O Superior Tribunal de Justiça (STJ) vai julgar um processo tão ou mais complexo que a denúncia do mensalão, que tramita no Supremo Tribunal de Justiça (STF). O Ministério Público Federal protocolou ação penal contra os governadores do Maranhão, Jackson Lago (PDT), e de Alagoas, Teotônio Vilela Filho (PSDB), o ex-ministro das Minas e Energia, Silas Rondeau, e outras 58 pessoas, sob acusação de participação num esquema criminoso em benefício da Gautama. O dono da empreiteira baiana, Zuleido Veras, é apontado como o comandante do grupo que supostamente corrompia servidores e agentes políticos para fraudar licitações, fechar contratos superfaturados e receber dinheiro público sem entregar o serviço completo.
A denúncia envolve ainda dois ex-governadores, João Alves (DEM), de Sergipe, e José Reynaldo Tavares (PSB), do Maranhão. A ação foi ajuizada pelas subprocuradoras-gerais da República Lindôra Maria Araújo e Célia Regina Delgado um ano depois da Operação Navalha, realizada em maio do ano passado pela Polícia Federal (PF). Elas apontaram a ocorrência de vários crimes: formação de quadrilha, peculato, corrupção ativa, corrupção passiva, falsidade ideológica, prevaricação, desvio de recursos, gestão fraudulenta, fraude à licitação. O caso vai tramitar no STJ, por conta do foro especial dos dois governadores envolvidos. Uma prerrogativa constitucional delega a essas autoridades públicas o direito de só responder a processo criminal com autorização dos deputados estaduais.
Começa nesse ponto a dificuldade para andamento do processo. Antes de decidir pelo recebimento ou não da denúncia, a Corte Especial do STJ terá de pedir permissão para as Assembléias Legislativas do Maranhão e de Alagoas. Se Lago e Teotônio Vilela tiverem maioria nas Casas, o processo pode parar, a menos que a Justiça aprove o desmembramento da ação, de forma que os demais réus, sem prerrogativa de foro, respondam a denúncia em outra instância. Outra dificuldade será fazer andar com agilidade um caso envolvendo 61 acusados.
Se a Corte Especial do STJ receber a denúncia, os envolvidos no episódio viram réus e cada um deles terá o direito de convocar oito testemunhas de defesa. No total, ao se considerar os 13 nomes arrolados pelo Ministério Público, o STJ terá de colher o depoimento de 501 pessoas, de vários estados. Entre as testemunhas de acusação já selecionadas pelas subprocuradoras está o governador do Piauí, Wellington Dias (PT), por conta de supostas irregularidades no programa “Luz para Todos”, pelo qual a Gautama recebeu R$ 118,9 milhões para fornecimento de energia elétrica na área rural.
As investigações no Piauí envolveram também Silas Rondeau, que deixou o governo justamente por conta da Operação Navalha. Havia uma dúvida quanto à inclusão do ex-ministro das Minas e Energia na denúncia porque ele não teve a prisão decretada e não figurava como indiciado no processo do STJ, sob a relatoria da ministra Eliana Calmon. Na denúncia, no entanto, as subprocuradoras-gerais da República acusam Rondeau de formação de quadrilha, desvio de recursos, gestão fraudulenta, corrupção ativa e passiva.
Rondeau teria recebido R$ 100 mil de propina do dono da Gautama, Zuleido Veras, por meio de seu ex-assessor Ivo Almeida, em março do ano passado. De acordo com a denúncia, a licitação para contratação da empreiteira baiana foi direcionada e Silas Rondeau autorizou liberação de recursos para a obra quando presidia a Eletrobrás, mesmo ciente das irregularidades. Quando assumiu o ministério, segundo a ação penal, ele aumentou a participação da Eletrobrás no convênio sob o argumento de que a Companhia Energética do Piauí (Cepisa) não tinha condições de tocar a obra.
Propina
Relatório da Controladoria-Geral da União (CGU) apontou que no final de 2006 a Cepisa havia liberado mais da metade dos recursos previstos no programa Luz para Todos, mas apenas 20% do empreendimento havia saído do papel. O pagamento da propina a Silas Rondeau teria sido intermediado pelo lobista Sérgio Sá, também denunciado por fraude à licitação e corrupção ativa.
