segunda-feira, 13 de abril de 2009

"Ação do BC evitou alta de juros do mercado"


O presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, prevê a recuperação da economia já no segundo trimestre. Mas pondera que as estatísticas oficiais do Produto Interno Bruto (PIB) só vão refletir essa retomada em setembro. "Teremos alguns problemas de gerenciamento de expectativas", disse, em entrevista concedida ao Valor.

Ele exime a política monetária de culpa pela forte retração da economia ocorrida desde o fim de 2008. "A quebra do banco Lehman Brothers não estava nas hipóteses de trabalho das autoridades do mundo inteiro", afirma. "Essa foi uma nova regra do jogo."

O BC é alvo de críticas porque subiu os juros ao longo de 2008 e, após a quebra do Lehman Brothers, demorou a baixá-los. Meirelles argumenta que, do ponto de vista da atividade econômica, o que importa é a curva de juros futuros, que teve queda acentuada a partir da decisão do BC de dezembro de manter a taxa básica em 13,75% ao ano. "O movimento precipitado da Selic poderia ter levado a uma deterioração das expectativas de inflação, com aumento das taxas de juros de mercado e, como consequência, um movimento contracionista."

O presidente do BC informa que o Brasil foi consultado informalmente pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) para tomar um empréstimo na linha de contingência, junto com o México. "Não temos necessidade", afirma. Meirelles considera que operações de "swaps" de moedas com países vizinhos, como o anunciado recentemente entre a China e a Argentina, não são o instrumento mais adequado para dar liquidez ao comércio na América Latina. Ele diz que a solução é ampliar o sistema de moedas locais (SML), associado a uma linha de financiamento.

Meirelles recebeu o Valor na quarta-feira, quando era anunciada a demissão do presidente do Banco do Brasil, Antonio Francisco Lima Neto. Meirelles, que apresentou números ao presidente Lula apontando uma alta dos juros do BB superior a dos bancos privados, negou ter influenciado a queda do executivo. Ele se disse impedido de fazer comentários sobre o tema porque o BB é regulado pelo BC.

Valor: A política monetária do BC é responsável pela retração da economia que estamos vivendo?

Henrique Meirelles: Essa é uma crise global. Foi um efeito, em primeiro lugar, da quebra do banco Lehman Brothers, que não era algo que estava dentro das hipóteses de trabalho dos analistas e das autoridades do mundo inteiro. Foi uma novidade ruim que gerou crise de liquidez e um processo de desestocagem mundial. Não há país, independentemente da política monetária, que pudesse evitar esse fenômeno, a não ser que fosse possível prever muitos meses antes a queda da Lehman Brothers.

Valor: O BC não errou ao subir os juros em 2008, confiando na tese de que o Brasil poderia se descolar da crise dos países ricos?

Meirelles: Não. Achamos que acertou. Tínhamos naquela época um desequilíbrio grande entre oferta e demanda na economia. Por exemplo, o trimestre terminado em setembro (de 2008) estava com a demanda doméstica crescendo a 9,3%, com PIB crescendo a 6,8%. Existia um desequilíbrio evidente, sendo preenchido por um aumento muito grande das importações e do déficit em conta corrente, algo claramente insustentável. A correção desse desequilíbrio era absolutamente necessária. Não se pode prever o que seria o mundo se não fosse a quebra do Lehman Brothers. Essa foi uma nova regra do jogo. Frente às novas circunstâncias, o Brasil agiu agressivamente, com a liberação de compulsórios, oferta de derivativos no mercado futuro, vendas de dólares no "spot", concessão de linhas de crédito em moeda estrangeira. Um movimento muito rápido, complementado posteriormente pela política monetária.

Valor: Há críticas de que o BC teria demorado a baixar os juros. O BC não teria ficado preso a modelos econômicos que projetavam repasse da desvalorização cambial para a inflação que nunca se confirmou?

Meirelles: A discussão é se deveríamos ter baixado a Selic em dezembro. Há um erro de avaliação desses críticos. A atividade econômica tem relação mais forte com a taxa de juros do mercado a termo de 360 dias. A taxa de juros de 360 dias passou a ter queda acentuada a partir de dezembro, refletindo as sinalizações e atitudes tomadas pelo BC. Portanto, do ponto de vista de impulso na atividade econômica, foi um movimento extremamente bem sucedido. O movimento precipitado da Selic poderia ter levado a uma deterioração das expectativas de inflação, com aumento das taxas de juros de mercado e, como consequência, um movimento contracionista da economia, como aconteceu em 2002.

Valor: Foi o que ocorreu em outros países, como Nova Zelândia, em que a taxa de câmbio se desvalorizou depois de o BC cortar agressivamente os juros?

