segunda-feira, 29 de junho de 2009

Golpe na democracia


O povo hondurenho assistiu ontem, com perplexidade, à destituição do presidente da República, Manuel Zelaya, eleito em 2006 e cujo mandato terminaria em janeiro de 2010. Os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário vinham travando nas últimas semanas uma intensa disputa entre si pela defesa do que consideram “valores democráticos”, que culminou com a derrubada do presidente.

Zelaya defende que sofreu um “golpe de Estado técnico”. A Corte Suprema ordenou que o Exército o expulsasse por sua insistência em realizar uma consulta para aprovar a reeleição presidencial, vedada pela constituição atual do país. Ele foi preso e levado à Costa Rica. “O que fizemos aqui é um ato democrático, porque nosso Exército só cumpriu com a função que lhe ordenou a Corte Suprema de Justiça, o Ministério Público e o sentimento maior do povo hondurenho”, disse o presidente do Congresso, Roberto Micheletti — que, no fim da tarde, foi escolhido pelos congressistas como “presidente provisório”. O Parlamento alegou que Zelaya incorreu “reiteradas violações” da Constituição, além de outras leis e sentenças judiciais.

“É muito lamentável que na América Latina continuemos a resolver nossos conflitos acudindo às Forças Armadas e que os militares sigam atuando como árbitros”, disse ao Correio, por telefone, o analista político venezuelano Trino Márquez. “O ideal seria que tivesse havido uma negociação entre o congresso e Zelaya.” Para Trino, a situação atual é muito complicada, porque o presidente hondurenho também se pôs à margem da Constituição ao insistir na consulta popular vetada pela Justiça. “Temos que lembrar que Zelaya não é um cidadão comum, mas foi designado presidente e chefe de Estado, e portanto, é o primeiro hondurenho que deve respeitar e fazer respeitar a Constituição”, enfatizou.

Sequestros
Chávez denunciou, em um programa ao vivo na tarde de ontem, transmitido pelo canal Telesur, o sequestro dos embaixadores da Venezuela, Cuba e Nicarágua, em Tegucigalpa, quando se encontravam com a chanceler hondurenha, Patricia Rodas. O embaixador da Venezuela na OEA, Roy Chaderton Matos, interrompeu a sessão de urgência da OEA para informar sobre o sequestro. “Não continuem a dar passos de besta. Até onde pode chegar isso? Se nossa embaixada e nosso embaixador foram atropelados, esta junta militar entraria em estado de guerra”, ameaçou Chávez. Até o meio da noite, porém, não havia confirmação do suposto sequestro dos embaixadores.

Outros governos se manifestaram de forma mais diplomática contra a retirada de Zelaya do poder. Micheletti, contudo, garantiu que exigirá respeito a “qualquer nação que tente se atrever a pisotear” a soberania do país. O congressista teoricamente permanecerá no poder até que sejam realizadas novas eleições, em novembro, e avisou que receberá Zelaya de volta a Honduras “de braços abertos”. “Se ele, em seu momento, desejar regressar ao país sem o apoio de dom Hugo Chávez, nós, com muito prazer, vamos recebê-lo.”

Repúdio

“Não podemos ceder perante os gorilas. Eu os conheço. Eu os vi na Venezuela, e nós os derrotamos. Há que lhes dar uma lição. Digo aos militares que tenham sentido de pátria, que não se deixem levar por essa ação das cavernas.”
Hugo Chávez, presidente da Venezuela

“Denuncio o caráter criminal e brutal desse golpe de Estado. Reitero a solidariedade de Cuba e dos países da Alba com o povo hondurenho que se mobiliza, resiste e luta contra o golpe.”
Bruno Rodríguez, ministro de Relações Exteriores de Cuba

“Assim como fez a Organização de Estados Americanos (OEA) na sexta-feira, insto a todos os atores políticos e sociais a respeitar as normas democráticas, o Estado de Direito e os princípios da Carta Democrática Interamericana.”
Barack Obama, presidente dos Estados Unidos

“Estou sumamente preocupada com a situação em Honduras. As Forças Armadas acabam de sequestrar o presidente constitucional, em um fato que nos remonta à pior barbárie da historia da América Latina.”
Cristina Kirchner, presidenta da Argentina

