O Senado aprovou, de uma só penada, por votação simbólica, na quarta-feira à noite, dois projetos de lei, um que termina com o fator previdenciário e outro que indexa todas as aposentadorias ao reajuste do salário mínimo. Este passa a ser corrigido nos próximos três anos pela variação do INPC mais o crescimento real do Produto Interno Bruto (PIB). Os projetos são de autoria do senador Paulo Paim, do PT do Rio Grande do Sul.
Na mesma sessão, por unanimidade, os senadores aprovaram também um projeto de lei complementar, de autoria do senador Tião Viana, do PT do Acre, que indexa os gastos anuais da saúde à 10% da receita corrente bruta da União, conceito que engloba inclusive as receitas financeiras.
Pródigos em aumentar as despesas sem se preocupar em identificar de onde virão as receitas para financiá-las, os senadores da base aliada e da oposição surpreenderam o governo com os projetos, principalmente os dois do senador Paim, que simplesmente fazem uma contra-reforma na previdência social.
O fator previdenciário, criado em 1999, alterou a fórmula de cálculo das aposentadorias, passando a considerar uma combinação da idade do contribuinte no momento de se aposentar, o tempo de contribuição e a expectativa de vida da população, conforme tabela do IBGE. Feitas as contas, o fator representou um redutor que estimula o trabalhador a permanecer por mais tempo na ativa, como contribuinte, adiando o direito à aposentadoria integral. Funcionou, na prática, como se a idade mínima da aposentadoria tivesse sido aumentada.
Paim já adiantou que pretende aprovar uma proposta de emenda à Constituição para definir o cálculo previdenciário com base em uma idade mínima do contribuinte. Os dois projetos do senador gaúcho seguem, agora, para a Câmara dos Deputados, de onde os governistas já avisaram que vão tentar derrubá-las.
Aprovada em 2000, a emenda constitucional 29, que trata dos recursos para o Ministério da Saúde, determinou que por cinco anos o orçamento dessa área seria corrigido pela variação nominal do PIB e que, passado esse prazo, novamente se discutiria o financiamento público para a saúde no país. Aberta a chance, a poderosa "bancada do jaleco" no Congresso se mobilizou para daí arrancar mais verbas carimbadas para o setor, engessando ainda mais o orçamento da União, já amplamente cravado de vinculações.
O projeto aprovado pelo Senado estabelece como novo parâmetro para o orçamento da saúde verbas correspondentes a 10% da receita corrente bruta arrecadada no ano anterior. A vinculação seria feita de forma gradual, partindo este ano de 8,5% da receita, 9% em 2009, 9,5% em 2010 e 10% em 2011. Se aprovada na Câmara, para onde também segue o projeto de lei complementar, o orçamento da saúde deste ano sairá de R$ 48,5 bilhões para R$ 56 bilhões. Em 2009 aumentaria para cerca de R$ 63 bilhões.
De 2000 para cá, período em que ficou indexado à variação nominal do PIB, o orçamento do Ministério da Saúde mais do que dobrou. Era de R$ 20 bilhões em 2000 e saltou para R$ 48,5 bilhões este ano. É importante notar que nesse período a qualidade dos serviços não seguiu a mesma trajetória da alocação de recursos e, mesmo com mais do dobro das receitas, as tragédias da febre amarela, da dengue, dos hospitais públicos prosseguem. O que deixa uma dúvida legítima no ar: se o maior problema da saúde no Brasil ainda é de falta de dinheiro. Muito provavelmente, uma visão menos apressada dos problemas da saúde identificará dificuldades de outra natureza. Seja por deficiências na gestão pública, seja até mesmo pelo fato de que, tendo como garantido por lei que o orçamento do próximo ano será maior do que o deste ano, há muito pouco incentivo para gastar melhor.
Antes de aprovar mais alguns bilhões para a saúde, os parlamentares deveriam discutir e aprovar, por exemplo, o projeto que cria as Fundações Públicas de Direito Privado. Proposto pelo Executivo, o projeto permitiria a estas fundações administrar os hospitais da rede pública de maneira mais profissional, podendo, inclusive, fazer contratações de pessoal pela CLT, entre outras flexibilidades. A proposta está no Congresso e esbarrou na oposição do PT, das centrais sindicais e do lobby das corporações.