segunda-feira, 22 de março de 2010

STF “ressuscita” Emenda 29

Na mesma semana em que o governo bloqueou R$ 21,8 bilhões do Orçamento para garantir o cumprimento da meta do superavit primário, a União sofreu uma grande derrota no Supremo Tribunal Federal (STF), que firmou entendimento de que o Estado é obrigado a custear medicamentos e tratamentos de alto custo definidos como indispensáveis para a saúde dos cidadãos. Nos últimos cinco anos, o governo federal desembolsou R$ 191 milhões, segundo dados da Advocacia-Geral da União (AGU), com o cumprimento de decisões judiciais que o determinaram a pagar tratamentos não contemplados pelo Sistema Único de Saúde (SUS).

Em 2005, a União gastou R$ 2,4 milhões em ações judiciais para aquisição de remédios. O número contrasta com os R$ 95,3 milhões empenhados em 2009 para o mesmo fim, o que mostra um aumento de 40 vezes nas despesas do governo decorrentes de sentenças favoráveis ao cidadão. A tendência, a partir do entendimento firmado pelo STF, de que o Poder Executivo deve arcar com os custos médicos de quem comprovar não ter renda para bancar o tratamento, é que o rombo (1)no orçamento destinado à saúde aumente de forma ainda mais clara.

A recente decisão do Supremo reacendeu o debate em torno da Emenda 29, que aumenta os recursos para a área da saúde, e gerou críticas da oposição ao atual modelo do SUS, que não possui reservas dos medicamentos de alto custo que costumam ser alvos das disputas judiciais. Ex-presidente da Frente Parlamentar da Saúde e atual primeiro secretário da Câmara, o deputado Rafael Guerra (PSDB-MG) defende que o governo disponha de estoques para atender a demanda de pacientes com doenças graves.

“É preciso ter uma lista que corresponda à realidade e à evolução da medicina. É obrigação do governo fornecer esses medicamentos de alto custo”, afirmou Guerra. “Quanto maior o número de recursos que forem liberados por meio de medidas judiciais, maior o sinal do problema de má gestão e de descumprimento da Constituição”, completou o deputado.

Desequilíbrio

Ao Correio, a secretária-geral de Contencioso da AGU, Grace Mendonça, alegou que o pagamento dos medicamentos de alto custo gera um “desequilíbrio em todo o sistema de saúde”. Ela, porém, ponderou que “a posição da União é a de jamais deixar de reconhecer o seu dever constitucional de assegurar o direito de acesso à saúde ao cidadão”.

“Os recursos estatais para a efetivação deste direito social são finitos, de modo que a judicialização indiscriminada no fornecimento de medicamentos à população representa sério risco à desestruturação por completo da própria política pública que se busca salvaguardar”, destaca trecho da defesa apresentada pela União em processo julgado no STF na última quarta-feira.

Na defesa dos investimentos do governo, a AGU argumenta que tem sim investido na compra de medicamentos considerados essenciais. Como exemplo, citou que, em 2008, o Ministério da Saúde destinou R$ 754 milhões para este fim, além de mais de R$ 2,35 bilhões com a aquisição de remédios específicos para doenças como tuberculose, Aids e hanseníase. O órgão cita ainda que o Orçamento aprovado em 2009 aumentou em 14%, para 60 bilhões, a quantia destinada à saúde.

Insuficiência

O deputado Rafael Guerra, porém, considera o atual investimento insuficiente para atender a crescente demanda por saúde da população brasileira. “Há na Constituição uma proposta ambiciosa, perfeita do ponto de vista da cidadania e da democracia. Mas não se coloca o investimento necessário para isso. A medida do Supremo é dura, mas é a hora de o governo acordar para a necessidade do financiamento da saúde”, alerta o parlamentar.

O tucano luta pela aprovação da regulamentação que tornará efetiva a Emenda 29. A bandeira também é defendida pelo ministro da Saúde, José Gomes Temporão, mas deixada de lado pelo governo, que tem condicionado a votação do tema à aprovação de um imposto nos moldes da extinta CPMF. A Emenda 29, promulgada em 2000, obrigou os estados e os municípios a aplicarem, respectivamente, 12% e 15% da arrecadação de impostos em ações e serviços de saúde e, a União, o mesmo valor, com acréscimo de pelo menos 5%. No entanto, a regulamentação dos percentuais depende da aprovação de uma lei complementar.


1 - Prejuízo em cadeia
A falta de medicamentos nos estoques do governo não acarreta apenas na elevada despesa da União com tratamentos médicos não previstos pelo SUS, mas também sobrecarrega advogados da União, resulta em gastos com recursos judiciais, gera custos com a dispensa de licitações para a importação de remédios e até despesas com a entrega do produto. De acordo com dados da AGU, o procedimento da dispensa licitatória custa, em média, R$ 200, e o transporte aéreo da medicação, cerca de R$ 50.

O número
R$ 60 bilhões
Orçamento total previsto para a área da saúde em 2010


Despesas crescentes

O governo federal gastou pouco mais de R$ 16 milhões, de 2005 a 2009, com depósitos em contas judiciais por determinação da Justiça. A esse valor são acrescidas as despesas anuais com medicamentos comprados para atender ordens da Justiça, o que totaliza mais de R$ 191 mihões.

# Gastos da União com ações judiciais

Ano - Valor gasto (R$)

2005 - 2.441.041,95
2006 - 7.600.579,92
2007 - 17.530.346,45
2008 - 52.383.132,01
2009 - 95.388.459,11
Depósito em contas judiciais - 16.069.691,00

TOTAL - 191.413.250,44

Para saber mais
Direito e prioridade

Na última quarta-feira, por unanimidade, os ministros do STF firmaram o entendimento de que o poder público tem a obrigação de custear medicamentos e tratamentos de saúde essenciais, mesmo aqueles não previstos pelo SUS. Na ocasião, foram julgados nove recursos protocolados por municípios, estados e União contra decisões judiciais que os determinavam a arcar com os custos de pacientes. Os ministros entenderam que o direito à saúde deve ser garantido como prioridade.

Em uma das ações, a União e o município de Fortaleza contestavam ordem judicial que obrigava o SUS a arcar com os custos do tratamento de uma jovem de 21 anos portadora de uma doença neurodegenerativa rara. O valor mensal do remédio recomendado para possibilitar o aumento de sobrevida da paciente é de R$ 52 mil. Em outra decisão, o estado do Rio de Janeiro foi derrotado, ao contestar sentença que determinou o custeio do tratamento de um menor de idade brasileiro que vive na Itália, estimado em R$ 177 mil.

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