0s suspeitos
Confira os nomes dos denunciados
Jackson Lago
O atual governador do Maranhão, do PDT, teria dado continuidade ao esquema iniciado pelo antecessor de favorecimento à empreiteira Gautama. O esquema contaria com a participação de sobrinhos e de um irmão de Lago. Foi denunciado por formação de quadrilha, peculato e corrupção passiva.
Teotônio Vilela Filho
O governador tucano teria beneficiado a Gautama durante o mandato de senador, ao interceder junto ao secretário de Fazenda de Alagoas para a liberação de recursos para a empreiteira na construção da barragem no Rio Pratagy. Foi denunciado por formação de quadrilha, peculato e corrupção passiva.
Silas Rondeau
O ex-ministro das Minas e Energia teria facilitado, como presidente da Eletrobrás, o repasse de recursos à Gautama para fornecimento de energia elétrica na área rural do Piauí, no programa Luz para Todos. Foi denunciado por formação de quadrilha, desvio, gestão fraudulenta, corrupção ativa e passiva.
José Reynaldo Tavares
O ex-governador do DEM do Maranhão teria beneficiado a empreiteira Gautama na obra no valor de R$ 143,2 milhões para melhorias do sistema viário, com a construção de 112 pontes, a partir de 2004. Foi denunciado por formação de quadrilha, peculato, corrupção passiva e falsidade ideológica.
João Alves
A investigação apontou desvios de R$ 178,7 milhões que deveriam ser destinados à construção do sistema de adutora do São Francisco (SE). O ex-governador teria se empenhado para liberar recursos em troca de propina, com negociações intermediadas pelo filho. Foi denunciado por peculato e formação de quadrilha.
Roberto Figueiredo
O ex-presidente do Banco de Brasília foi denunciado por participação em esquemas de favorecimento à Gautama. Foi acusado de formação de quadrilha. Foi contratado sem licitação para prestar consultoria e supostamente defendia interesses da empreiteira no governo do Maranhão até o ano passado.
Zuleido Veras
O dono da Gautama é apontado como comandante do grupo criminoso que fraudava licitações e corrompia servidores e agentes políticos em pelo menos quatro estados: Maranhão, Alagoas, Sergipe e Piauí. Foi denunciado por formação de quadrilha, peculato, fraude à licitação e corrupção ativa.
Diretora comercial da Gautama, era o braço direito de Zuleido. Participava das ações para direcionamento das obras e dos pagamentos de propina, conforme mostraram escutas em que conversa com o chefe e com integrantes dos governos. É acusada de peculato, corrupção ativa e fraude à licitação.
Na mira do MP-DF
As subprocuradoras-gerais da República Lindôra Maria de Araújo e Célia Regina Souza Delgado, responsáveis pelo inquérito da Operação Navalha, encaminharam ao procurador-geral de Justiça do DF, Leonardo Bandarra, a parte da investigação relacionada à construção das barragens do Rio Preto. No despacho à ministra Eliana Calmon, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), elas consideraram que eventuais irregularidades ocorridas no Distrito Federal não têm vínculo com os demais crimes verificados em obras realizadas no Maranhão, Piauí, Alagoas e Sergipe.
Na denúncia ajuizada ontem, as subprocuradoras não incluíram o ex-deputado distrital Pedro Passos (PMDB), que foi preso em maio do ano passado sob a acusação de favorecimento à empreiteira Gautama, como parlamentar e secretário de Agricultura. Por conta das acusações, ele renunciou ao mandato em agosto de 2007 para escapar de um processo de cassação. Agora caberá ao Ministério Público local decidir se há elementos para denunciar o ex-deputado por crime ou ajuizar ações de improbidade. O caso já está sob investigação desde o ano passado. Mesmo assim, Passos comemorava ontem a exclusão de seu nome da denúncia protocolada no STJ. “Renunciei ao mandato coagido, com o sentimento de que estava sendo roubado. Roubaram o voto de mais de 20 mil eleitores e segmentos importantes que eu representava”, afirmou o deputado.