Meirelles: Aconteceu em outros países. Não sabemos se isso aconteceria no Brasil. Poderia ter acontecido. O BC vive aquela síndrome típica de bancos centrais: temos que agir preventivamente para evitar que um problema ocorra. Na medida em que o BC age, o problema não ocorre. Mas sempre existirá a crítica de que não precisava tomar a medida preventiva porque o problema não ocorreu. A história sempre pode ser reescrita da maneira que quiser. O fato concreto é que o movimento do BC foi bem sucedido. A volatilidade do câmbio caiu acentuadamente a partir de dezembro, assim como as expectativas de inflação e a taxa de juro no mercado a termo. Algumas pessoas chegaram a culpar o BC dizendo que a decisão de dezembro provocou a queda do PIB do quarto trimestre (de 2008). Seria um caso único conhecido em que uma decisão tem efeitos retroativos.

Valor: Há uma dispersão muito grande nas projeções de PIB para este ano. O que o governo pode fazer para evitar que se tenha uma queda muito forte do PIB, dada a defasagem da política monetária sobre a atividade econômica e a falta de espaço fiscal para eventuais políticas anticíclicas?

Meirelles: É normal essa dispersão. Há no mundo inteiro, graças ao alto grau de incerteza não só em relação aos efeitos da crise, mas principalmente quanto à origem da crise, que são os EUA. As medidas tomadas pelo governo brasileiro me parecem bastante eficazes, evidentemente com a devida defasagem. As medidas de liquidez foram bem sucedidas, os mercados se estabilizaram. O Brasil é um dos poucos países do mundo emergente e em desenvolvimento que tem hoje uma oferta própria de linhas de comércio internacional para exportadores. A normalização do crédito não está completa, mas está em andamento. A medida de aumento das garantias oferecidas pelo Fundo Garantidor de Crédito é da maior importância. O leilão sem direcionamento também. Tudo isso deve colaborar fortemente para a restauração gradual do crédito. Os spreads ainda estão altos, mas já mostram sinal claro de queda. A restrição de crédito é mundial. O Brasil não estará isolado certamente da crise, mas é importante mencionar que as previsões sobre os efeitos da crise no Brasil são menores do que no restante do mundo.

Valor: O PIB deste ano está dado?

Meirelles: Não. Há uma série de outros fatores que estão atuando no momento sobre a economia. Existem fatores relacionados a expectativas, nível de confiança. Isso se refletiu fortemente, por exemplo, no fim do ano. Se você olhar, em primeiro lugar, o efeito da crise de liquidez trazido pela quebra do Lehman Brothers; depois, a crise de crédito trazida pela crise de liquidez, e em seguida o processo de desestocagem global que atingiu o Brasil porque o comando de muitas operações é globalizado, verá que esse processo atingiu o país com uma rapidez enorme. Se olharmos a retomada de alguns setores, veremos que ela aconteceu de forma também muito rápida.

Valor: Por exemplo?

Meirelles: A indústria automobilística. Foram adotados dois tipos de medida: fiscal (redução do IPI) e menos visível, mas importante, o restabelecimento de crédito. Houve o restabelecimento do crédito para veículos, primeiro para os novos, onde já se vê oferta de financiamento em até 60 meses, e depois para os usados. Existe já um restabelecimento gradual do crédito para usados. As duas coisas juntas geraram uma resposta muito rápida nas vendas de veículos. Se olharmos a produção, vamos ver um movimento de retomada ainda mais rápido. Houve um corte de produção em dezembro, desproporcional ao volume de vendas, em função de um processo mundial de desestocagem da indústria automobilística. Quer dizer, não é um processo que vai demandar investimentos e maturação longa. Nós temos capacidade em muitos setores, e as vendas continuam fortes em alguns deles.

Valor: É o efeito do aumento do salário mínimo?

Meirelles: Não só o salário mínimo. É o poder de compra. A massa salarial cresceu até fevereiro, apesar de o desemprego ter aumentado, porque o rendimento médio continuou se expandindo.

Valor: Muitos analistas estão prevendo queda do PIB neste ano. O senhor acha que estão subestimando esse efeito da massa salarial?

Meirelles: É resultado, novamente, da grande margem de incerteza nas projeções macroeconômicas. Na indústria automobilística, após a queda da produção, a retomada também veio numa rapidez não prevista, em janeiro e fevereiro. Os analistas previram que a indústria como um todo entraria no mesmo ritmo de recuperação. O problema é que uma parte da cadeia estava desestocando na sequência, ou seja, em janeiro e fevereiro. Apenas no segundo trimestre vamos ter condições de ter uma visão mais clara do novo patamar da indústria.

Valor: E como se dará a recuperação?

