segunda-feira, 7 de agosto de 2006

Pedágio selvagem


Há 233 quilômetros separando São Paulo de São Carlos, no interior do Estado. Guiando-se pelas rodovias Bandeirantes e Washington Luiz, é distância para pouco mais de duas horas de carro. As estradas são boas – e caras, absurdamente caras. Para ir e voltar, passa-se por dez pedágios. Ao todo, eles somam R$ 51,60, equivalente a R$ 0,11 por quilômetro. A quantia é absurda, quando se tem em conta que na Dutra paga-se R$ 0,07 por quilômetro, em uma estrada muito bem mantida. A diferença entre o preço de uma e de outra se deve ao estilo de concessão. Em São Paulo, a estrada foi entregue a quem se dispusesse a pagar um percentual mais alto de seu faturamento ao poder concedente. Há contratos no qual as empresas repassam ao Departamento Estadual de Estradas de Rodagem até 30% do seu faturamento. Quem paga por isso, claro, é o motorista. Nas estradas federais é diferente. A concessão foi feita sem ônus de concessão. Levou quem ofereceu o preço de pedágio menor. Ganhou o motorista.

Esse assunto é importante? É. Por toda parte que se vai há buracos rodoviários – cada vez maiores, cada vez mais próximos uns dos outros, cada vez mais antigos. É ridiculamente comum ver placas avisando que os quilômetros à frente estão esburacados. Nos mapas rodoviários, estradas intransitáveis por falta de manutenção estão assinaladas há anos. Trata-se de um desastre econômico e humano. A esta altura ninguém tem dúvida de que os brasileiros merecem boas estradas. A questão é como.

Cresce por aí a interpretação segundo a qual as pessoas estariam dispostas a pagar qualquer pedágio para ter boas rodovias, mas isso é provavelmente falso. As pessoas querem boas estradas e gostariam que elas fossem gratuitas. Afinal, já se pagam muita taxa e muito imposto no Brasil. E há um problema de natureza filosófica: o pedágio, qualquer que seja seu preço, estabelece uma restrição severa à liberdade de ir e vir. Sem dinheiro no bolso, os paulistanos já não vão à praia. Tampouco circulam pelo interior. Quem tem dinheiro sobrando não pensa nisso, mas trata-se de um problema real, que afeta milhões de pessoas. Os jovens, os pobres e os aposentados têm de arrumar dinheiro para comprar o carro, pagar todas as taxas ligadas a ele, comprar a gasolina cada vez mais cara e, claro, pagar o pedágio, que pode ser extorsivo. Haja recursos. Haja discriminação.
As companhias se defendem lembrando que nos países da Europa, assim como nos Estados Unidos e no Japão, os pedágios são mais caros do que aqui. E são. Mas a renda nesses países é muito maior. E o estilo de concessão é diferente: as empresas constroem estradas novas e cobram alto para que se trafegue por elas. É uma reposição de investimento que as vezes demora anos. Aqui, as empresas concessionárias (em geral empreiteiras) receberam estradas prontas, que têm de ser mantidas ou parcialmente ampliadas. Mesmo que o pedágio seja mais barato, a margem ainda é excelente. Sobretudo porque, dispondo de empreiteiras dentro do grupo, esses empresários fazem obras a preço de custo e o dinheiro circula dentro de casa. É um boníssimo negócio.

Essas questões voltam à baila no momento em que o governo federal se prepara para leiloar a concessão de outros três mil quilômetros de estradas. Somados aos 11 mil quilômetros já pedagiados, o Brasil vai ter mais de 7% de sua malha viária sujeita a pagamento. É muito, quando se lembra que nos EUA há sete mil quilômetros de rodovias pagas, enquanto na França o total é de 6,5 mil quilômetros. E não se trata apenas de um problema quantitativo. A qualidade das concessões também tem de ser discutida. Desta vez o governo federal decidiu cobrar ônus de concessão, exigindo um percentual de faturamento das concessionárias. É a receita paulista para subir o preço do pedágio. Claro, se diz que vencerá a empresa que oferecer o maior ônus com o menor pedágio. Mas é duro acreditar que, nessa disputa, o cidadão seja servido. Entre um Estado faminto por arrecadação e empresas preocupadas em aumentar suas margens, é provável que os brasileiros percam. Washington Luiz disse em 1920 que governar era abrir estradas. Agora, 80 anos depois, decidiu-se que governar é cobrar por elas – fechando os caminhos do Brasil ao progresso e aos mais pobres.


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