quinta-feira, 25 de junho de 2009

Verbas, sofás e as funções do Congresso


Para que serve ou deveria servir o Congresso? Quais os meios necessários para um parlamentar realizar seu trabalho? A discussão sobre os escândalos no Senado e na Câmara dos Deputados passou longe, até agora, dessas questões simples e fundamentais. Não tocou nos pontos mais importantes e, por isso, está fora de foco e não levará às soluções necessárias. A troca de diretores anunciada anteontem no Senado é tão viciada quanto qualquer nomeação anterior. Como resposta a um problema, é tão eficiente quanto a remoção ou troca de um sofá em caso de adultério. Alguns mencionam os últimos capítulos da bandalheira como crise administrativa. Mas a administração é apenas a matéria-prima da malandragem. Analistas conhecidos perdem tempo e espaço repisando o lugar-comum do contraste entre legalidade e imoralidade, como se esse exercício fosse esclarecedor. Não é, porque não toca no essencial.

O presidente da Câmara, Michel Temer (PMDB-SP) arquivou há poucos dias o caso do colega Fábio Faria (PMN-RN), ameaçado de processo por haver usado passagens de sua cota para viagens de sua namorada, da mãe dela e de artistas convidados para seu camarote no carnaval fora de época. A decisão foi respaldada pelos pareceres de dois juristas. A consulta custou R$ 150 mil. Segundo os dois advogados, as normas em vigor até março permitiam o uso de passagens aéreas pagas pela Câmara para viagens particulares e de pessoas beneficiadas pelos deputados. Se os dois juristas estiverem certos, não há problema de legalidade nem de ética pública. Argumentos a favor desse ponto de vista circulavam desde muito tempo e pareciam bem fundamentados.

O uso das passagens aéreas para passeios e para agrados a amigos e parentes chamou a atenção por seu aspecto escandaloso, não por sua ilegalidade. Mas a questão relevante não é a legalidade nem a qualidade moral desses e de outros procedimentos considerados normais no Congresso Nacional. O problema politicamente importante é outro: para que os parlamentares precisam de uma cota de passagens aéreas? Se as passagens forem destinadas a uso pessoal, só haverá uma reposta plausível: para viagens entre seus Estados de origem e Brasília. Bastará uma passagem de ida e volta por semana? Parece razoável. Qualquer outra viagem ou será de interesse da instituição e paga com dinheiro público ou de interesse privado e, neste caso, a despesa não deve caber ao Tesouro. Deputados e senadores, como quaisquer funcionários públicos, devem receber os meios necessários à realização de suas tarefas na condição de congressistas. Fora disso, apenas os salários, como ocorre com a maior parte dos trabalhadores.

As famosas "verbas compensatórias" não passam de uma distorção. Se o dinheiro é destinado a cobrir gastos de trabalho, o procedimento mais seguro é a prestação regular de contas, com a justificação de cada despesa. Este é o método usado na maior parte das empresas privadas. Pode-se pensar em fórmulas alternativas e menos burocráticas, mas não é aceitável o uso do dinheiro para finalidades estranhas à função do parlamentar. Viagens à base eleitoral e manutenção de escritório político não têm valor funcional para a instituição pública. São assuntos de interesse exclusivo do parlamentar e de seu partido. Não se justifica o seu financiamento com dinheiro do contribuinte. Congressista é eleito para exercer as funções descritas nos artigos 48 a 75 da Constituição federal. Nenhum desses artigos inclui o atendimento de interesses eleitorais ou familiares entre as funções próprias dos parlamentares.

Também não é função de congressista distribuir a amigos, parentes e companheiros postos administrativos no Senado e na Câmara. Deputados e senadores devem ser livres para nomear um número razoável de auxiliares para cada gabinete, de acordo com critérios administrativos defensáveis. A escolha de pessoas de confiança é perfeitamente natural. Mas é preciso estabelecer uma barreira funcional entre o poder dos integrantes da Mesa e o aparelho administrativo de cada Casa do Congresso. Sem isso, a promiscuidade é inevitável.

Antes de falar em moralidade, é preciso cuidar da questão política. O primeiro passo para ordenar as instituições democráticas é definir os papéis atribuídos a cada classe de autoridade e a extensão do poder e dos meios necessários a cada função. Essa é a base da legalidade. O resto vem depois.

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