sexta-feira, 12 de maio de 2006

O reality show de garotinho



Sem responder às denúncias de que é alvo, o ex-governador opta pelagreve de fome

A greve de fome como instrumento político já foi usada de muitas maneiras nobres. O ativista indiano Gandhi fez dela, por exemplo, uma arma contra o imperialismo britânico. Não é o caso do pré-candidato do PMDB à Presidência, Anthony Garotinho. O ex-governador do Rio escuda-se na suposta greve de fome para, na verdade, fazer uma greve de silêncio. Optou pela pirotecnia no lugar de fornecer explicações às denúncias de que um criminoso doou dinheiro à sua pré-campanha. Ou de que empresas também doadoras foram beneficiadas por contratos com o estado administrados por sua mulher, Rosinha.

O jogo de cena parece ser a última pá de cal na candidatura Garotinho. As principais lideranças do PMDB reprovaram o gesto. A vida do ex-governador virou uma espécie de reality show. O significado do protesto não interessa. O que a mídia quer saber é quantos quilos o “ativista político” perde por dia, enquanto tenta imaginar como o presidenciável conseguirá sair dessa sem sofrer uma tremenda humilhação. No início da suposta greve de fome, Garotinho prometeu ir até as últimas conseqüências.

O outro candidato do partido, Itamar Franco, preferiu trilhar outro caminho. Em entrevista ao programa Conversa Afiada, do jornalista Paulo Henrique Amorim, que estreou neste mês no portal IG, Itamar defendeu o lançamento de uma candidatura própria pelo PMDB. “O partido assinará um atestado de óbito se não tiver candidato”, afirmou o ex-presidente.

MINO CARTA
HOMENAGEM A FRANZ KAFKA
Comedida defesa contra as calúnias e miúdas observações sobre uma sentença que evoca o mestre do absurdo

Caluniado por texto publicado pela revista Veja, edição nº 1.934, enviei à redação da própria uma carta, cujo texto transcrevo.

“Os melhores elogios ao meu comportamento como jornalista às vezes vieram de onde menos esperava. Por exemplo, do general João Baptista Figueiredo, quinto presidente da ditadura militar.

“Em longo depoimento gravado em 1988, à beira de um churrasco-amigo, Figueiredo deu para falar da sua experiência com os senhores da mídia nativa, em sua opinião bando de interesseiros oportunistas. Com uma única, escassa exceção.

“Impropriamente, está claro, ele me incluiu no rol, apontou em mim um inimigo do regime, mas acrescentou: ‘Prefiro o Mino Carta, de quem o general Geisel não gostava. O Mino é um chato, um criador de casos, com aquele jeito de questionar tudo. Algum dia vai querer fazer a revisão do Evangelho. Mas não ficou com rabo preso’.

“Não costumo me levar a sério. Reconheço em mim, contudo, um cidadão e um profissional de princípios e crenças firmes. Em 56 anos de jornalismo, não houve quem me questionasse moralmente, embora muitos discordassem de mim de inúmeros outros pontos de vista.

“Em dezembro passado, fui informado que uma coluna, intitulada Diogo Mainardi, publicada na edição 1.934 da revista Veja, me acusa de ser ‘subordinado de Carlos Jereissati’, de ‘ter por missão atacar Daniel Dantas’ e de ‘defender a ala lulista representada por Luiz Gushiken’.

“Para quem conservou intacta a sua independência ao longo de uma vida honrada, e para mantê-la não hesitou em abandonar empregos milionários, e nos últimos 30 anos teve de inventar novos para fazer jus ao salário até hoje indispensável, trata-se de ofensa gravíssima.

“Observo, de passagem, que as informações em questão são indignas de uma publicação disposta a afirmar a sua fidelidade à verdade factual. Não sou subordinado a ninguém, e muito menos do Sr. Jereissati, de quem já fui amigo e há tempo não sou mais. Em compensação tenho amizade por Luiz Inácio Lula da Silva há cerca de três décadas, como é do conhecimento até do mundo mineral. Creio ser tão lulista quanto o próprio é minista.

“O Sr. Gushiken entra neste prato de muita fumaça e assado algum pelo simples fato de que foi deus ex machina da alocação de publicidade do governo. Já não é. De todo modo, certo apenas é que, ao contrário do governo de Fernando Henrique, o monumental democrata, este de Lula praticou a isonomia na distribuição dos seus anúncios. Veja, tem dez vezes mais que CartaCapital, ou por aí. Exame, outra revista da Editora Abril, tem o dobro.

