segunda-feira, 2 de março de 2009

Novo equívoco da Assembleia paulista


A Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo voltou a aprovar projeto de lei que altera a legislação processual penal, invadindo competência exclusiva do Congresso Nacional. Em 2005, ela autorizou o governo paulista a utilizar o sistema de videoconferência para fazer interrogatórios e audiências com presos encarcerados. Antes do carnaval, os deputados estaduais aprovaram a concessão de sigilo para vítimas e testemunhas de crimes e outras ocorrências policiais.

Segundo o projeto, quem for vítima de um delito ou quem reconhecer um suspeito não terá o nome, o endereço e o telefone incluídos nos boletins de ocorrência e nos inquéritos criminais, caso exista alguma ameaça à sua integridade física ou à própria investigação policial. Os dados pessoais das vítimas e das testemunhas serão colocados em envelopes lacrados e ficarão à disposição do Poder Judiciário. Os envelopes somente poderão ser abertos pelos envolvidos na investigação - ou seja, os advogados das partes e os membros do Ministério Público, além dos juízes.

De autoria do deputado Fernando Capez (PSDB), a lei do sigilo tem dois objetivos. O primeiro é evitar as pressões e ameaças de vingança que os acusados de praticar algum delito costumam fazer às vítimas e às testemunhas. O segundo é estimular pessoas a denunciar criminosos.

À primeira vista, a medida parece oportuna. O problema, contudo, é que o direito ao sigilo há muito tempo faz parte da política nacional de direitos humanos e já está disciplinado desde 1999 por uma lei federal específica sobre proteção de vítimas e testemunhas. Entre outras medidas, essa lei criou até mesmo um programa específico de assistência social a vítimas e testemunhas ameaçadas, sob responsabilidade do Ministério da Justiça.

No Estado de São Paulo, o direito ao sigilo foi regulamentado há quase nove anos por meio do Provimento nº 32/2000 do Tribunal de Justiça de São Paulo. A própria pessoa ou seu advogado é que tem de encaminhar o pedido de sigilo ao juiz. Pela lei aprovada pela Assembleia Legislativa, as autoridades policiais e judiciais é que são obrigadas a restringir o acesso às informações das vítimas e testemunhas, nos casos especificados. Essa é uma das poucas diferenças entre a lei federal e a lei estadual.

A nova lei estadual não é apenas redundante. Ela padece do mesmo vício formal da lei que autorizou o uso do sistema de videoconferência para interrogatório de presos e realização de audiências no Estado de São Paulo. Ambas são flagrantemente inconstitucionais, uma vez que, pelo inciso I do artigo 22 da Carta Magna, qualquer mudança na legislação processual penal compete apenas à União.

Como lembrou o professor Maurício Zanoide de Moraes, da Faculdade de Direito da USP, em entrevista concedida ao Estado, os deputados estaduais paulistas não têm competência legal para legislar sobre matéria processual. Portanto, jamais poderiam ter modificado procedimentos adotados nos inquéritos criminais. Ele também afirmou que a colocação dos dados pessoais de vítimas e testemunhas sob sigilo em envelopes lacrados à disposição da Justiça dificulta a atuação dos próprios promotores. Os advogados fazem a mesma crítica. Como poderão defender um cliente se não tiverem informações sobre quem o está acusando? - indagam.

O texto constitucional é claro. Ao julgar no ano passado um pedido de habeas-corpus de um preso paulista que fora interrogado por videoconferência, o STF acolheu o recurso e classificou como inconstitucional a lei aprovada pela Assembleia Legislativa. Na ocasião, os ministros analisaram somente os aspectos jurídicos e os vícios formais desse texto legal, concluindo que "o Poder Legislativo paulista cometeu uma falha grotesca". A videoconferência acabou sendo aprovada, meses depois, por meio de lei federal.

Agora, a Assembleia Legislativa invadiu, novamente, a esfera de competência exclusiva da União. O governador em exercício Alberto Goldman agiu corretamente ao vetar o projeto.(Editorial do Estadão)

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