Entenda o caso
Reeleição polêmica

“Você está de acordo que nas eleições gerais de novembro de 2009 se instale uma quarta urna para decidir sobre a convocatória de uma Assembleia Nacional Constituinte para aprovar uma nova Constituição política?” Essa era a pergunta que constaria do referendo que o presidente de Honduras, Manuel Zelaya, pretendia realizar ontem e deveria servir para permitir a reeleição no país. A ideia não recebeu apoio do Congresso, nem de outras instituições do Estado, como o Tribunal Eleitoral, o Ministério Público e a Suprema Corte de Justiça. Mesmo contra decisões judiciais desautorizando a consulta, insistiu na realização do referendo, alegando ter cerca de 400 mil assinaturas de iniciativa popular.

O chefe do Estado Maior, Romeo Vásquez, se recusou a distribuir o material eleitoral para o referendo e foi destituído por Zelaya. O analista político venezuelano Trino Márquez atribui o começo da crise à guinada que deu Zelaya, grande empresário do setor agropecuário que se elegeu em 2006 com uma propaganda neoliberal e detinha a maioria no Congresso, dominado por seu Partido Liberal, quando se aproximou do chamado “socialismo do século 21”, corrente dominante na Venezuela, na Bolívia, Equador, Nicarágua e El Salvador. Foi então que ele perdeu a base política dentro do próprio partido.

A reação brasileira

O ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, passou o sábado no gabinete articulando uma ofensiva diplomática vigorosa em apoio a Zelaya. O embaixador brasileiro na Costa Rica, Tadeu Valadares, foi instruído a receber Zelaya no aeroporto e expressar o firme apoio do governo Lula à sua recondução ao cargo. O representante do Itamaraty na OEA, embaixador Ruy Casaes, recebeu a orientação de mobilizar esforços para que a organização se mantenha em reunião permanente até que seja aprovada uma resolução condenando o golpe e determinando o retorno do presidente constitucional a Honduras. Amorim manteve contato permanente também com o presidente Lula, que acompanha a crise com grande preocupação. As articulações se estenderam a outros governos da região, no empenho de costurar uma ampla frente de apoio ao restabelecimento da ordem constitucional e democrática no país centro-americano. (Sílvio Queiroz)

Pressão sobre os Kirchner

As primeiras previsões sobre os resultados mais esperados nas eleições legislativas de ontem, na Argentina, mostram que não será fácil para o casal Cristina e Néstor Kirchner continuar a liderar o país. Até o meio da noite, todas as informações sinalizavam uma disputa voto a voto entre a chapa do ex-presidente Kirchner e do oposicionista Fernando de Narváez, na província de Buenos Aires. Mesmo calculando que ganhariam por até seis pontos percentuais da União-PRO, representantes do kirchnerismo se mantinham cautelosos com o resultado, devido às projeções que indicavam uma disputa muito mais apertada. Na capital, porém, a vitória se desenhava claramente para a oposição, com a liderança folgada da lista à Câmara dos Deputados encabeçada por Gabriela Michetti, ex-vice-prefeita de Mauricio Macri, grande crítico dos Kirchner.

María Matilde Ollier, cientista política da Universidade Nacional de San Martín (Unsam), chama a atenção para a divisão no próprio Partido Justicialista (PJ) do primeiro-casal. “Se o oficialismo perde, sobretudo Néstor Kirchner na província de Buenos Aires, as consequências terão a ver com o estilo de gestão do casal presidencial”, analisa. “Eles teriam duas opções: seguir como até agora, agindo sem consultar a ninguém, ou vendo-se obrigados a buscar consensos, dentro do mesmo PJ onde se encontra a oposição mais importante aos Kirchner.”

A cientista política afirma que “não seria de se estranhar” se, em caso de perder a maioria na Câmara dos Deputados (que renova metade de seus quadros) e no Senado (que troca um terço dos mandatos), o governo de Cristina Kirchner passe a recorrer aos “decretos de necessidade e urgência” — uma espécie de ato emergencial como a medida provisória utilizada no Brasil.

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