“São dados relativos a 2004, recentemente publicados pela Folha de S.Paulo, e não houve alterações de monta no ano passado. Quanto a Daniel Dantas, ele é, na visão de CartaCapital, um dos mais imponentes vilões da República, com envolvimento nas piores mazelas da história pátria.

“Diga-se que Dantas tentou deter CartaCapital por meio de uma substanciosa campanha publicitária. Depois de um par de anúncios, regiamente pagos, bateu em retirada. Perdemos a grana e ficamos de cabeça erguida. Eis aí, ficar de cabeça erguida ao tocar a bola. Como Franco Baresi, como Beckenbauer, como Falcão. A minha está. Donde, exijo respeito.”

Conforme a lei, pela publicação da carta por Veja teria de esperar até a edição da primeira semana de fevereiro. Em caso de espera vã, poderia solicitar a intimação judicial. A revista saiu no sábado 4 de fevereiro, e minha autodefesa ali não estava, mas já na sexta 3, meu advogado, José Roberto Leal, ajuizou o pedido, pois o fim do prazo se daria no domingo 5.

Interessantíssima sentença, emitida pela juíza Andreza Maria Arnoni, da Primeira Vara Criminal Foro Regional XI – Pinheiros, declara extinta a demanda, não por falta de motivos do acima assinado, e sim porque o advogado Leal antecipou-se ao prazo legal. Talvez a sentença passe a figurar entre as peças mais preciosas da jurisprudência pátria, embora não desfigurasse em um conto de Kafka.

Leio, e reproduzo: “Assim, observa-se que, por ocasião da data da notificação, deveria o requerente ter aguardado a próxima edição a ser veiculada em tempo hábil, para então, em face de eventual silêncio (a caracterizar a recusa prevista em Lei), ajuizar este pleito judicial, sendo esta a inteligência do artigo 31, inciso II c.c. artigo 32 da Lei de Imprensa.

“Desta feita, não obedecidos aos termos da Lei, observa-se que falece interesse processual ao requerente para o manejo desta via judicial, pois ausente o pressuposto fático e jurídico previsto no artigo 32, da Lei nº 5.250/67. E, por conseguinte, também se encontra superado o prazo decadencial para tanto”.

A magistrada negou-se, portanto, a reconhecer o meu direito à publicação da resposta porque requerida antes do término do prazo fatal. Que pensaria o aturdido Franz nos seus passeios por Mala Strana? A notificação anterior foi feita e silêncio houve por parte de Veja, a caracterizar a recusa prevista em lei, mas a razão não brilha em muitas cortes do nosso Brasil kafkiano. Que fazer? Recorrerei, a esta altura distante da indignação inicial. A qual teve relação com meu passado de diretor da equipe fundadora da revista Veja por oito atribulados anos, de ameaças, censura e perseguições.

De lá saí para que comigo saíssem os censores, ofertada a minha cabeça ao então ministro Armando Falcão (não ouso declinar o nome da pasta), que a exigia para avalizar um empréstimo de 50 milhões de dólares à Editora Abril, via Caixa Econômica Federal.

Não faltam, aliás, na atual redação de Veja colegas que conhecem o meu comportamento como cidadão e como profissional. Pano rápido, sugeriria Millôr Fernandes, quem sabe também ele lembrado de tempos idos.

Aqueles, por exemplo, em que Roberto Civita ofereceu ao general Golbery a demissão do mesmo Millôr, autor de uma charge que não agradara aos militares, publicada em Veja, e recebeu do então chefe da Casa Civil a seguinte resposta: “Senhor Civita, não estamos pedindo a cabeça de ninguém, e muito menos eu a pediria”.

De minha parte, recordo que no seu pronunciamento, referido nas primeiras linhas, o general Figueiredo nomeou explicitamente Victor Civita, então boss da Abril, e Roberto Marinho.

Abalo-me a outra comparação. É do ano passado um virulento artigo, publicado na página 3 da Folha de S.Paulo e assinado por um editor do jornal, que me comparava com Odorico Paraguaçu, aquela caricata e famigerada personagem global. Pois Octavio Frias de Oliveira, publisher da Folha, ofereceu o mesmo espaço, na mesma página, à minha defesa, que saiu pontualmente. Agrada-me saber que cabe a ele, conferido na noite do dia 3, o Prêmio de Personalidade de Comunicação de 2006.



