quarta-feira, 9 de setembro de 2009

O uso do Congresso para financiamento eleitoral

A "transparência" na divulgação do uso da verba indenizatória pelos deputados e senadores é a simples expressão de quanto essa verba não é transparente. Criada na Câmara em 2002, na gestão de Aécio Neves (PSDB-MG) na presidência da Casa, e estendida ao Senado no ano seguinte na gestão do senador Ramez Tebet (PMDB-MS), foi uma invenção destinada a aumentar os proventos dos parlamentares sem que se caracterizasse, para a opinião pública, um aumento salarial. Uma demagogia de alto custo: hoje, deputados e senadores ganham oficialmente R$ 16.500, mas podem ressarcir despesas no total de R$ 15 mil.

A verba se destina a cobrir gastos relacionados aos mandatos dos deputados e senadores, mas nunca as mesas diretoras das casas do Congresso definiram o que é despesa própria da atividade parlamentar. Na prática, essa definição embute uma confusão - patrimonialista - de que dela faz parte também a ação eleitoral; ou que toda a atividade do deputado ou senador é parlamentar, e portanto são legítimos os subterfúgios para se apropriar desses recursos.

A decisão das mesas diretoras do Congresso, de dar publicidade aos gastos dos deputados e senadores, apenas aconteceu por pressão da opinião pública, mas a frouxa regulamentação - que serve para deixar à vontade o parlamentar para ressarcir com o dinheiro da verba os mais variados gastos - prestou-se a escândalos sucessivos. A definição do que é gasto com o mandato acaba sendo do próprio parlamentar, que consegue ressarci-lo mediante a simples apresentação de uma nota fiscal.

Segundo o jornal "O Estado de S. Paulo", a prestação de contas dos gastos dos senadores mostra que os R$ 15 mil de verba indenizatória (limite máximo de ressarcimento de gastos) se prestam inclusive à contratação de propaganda em veículos de comunicação nos Estados - o Senado torna-se, assim, um financiador direto da campanha eleitoral dos senadores. O senador Valdir Raupp (PMDB-RO) gastou R$ 40 mil com propaganda de rádio e jornais regionais nos últimos meses; o senador Expedito Júnior (PMDB-RR), R$ 30 mil. Estão registrados também pagamentos a consultorias externas que têm em comum a estreita relação com os senadores que os pagam. O senador ADELMIR SANTANA (DEM-DF) pagou consultoria à empresa de Carlos Augusto Guimarães Baião, diretor da Federação do Comércio de Brasília, entidade presidida por ele.

Os gastos com restaurantes também são os mais cotados entre os ressarcidos pela verba indenizatória dos senadores. Alguns deles consideram atividade relativa ao mandato refeições de alto preço e restaurantes de luxo - apenas uma refeição no restaurante Porcão, em Brasília, por exemplo, custou ao senador Fernando Collor (PTB-AL) R$ 831 em verba de representação; o senador Eduardo Azeredo (PSDB-MG) gastou (e ressarciu com a verba) R$ 763,60 numa churrascaria em Belo Horizonte. Collor, em abril, investiu também, e pesadamente, em "quentinhas", num restaurante popular de Brasília, o Boka Loka: gastou R$ 3.240 no total, divididos em quatro notas fiscais; e R$ 1.590,00 em maio, divididos em duas notas fiscais. Foi também do bolso do Senado que saíram os R$ 1,4 mil com que o senador Romeu Tuma (PTB-SP) pagou a conta de um encontro do PTB na Zona Leste de São Paulo. O senador Gilvam Borges (PMDB-AP), afilhado político do atual presidente do Senado, José Sarney, alugava, com parte da verba, nada menos do que uma fábrica de toldos em Macapá, segundo publicou a "Folha de S. Paulo" em julho.

É difícil imaginar uma verba de representação moralizada. A ressalva de que a despesa deve ter relação com o mandato é frágil, na medida em que o parlamentar tem o direito de definir o que se relaciona com o seu mandato e pode incluir suas necessidades de financiamento eleitoral. A própria existência da verba foi um subterfúgio para aumentar os proventos dos parlamentares. O instrumento oficializa uma confusão original da política brasileira, de que a eleição de um político deve ser financiada pelo seu mandato. O mandato parlamentar e a instituição para o qual o político foi eleito são duas coisas distintas. No Congresso, os deputados devem exercer as funções para as quais foram eleitos; aos partidos e as formas de financiamento previstas por lei cabe financiar suas campanhas eleitorais. Usar o Congresso para prover campanhas é eticamente duvidoso.

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