sábado, 26 de setembro de 2009

Ciro é um aliado que incomoda

Na noite de 19 de agosto, o mundo de Brasília prestava atenção nos movimentos da senadora Marina Silva, que naquele dia deixava o PT, após três décadas de militância. Ninguém reparou na presença de um grande número de autoridades no Palácio da Alvorada, onde o presidente Luiz Inácio Lula da Silva recebia convidados para um jantar em que o cardápio eleitoral estava à mesa. Pelo PT, compareceram a ministra Dilma Rousseff, vários deputados, senadores, ministros e lideranças do partido. Pelo PSB, vieram o deputado Ciro Gomes, o governador Eduardo Campos, de Pernambuco, e outros dirigentes.

O encontro foi amistoso e terminou em ambiente de fraternidade. Nas despedidas, estava claro que havia divergência entre os aliados. Convencido de que a transformação da eleição presidencial de 2010 num plebiscito entre seu governo e o de Fernando Henrique Cardoso será a melhor forma de garantir a vitória, Lula defendeu que o conjunto de partidos que apoiam o Planalto entrasse na campanha em defesa de uma candidatura única, da ministra- -chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, que ele mesmo escolheu e impôs ao PT.

Com índices de popularidade nada desprezíveis, além de duas campanhas presidenciais no currículo, Ciro deixou claro que também gostaria de concorrer. Argumentou que sua presença poderia ser uma boa estratégia para vencer a oposição. Quando ficou claro que não seria possível chegar a um acordo, todos decidiram adiar a decisão. "Você faz como quiser, e em março a gente resolve", disse Lula. Ele parecia convencido de que, até lá, seria possível persuadir Ciro a abandonar seus planos presidenciais e entrar na campanha de 2010 como candidato ao governo paulista, num pleito dificílimo contra o tucano Geraldo Alckmin.

A pesquisa do Ibope mostra que Ciro cresceu entre todas as faixas etárias do eleitorado

Na semana passada, com a divulgação dos números da última pesquisa CNI/Ibope, alguns dos presentes àquele jantar puderam perceber a desvantagem de adiar sua decisão. A pesquisa desenhou um novo panorama para a sucessão:

 como era esperado, Marina cresceu. Com tão pouco tempo de vida útil fora do PT, soma 8% das intenções de voto;

 surpreendentemente, Ciro acumula 17% das intenções de voto, num avanço de 5 pontos em quatro meses;

 Dilma recuou 3 pontos e aparece em empate técnico com Ciro;

 o governador paulista, José Serra, principal candidato no PSDB, ainda lidera a pesquisa, mas perdeu 4 pontos.

É evidente, portanto, que a eleição deixou de se apresentar como um plebiscito entre Dilma e Serra, como desejava o Planalto. A principal novidade é a ascensão de Ciro. "Ele foi o que mais cresceu", diz Márcia Cavallari, diretora do Ibope. Numa simples simulação, quando o Ibope retirou o nome de Serra entre os pretendentes, Ciro ficou em primeiro lugar, com 25% das intenções de voto, o dobro do governador mineiro, Aécio Neves, segunda opção do PSDB.

Reprodução

É verdade que os números do Ibope receberam uma proteína especial. Nos dias anteriores à pesquisa, o PSB inundou as TVs de todo o país com a propaganda política no horário nobre, o que sempre ajuda a ativar a preferência do eleitor ao responder às pesquisas. Mas os dados trazem tendências que podem mudar os rumos da campanha. A alta de Ciro - combinada à entrada de Marina na disputa - obriga todos os participantes a redesenhar suas estratégias. Ciro cresceu em todas as faixas etárias. Entre os brasileiros de nível superior, Dilma caiu 7 pontos, e Serra caiu 5 pontos. Ciro subiu 9. Ciro ainda subiu 4 pontos na Região Sudeste, que abriga o maior colégio eleitoral do país, e 9 pontos no Norte- -Centro-Oeste. No Sul, cresceu 8 pontos. "De uns tempos para cá, Ciro parece outro homem", diz um governador. "Está feliz, sorri, conta piadas. Tudo parece bem para ele."