TELEFONIA
ARRIVEDERCI, DANIEL
A Telecom Italia rompe acordo com o Opportunity. Começam os depoimentos do caso Kroll

Há um ano, um panfleto publicitário do Banco Opportunity estampava na capa um sorridente Daniel Dantas. O texto comemorava o acordo firmado entre o banqueiro e o presidente da Telecom Italia, Marco Tronchetti Provera. Depois de três anos de batalha em campo aberto, os italianos haviam aceitado pagar 291 milhões de euros (cerca de 760 milhões de reais a preços de hoje) pela participação de 10% de DD na Brasil Telecom. O acerto também previa o pagamento de 50 milhões de euros (cerca de 130 milhões de reais) para encerrar a longa batalha judicial travada entre as partes e que impediu a volta da Telecom Italia ao grupo de controle da empresa de telefonia. Sabe-se que Provera foi convencido por Naji Nahas, bem relacionado na comunidade árabe internacional e amigo da família da mulher do executivo milanês, a egípcia Afef Jnifen.

Ao tratar do assunto na edição 340 (de 4 de maio de 2005), CartaCapital ressaltou os entraves jurídicos do acordo e levantou dúvidas sobre as reais possibilidades de o negócio ir adiante. Diz o texto: “Em 17 de março, o juiz Lewis Kaplan, do Tribunal Distrital Federal de Nova York, destituiu o Opportunity da gestão do CVC Limited. Ao destituir o grupo brasileiro, Kaplan proibiu Dantas de iniciar qualquer negociação que pudesse afetar o valor do fundo de investimentos ou de seus ativos. Em tese, a decisão proíbe, por exemplo, a incorporação da Brasil Telecom Celular pela TIM”.

Demorou, mas na terça-feira 2, a Telecom Italia informou, em nota oficial, o rompimento do acordo firmado um ano antes com o Opportunity. A operadora européia valeu-se de uma cláusula do próprio contrato. Segundo a cláusula, o acerto seria desfeito se os italianos não se entendessem com os demais acionistas e não retornassem ao bloco de controle da companhia. O orelhudo ficará sem um único tostão.

Ao contrário do que imaginavam os então negociadores da Telecom Italia, o acordo com Dantas não extinguiu os problemas da empresa no Brasil. Acrescentou outros. O Citibank e os fundos de pensão, acionistas da BrT, recorreram à Justiça no Brasil e no exterior. Em tribunais nos Estados Unidos e na Europa conseguiram segurar a conclusão das negociações. Os 50 milhões de euros pagos para extinguir as querelas judiciais foram, por exemplo, bloqueados pela Justiça holandesa, a pedido do Citi. Passados 12 meses, os italianos perceberam ser impossível prosseguir ao lado de Dantas sem que isso afetasse os seus interesses no Brasil.

Não há clareza, nem dentro da própria companhia italiana, do significado do rompimento. Para analistas do setor, estaria aberto o caminho para uma solução definitiva da composição acionária da BrT. Segundo esses analistas, ou a Telecom Italia compraria a parte dos outros sócios, ou venderia a sua. Os dirigentes da empresa no País evitam, por enquanto, comentários a respeito. Certo mesmo é que o Opportunity perde um aliado de última hora e vê enfraquecida a tentativa de retomar o controle da Brasil Telecom. DD volta às cordas.

Na terça-feira 2, o orelhudo obteve um habeas corpus e conseguiu adiar o depoimento ao juiz Sílvio Luiz Ferreira da Rocha, titular da 5ª Vara Criminal Federal de São Paulo. Dantas seria o primeiro a ser ouvido na ação que o acusa de comandar uma quadrilha internacional de espionagem. Em 2002, a Kroll espionou a vida de desafetos e concorrentes do Opportunity. Os advogados de DD argumentaram não ter tido acesso aos autos do processo. Em nota, Ferreira da Rocha rebateu o argumento: “A advogada do réu, em 14/2/2006, esteve em secretaria e retirou os volumes do processo que lhe interessavam, nos quais estão contidas as informações que a defesa ora alega não ter conhecimento”. De mãos atadas, o juiz remarcou a audiência para 30 de maio, mesmo dia em que ouvirá Carla Cico, ex-presidente da Brasil Telecom. O habeas corpus foi concedido pela desembargadora Cecília Melo. Os outros envolvidos começaram a prestar declarações na quarta-feira 3. Os depoimentos vão até a quinta-feira 25. n

P.S.: Um sinal da atual fragilidade do banqueiro. No início da tarde da quinta-feira 4, o Opportunity ignorou decisão recente do juiz Lewis Kaplan, de Nova York, e pediu no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro a substituição dos atuais diretores da Brasil Telecom. No início da noite do mesmo dia, voltou atrás e retirou a ação. Se persistisse, DD correria o risco até de ser preso ao colocar os pés nos Estados Unidos.