Meirelles: A confiança começa a ser restaurada lentamente, na medida em que é mensurado o efeito real da retração do final do ano passado e ocorre essa recuperação gradual da economia. Ainda teremos alguns problemas de gerenciamento de expectativas. Um deles é a grande defasagem na divulgação do PIB. Os números no primeiro trimestre serão certamente ruins. No segundo, deverão ser bastante melhores. O problema é que os números do primeiro trimestre só serão divulgados em junho. Então, quando tomarmos conhecimento dos números ruins do primeiro trimestre, em junho, já estaremos em plena fase de recuperação. Os números do segundo trimestre, que refletem essa recuperação, saem só em setembro.

Valor: Qual é a chance de o dólar deixar de ser a moeda de reserva internacional?

Meirelles: Não é algo factível a curto prazo. Os SDRs (Direitos Especiais de Saque do FMI, na sigla em inglês) têm valores de emissão relativamente limitados, portanto, ainda não são uma solução. O euro tem um lugar importante, mas, pela própria complexidade de uma moeda multinacional, não substitui o dólar. Os chineses estão pensando em alternativas teóricas, mas não há nada de concreto. No horizonte previsível, o dólar deve se manter como moeda de reserva internacional.

Valor: A exemplo do México, o Brasil considera fazer um saque na linha de crédito contingente, criada pelo FMI nesta crise?

Meirelles: Não estamos considerando.

Valor: Houve uma consulta por parte do Fundo?

Meirelles: Houve uma consulta meramente informal, mas não temos necessidade, portanto, não há interesse em fazer isso.

Valor: A China adotou uma linha de swap de US$ 10 bilhões com a Argentina. O Brasil pretende fazer o mesmo?

Meirelles: O que estamos estudando com a Argentina é a ampliação do comércio em moeda local. Além disso, estamos analisando a ampliação do mecanismo de CCR (Convênio de Créditos Recíprocos), que é o mecanismo mais adequado para o financiamento do comércio entre países da América Latina, no caso das operações em dólar. No caso dos financiamentos em reais, o mecanismo adequado seria o SML, que é o sistema de moeda local.

Valor: Por que os valores dessas operações de SML foram, até o momento, muito modestos?

Meirelles: Porque é normal que, num primeiro momento, os exportadores de menor porte sejam aqueles que se interessem por um tipo de operação que tem como grande vantagem o menor custo e também a simplificação operacional. Os grandes exportadores já têm os seus sistemas estabelecidos através do mercado internacional em dólar. Mas a tendência é o mercado de moeda doméstica crescer.

Valor: O problema não é que, como os juros em reais são altos, ficam inviabilizados os mecanismos de financiamento ao comércio?

Meirelles: A questão não é o real. A questão é que o dólar é que é a moeda estabelecida no comércio internacional, todos os preços são cotados em dólar, as linhas de crédito são dolarizadas, os maiores fornecedores de crédito são principalmente entidades que têm seu portfólio dolarizado. O avanço das moedas locais não é uma questão do real. O real é uma das moedas que está avançando no comércio bilateral, nessa primeira experiência, com a Argentina, e também com o Uruguai. Não há dúvida de que o dólar ainda é a moeda que domina o comércio internacional por razões sólidas e objetivas. Acho que a tendência do real, na América Latina, principalmente por meio do CCR, e eventualmente na medida em que as instituições financeiras nacionais passem a se interessar e a atuar fortemente nesse mercado, ele tenderá a ganhar maior espaço, mas é um movimento de longo prazo.

Valor: Há alguma restrição do BC em ampliar o CCR, já que estamos tratando de um risco de crédito que no fim das contas é assumido pelo BC e pelo contribuinte?

Meirelles: Não há restrição do BC. O que estamos fazendo é trabalhar em algum aperfeiçoamento jurídico para permitir que o BC possa assumir riscos maiores sem prejudicar o balanço do banco.

Valor: Só para ficar claro, um swap com a Argentina como o que está sendo feito pela China está descartado?

Meirelles: É uma das hipóteses, mas tem desvantagens importantes na medida em que o Brasil e a China têm situações muito diferentes. Quando o swap é usado, não é necessariamente para comércio exterior. Se for para restringir meramente ao comércio exterior, então é melhor fazer por meio de outro mecanismo, como o sistema de moeda local com uma linha de financiamento.

Valor: Ao contrário do Brasil, a China tem superávits estruturais nas contas públicas e externas. A diferença está aí, ou seja, o Brasil não tem condições de fazer acordos de swap?

Meirelles: O Brasil tem condições de fazer. A questão é saber se é conveniente para o Brasil e para a Argentina. No caso da China, se os países usarem esses recursos em moeda chinesa para comprar dólares, do ponto de vista dos chineses, não tem muito problema, aliás, pode até trazer algumas vantagens. No caso do Brasil, estamos falando especificamente de financiamento de comércio exterior. São situações um pouco diferentes.

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