domingo, 29 de agosto de 2010

Militância que se move por interesses pontuais

Cabos eleitorais petistas e tucanos no Entorno fazem "acordo" e dividem a região. Enquanto uns priorizam o voto proporcional, outros enfocam a corrida ao governo goiano

O caminhão que corta por uma estrada empoeirada a divisa do Distrito Federal com Goiás é amarelo, tem alto-falantes estridentes, uma mulher ao microfone, voz inflamada. Há dois meses, o mesmo cenário servia para fazer anúncio de roupas, supermercados, promoções varejistas. O ofício agora é pedir votos para candidatos do PMDB e PT goiano. Nenhuma mensagem é dispensada à presidenciável apoiada pelos dois partidos, Dilma Rousseff (PT). A poucos quilômetros dali, militantes contratados pelos tucanos tentam, santinho em punho, vender o peixe que nem eles sabem se estão dispostos a comprar: a candidatura de José Serra (PSDB). O esforço maior, no entanto, também é feito pelos políticos locais da aliança DEM-PSDB.

No Entorno, a proximidade de candidatos com a população transforma as eleições em uma corrida sem bandeira definida. Lá, não se vota em partidos, mas em pessoas. No comitê de Dilma em Águas Lindas, dominado por 70% de eleitores da capital, a ênfase dos cabos eleitorais é em cartazes e adesivos de candidatos proporcionais aliados à petista. De forma tímida, ainda tentam emplacar Iris Rezende (PMDB) ao governo de Goiás. Material de Dilma inexiste. "Não é preciso fazer muita campanha para a Dilma porque ela já ganhou", resume o militante Jorge Batista, do PMDB local.

Do outro lado da rua, o comitê tucano forrado com fotos do candidato ao governo de Goiás Marconi Perillo (PSDB) esconde em caixas bem fechadas o material de José Serra (PSDB). Nada que lembre a campanha do presidenciável está à mostra. A pedido do Correio, o presidente do PSDB de Águas Lindas, Nelson Almirante, "acha" adesivos do adversário de Dilma guardados em uma caixa, nos fundos do comitê. A poucos quilômetros dali, em Valparaíso, o material se restringe a um cartaz e um folheto informativo. A prioridade é tentar fazer Marconi Perillo (PSDB) retornar ao Palácio das Esmeraldas.

Entre os dois comitês, tucano e petista, não há sinal de disputa por votos no que toca às eleições nacionais. Há até um acordo informal. A prioridade de um lado é eleger proporcionais. Do outro, Marconi. Como os objetivos não entram em conflito, a solução é um não invadir a seara do outro. O escritório tucano não pede votos para presidente e o petista não se dedica muito pelos candidatos a senador ou governador. "É o jeitinho brasileiro de fazer política", explica Almirante.

Não é preciso fazer muita campanha para a Dilma porque ela já ganhou"

Jorge Batista, militante do PMDB em Águas Lindas

Nas eleições municipais isso aqui ferve. O eleitor se empolga. Agora, o Serra nunca apareceu aqui"

Alexandre Monteiro, coordenador do comitê tucano em Valparaíso (GO)

Agnelo e zona rural, desafios mais difíceis

A avenida de mais de 20 pontos aberta por Dilma nas pesquisas eleitorais em relação a Serra deixou a militância em situação confortável. A mais de um mês da eleição, os cabos eleitorais já se dão ao luxo de usar a candidata como "abre-alas" para pedir votos para outros postulantes, a exemplo do que acontece na "casa lilás" de Taguatinga, comitê eminentemente feminino. "A gente descobriu que apresentar a Dilma funciona como abre-alas", conta Neiry de Oliveira Chaves, coordenadora do comitê e militante do PT há quase 30 anos.

A popularidade do presidente Lula com o empresariado mudou, nesta eleição, a feição de parte da militância. Associações comerciais estão montando comitês de Dilma e de candidatos majoritários por conta própria, a exemplo do que acontece em Ceilândia. Mas até mesmo a "militância" empresarial "subiu no salto". Vice-presidente da Associação Comercial de Ceilândia e um dos coordenadores do comitê, Beni de Oliveira conta que o escritório está batalhando pelo candidato do PT ao governo do DF, Agnelo Queiroz, porque Dilma já se encaminhou. "O mais difícil é o Agnelo. A Dilma já resolveu o problema dela. O povo está definido", aposta.

A única preocupação tem vez em Planaltina. Para os petistas locais, a rejeição a Dilma na área rural é a última fronteira entre a candidata e o Planalto. "As pessoas ainda estão confusas, por isso a gente fala primeiro no candidato a governador. Nossa relação com a Dilma é delicada, porque chegam boatos e as pessoas perguntam se ela é a favor do casamento gay, do aborto", conta o supervisor da área rural da campanha majoritária da chapa PT/PMDB no DF, Edson Cléber.

"Tudo bem, mas vote no Marconi"

Os 45 dias que antecedem as eleições constituem a única oportunidade de emprego fixo da diarista Ana Cristina de Araújo nos últimos cinco anos. Por R$ 450, ela trabalhará um mês e meio por candidatos a deputado estadual e federal em Valparaíso, no Entorno. O esforço se estende a Marconi Perillo (PSDB), mas Serra é praticamente esquecido. "Estou sem emprego fixo há anos já. Para sobreviver, costumo pegar faxinas, mas está cada dia mais difícil. Por isso, toda eleição eu trabalho para alguém", afirma Ana Cristina, de 33 anos.

O retrato da militância política tucana na região é esse. São 120 cabos eleitorais pagos pelos candidatos, coordenados por funcionários da prefeitura, que tiram férias durante as eleições para trabalharem pelos padrinhos políticos. Tudo isso em jornadas de meio período. A grande maioria nem se declara eleitora dos tucanos. Presidente de uma associação de moradores locais, Edmílson dos Santos não faz ideia de como votará para presidente. Ainda assim, sugere que os eleitores digitem o número de Serra. Quando escuta a recusa, a resposta segue o mesmo padrão: "Tudo bem, mas vote no Marconi, pelo menos".

Para o advogado Paulo César Rodrigues, 45 anos, a falta de esforço reflete a desconfiança. "Os políticos brincam com nossa cara por quatro anos. Na eleição, por três meses, quando é nossa oportunidade de tirar sarro deles, a Justiça proíbe. E ainda querem que alguém se esforce por eles pagando R$ 10 ao dia", ironiza. Coordenador do comitê tucano na cidade, Alexandre Monteiro detecta que falta proximidade da população com os candidatos. "Nas eleições municipais isso aqui ferve. O eleitor conhece o vereador, o prefeito, se empolga. O Marconi e os candidatos ao Senado fizeram só uma carreata. O Serra nunca apareceu."Correio

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