A dúvida que se coloca agora diante de todos é: será que essa onda Ciro tem sustentação no futuro? Até que ponto ele estará disposto a entrar em disputa com a candidata do presidente mais popular da história do Brasil? Pela coreografia imaginada no Planalto, já era hora de Ciro partir para o sacrifício geográfico e preparar-se para o confronto com Alckmin. Com bons índices de popularidade em São Paulo, ele poderia ajudar a levantar o palanque de Dilma e impedir o PSDB de cravar uma vantagem de até 6 milhões de votos com os paulistas. Essa é uma diferença que mesmo um cabo eleitoral tão poderoso como Lula teria dificuldade para compensar em outras regiões.

Interessada em contar com o prestígio de Lula nos palanques estaduais, a executiva do PSB apoia o acordo paulista por ampla maioria. Antes da pesquisa eleitoral, Ciro estava disposto a cumprir pelo menos uma formalidade indispensável: transferir seu domicílio eleitoral do Ceará para São Paulo, num prazo que vence nesta sexta-feira, 2 de outubro. Seria, pelo menos, um sinal de que ele estaria disposto a entrar no jogo de Lula. Depois da pesquisa, Ciro ficou tão animado com a perspectiva de disputar o Planalto que ele se recusa a fazer isso. Ciro acha que os eleitores podem interpretar a mudança de domicílio como prova de incerteza quanto à candidatura presidencial. Embora diga que está disposto a ouvir argumentos de aliados, em especial do presidente Lula, e reafirme que "cumprirá o que o partido decidir", sua postura é de quem não pretende mudar de ideia. "Antes, a transferência era provável", diz um dos governadores do PSB. "Agora é apenas possível."

Para ajudar, um grupo de deputados do PMDB decidiu procurar Ciro para uma conversa. "Queremos mostrar que precisamos caminhar juntos, direitinho, na mesma estratégia", diz Henrique Alves (PMDB-RN), líder do PMDB na Câmara. Outro que falou com Ciro foi Aécio Neves. A interlocutores, Aécio afirmou que Ciro demonstrou estar mais animado, mas está consciente de suas limitações: rejeição alta e falta de estrutura para uma campanha presidencial. Ciro também manifestou a Aécio, segundo esses interlocutores, a convicção de que jamais será a alternativa preferida de Lula. Ciro teria dito ainda que apoiaria Aécio, caso ele fosse o candidato escolhido do PSDB.

Entre tantos interlocutores que terá nos próximos dias, o único que importa é Lula. Ciro já disse mais de uma vez que nada fará "sem a anuência do Lula". Um senador do PSDB traduz essa afirmação em termos fortes: "Se quiser, o presidente esvazia a candidatura do Ciro com algumas canetadas. Corta os empregos do PSB e anuncia que não vai mais ajudar a eleger seus governadores no Nordeste. Pode cortar ministérios e postos importantes dos aliados. A candidatura do Ciro não dura uma semana". A dúvida é saber se Lula terá disposição para um gesto dessa natureza. Não só porque não combina com sua fama de bom negociador. Mas porque ninguém sabe como Ciro pode reagir caso se considere atingido por um punhal fundo demais.

Se o problema do governo é convencer Ciro, a dificuldade está em encontrar bons argumentos. No momento, a campanha presidencial parece uma boa alternativa numa carreira política que ficou estagnada nos últimos anos. Depois do primeiro mandato de Lula no Planalto, quando foi ministro da Integração Regional, Ciro cumpre um mandato apagado na Câmara. No final de 2008 se mobilizou para eleger a ex- -mulher Patrícia Saboya como prefeita de Fortaleza, seu berço eleitoral, e sofreu uma derrota. Para complicar, teve uma paralisia facial, doença que, como é natural, o levou a evitar aparições públicas. Com realismo, a perspectiva de disputar a eleição paulista não é animadora. O saldo provável, pelos dados disponíveis hoje, é colher uma derrota - e, na melhor das hipóteses, reunir cacife para disputar a prefeitura paulistana em 2012.

