura (MinC), órgão responsável por coordenar a reforma, e convidou Marcia Regina Barbosa, servidora da Advocacia-Geral da União, para o cargo. Souza era o principal defensor dentro do governo da necessidade de se continuar o processo de reforma da lei, cujos debates são promovidos pelo governo desde 2007.

O nome de Marcia teria sido indicado para o MinC por Hildebrando Pontes Neto, ex-presidente do Conselho Nacional de Direito Autoral (CNDA), órgão que regulou o setor entre 1973 e 1990, até ser extinto. Após deixar o governo, ele vem advogando em mais de cem processos para o Escritório Central de Arrecadação e Distribuição, o Ecad, uma instituição que conglomera associações de compositores e músicos e que sempre foi contrária à reforma. Entre as dezenas de pontos que o Ecad critica, o principal é a criação de uma instância que regulamentaria as ações do escritório, hoje com autonomia para recolher e distribuir direitos autorais.

Em janeiro, era dada como certa dentro do MinC a nomeação de Hildebrando para a DDI. Ana de Hollanda chegou a se encontrar com o advogado do Ecad no dia 27 de janeiro, numa reunião oficial em Brasília, gerando especulações em redes sociais e reações de grupos a favor da reforma da lei. Mas o MinC negou que Hildebrando fosse assumir o cargo.

Até que, há dez dias, foi publicada no "Diário Oficial" a cessão de Marcia de sua função como advogada da Consultoria-Geral da União para a DDI. Na última sexta-feira, Marcos Souza, titular da DDI desde sua criação, em 2009, e coordenador do projeto de revisão da lei, foi informado de que seria substituído na direção do órgão. Ana de Hollanda convidou Souza a continuar no MinC, mas ele não aceitou e vai voltar ao Ministério do Planejamento, onde é especialista em gestão de políticas públicas, à espera de uma nova função.

- É prerrogativa do dirigente escolher as pessoas para o cargo de confiança, é normal a mudança - diz Souza. - Mas eu tenho muita convicção a respeito do trabalho que foi executado pela DDI. Direito autoral não é fácil. Não é fácil agradar todo mundo. Mas foi um trabalho sério, honesto. O meu maior lamento é sair sem dar um retorno para a sociedade do que fizemos. Agora, espero poder ajudar o governo em outra área.

A reforma da Lei do Direito Autoral (a 9.610, de fevereiro de 1998) começou a ser debatida em 2004. Três anos depois, o então ministro da Cultura, Gilberto Gil, lançou o Fórum Nacional de Direito Autoral, cujo objetivo era discutir com a sociedade a necessidade de se revisar a lei. O governo promoveu oito seminários nacionais, um internacional e mais de 80 reuniões, e a reforma era vista como prioridade tanto por Gil quanto por Juca Ferreira, ministro de julho de 2008 até o fim do ano passado.

De 14 de junho a 31 de agosto de 2010, o projeto foi posto em consulta pública, onde pôde receber sugestões de interessados. Mais de oito mil ideias foram analisadas pela DDI e discutidas pelo Grupo Interministerial de Propriedade Intelectual, antes que uma proposta fosse enviada para apreciação da Casa Civil. Ana de Hollanda deu uma entrevista à revista "Isto É Dinheiro", em que disse: "Ainda nem consegui ler o texto que foi mandado pela Casa Civil, nem acho que seja o caso, porque não sou eu que vou analisar. Minha responsabilidade é de ministra."

Eu não acho que a ministra esteja má intencionada, mas acho que existe uma precipitação de se tomar a posição de um lado sem consultar a própria classe - afirma o músico Ivan Lins. - Parece-me que ela está sendo usada por pessoas próximas e que têm interesses em impedir que se mude a legislação autoral.
 

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