JOHN KENNETH GALBRAITH
UMA VIDA EM NOSSO TEMPO

No seu tempo de vida, J. K. Galbraith foi um economista raro. Hoje é ainda mais raro. Como o outro John, o Maynard Keynes, a economia para ele era uma ciência moral. O estudo desse assunto tão complexo quanto impreciso, marcado por controvérsias tão esotéricas quanto freqüentemente inúteis, só valeria a pena se orientado para a busca do bem-estar do indivíduo e da sociedade. Em um pequeno artigo que escreveu sobre Keynes, Galbraith divertiu-se com os “especialistas” em economia que com habilidade mediana teriam aprendido tudo de útil sobre o assunto em cerca de três meses e, então, de acordo com o modo de vida profissional moderno teriam se atido a ele pelo resto da vida. “Mas o gênio de Keynes levou-o rapidamente a outras questões e ninguém foi tão longe em tantas delas”, dizia ele.

Não por acaso os dois Johns dividiram o seu tempo entre a academia e a vida pública. Enquanto Keynes até o último minuto lutou no Tesouro britânico contra a ortodoxia inspirada pela City, Galbraith combateu nas fileiras do New Deal e jamais abandonou os ideais e princípios que orientaram a reforma da sociedade americana conduzida por Franklin Delano Roosevelt a partir de 1933, depois da Grande Depressão. Este episódio dramático foi analisado brilhantemente por Galbraith no livro The Great Crash, uma obra-prima de história econômica e de análise do funcionamento dos mercados financeiros.

Escreveu muito. O seu último livro tratava dos mercados financeiros e de suas malfeitorias, A Economia das Fraudes Imperfeitas. O penúltimo – Dropping Names – reúne relatos de sua convivência com personagens da história, sobretudo, mas não só, americana do século XX como Franklin Delano Roosevelt e sua mulher Eleanor, John F. Kennedy, Lindon Johnson e Nehru. Sobre Eleanor, que conheceu em 1940, ele diz: “Nós víamos Eleanor como uma pessoa que só não foi presidente dos Estados Unidos por um acidente da história ou talvez por conta dos constrangimentos de gênero que prevaleciam na sociedade. Disso ela não duvidava, a despeito de nunca ter afirmado”.

Seus leitores sabem que escrevia bem. Tão bem que, por isso, foi alvejado pelo mau humor dos economistas profissionais que o consideravam um literato das questões sociais, talvez um sociólogo ou até um jornalista. Mas ele costumava dizer que, em geral, os economistas não aprendem ou não querem aprender mais nada depois que terminam a graduação.

Galbraith reconhece, em sua autobiografia, que os economistas que mais o influenciaram foram o inglês Alfred Marshall e o institucionalista americano Thorstein Veblen, autor de um livro clássico, A Teoria das Classes Ociosas. Em Marshall ele admirava a simplicidade e até o irrealismo das hipóteses: “O mundo de Marshall, onde havia empresários competitivos, consumidores racionais e Estados devidamente reticentes continua a servir aos objetivos da tranqüila ortodoxia de hoje. Essa ortodoxia não descreve o mundo como ele é. Mas dominar as teorias de Marshall representou algo bastante salutar. Para saber o que é certo, deve-se ter pleno conhecimento daquilo que é errado”.

No seu livro mais instigante A Sociedade Afluente, Galbraith segue os passos de Veblen no estudo do comportamento e os hábitos sociais dos americanos ricos, suas residências, divertimentos, vestuário, “da mesma forma que um antropólogo examinaria as cerimônias, as práticas e as orgias de um tribo primitiva da Nova Guiné.”


0 Comentários em “O reality show de garotinho”

Postar um comentário

 

Consciência Política Copyright © 2011 -- Template created by Consciência Política --