Petistas afirmam que Ciro parece um cavalo de largada,

que costuma tropeçar na reta final

Petistas diziam na semana passada que Ciro tem um histórico presidencial de cavalo de largada, que entra na corrida com ótimos números, mas tropeça na reta final. Ele chegou a ficar em segundo lugar em 2002, mas acabou em quarto. Também não chegou ao segundo turno em 2006. A maioria dos marqueteiros descreve Ciro como aquele candidato que levanta esperanças dos eleitores, mas tem um temperamento que destrói o apoio ao longo da campanha. Ele diz que amadureceu, mas isso terá de ser testado.

São questões verdadeiras, mas parecem pequenas diante das dificuldades da candidata oficial. Dilma surpreendeu dois de seus principais interlocutores ao receber os dados da pesquisa, na terça-feira de manhã. "Estava doente todo esse tempo (cinco meses) e, com o aumento do número de candidatos, permaneci quase no mesmo lugar. Nunca disputei nada na vida, e o Serra está com 35% com todo o recall que ele tem", disse. "Nesse quadro, estou superanimada." Na semana passada, Dilma recebeu dos médicos a informação de que os vestígios do câncer foram eliminados e ela poderá voltar à rotina da campanha. "A imagem Dilma- -Lula ainda não pegou nos grotões. Mas isso é bom. Quando pegar, ela vai subir muito. O eleitor de Lula é fiel", diz um publicitário envolvido na campanha petista. "Pesquisa, neste momento, não quer dizer nada", diz um assessor de Lula. "Tudo estará bem se ela chegar a 20 pontos no início do ano que vem. E acho difícil não chegar a isso."

Ricardo Marques

DÚVIDAS

O governador de Minas, Aécio Neves, em evento em Brasília. Ele avisou Serra que não aceita ser vice

Mas a pesquisa revelou uma possibilidade preocupante para o governo. Ao menos nos últimos meses, o desempenho de Dilma não acompanhou o de Lula. Lula manteve-se praticamente estável entre uma pesquisa e outra, com uma diferença positiva de 1 ponto. A aprovação do governo até cresceu em vários itens. Enquanto isso, Dilma perdeu 3 pontos. É uma péssima notícia para uma concorrente criada à sombra do criador.

Os números do Ibope também provocaram uma mudança de humor no PSDB. A queda de Serra serviu de argumento a seus aliados para tentar convencê-lo a mostrar-se mais e assumir que é candidato, em vez de ficar querendo dar a impressão de que só pensa em governar São Paulo. "Se ele fizesse isso, já estaria com 45 pontos", diz um tucano. Embora tenha um desempenho fraco nas pesquisas, Aécio tem dito que se considera no jogo. Ele teve uma longa conversa com Serra na semana passada, quando os dois fizeram um acordo de procedimento. Até dezembro, Serra e Aécio decidirão se realizam ou não prévias para a escolha do candidato do PSDB. Há duas hipóteses, segundo Aécio, para que as prévias não se realizem. A primeira é que ele mesmo decida cair fora, depois de concluir que não tem potencial de crescimento. A segunda é que o próprio Serra desista da disputa. Nas próximas semanas, Aécio pretende tirar licença do governo de Minas e visitar vários Estados para avaliar a força de seu nome.

Na conversa, Serra disse a Aécio que quer ser candidato, mas que só poderá fazer isso se tiver o apoio dele. Aécio deixou claro que não vai dificultar o caminho de Serra se o PSDB resolver que ele é o melhor nome, mas diz que não há hipótese de aceitar ser vice de Serra. Ou será candidato à Presidência, ou a senador. Se o fim do plebiscito entre Dilma e Serra fez, do lado do governo, despontar nomes como Marina e Ciro, também injetou ânimo em Aécio, do lado da oposição.IstoÉ

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