quarta-feira, 11 de julho de 2007

Trem da alegria

Câmara vai votar projeto que repõe mais de 5 mil vereadores. Para baixar custos. Durma com essa

A enxurrada de escândalos envolvendo o Senado e a Câmara tira de cena os trabalhos legislativos, sugerindo que esteja tudo parado e nada seja decidido. Não é bem assim. O Congresso está ativo e isso é o que também requer preocupação. São os momentos de confusão que favorecem a aprovação de projetos ociosos para o interesse público e sem quaisquer motivações sociais, econômicas e de urgência.

Esse é o caso do Projeto de Emenda Constitucional apresentado em 2004 com o número 333 que, simplesmente, torna sem efeito a medida saneadora tomada em abril daquele mesmo ano pelo Tribunal Superior Eleitoral: o corte de mais de 8 mil vereadores em todas as câmaras do país. O país não precisa de mais vereadores, mas de menos gasto com o funcionamento das câmaras legislativas e menos burocracia.

De iniciativa do deputado Pompeo de Mattos (PDT-RS), o projeto em tese se destina a atender tais requisitos, já que será acompanhado de lei complementar para regulamentar os gastos das câmaras. Eles deveriam ter diminuído com a redução do número de vereadores. Mas ocorreu o oposto, como era previsível. Os vereadores remanescentes redistribuíram a economia entre seus gabinetes, aumentando os seus próprios salários, contratando mais assessores — tudo em desacordo com o princípio de austeridade que deveria reger a atividade.

A idéia é que enquanto não seja aprovada tal lei complementar os gastos das câmaras dos municípios com até 100 mil habitantes serão limitados a 7,5% das receitas da cidade. Para municípios com mais de 500 mil habitantes, o teto seria de 4,5%. Por aí já se pode ver a diferença de percepções entre o senso de rigor com os dinheiros públicos e o ambiente mais, digamos, permissivo que reveste temas orçamentários no Congresso. Vem daí os motivos da carga tributária abusiva a que se submete a sociedade e da falta de investimentos.

Esses limites de gastos são altos, não acanhados, como pensam os deputados. O deputado Pompeo argumenta que, embora haja municípios cuja representação legislativa diminuiu de 21 para 10 vereadores, devido ao corte promovido pela Justiça Eleitoral, as despesas com as câmaras ficaram iguais. “A população foi enganada”, disse ele à Agência Câmara. “Na nossa proposta, reduzimos entre 7% e 20% os gastos das câmaras municipais em todo país.”

Mas... É. Raros são os projetos legislativos que dispensam o uso de uma conjunção adversativa.

Intenção no brejo
Se parasse aí, a proposta para emendar a constituição até poderia merecer aplausos. Toda a intenção profilática sobre o destino do dinheiro público vai para o brejo com a segunda parte do projeto: o aumento do número de vereadores. A Agência Câmara informa que o Instituto Brasileiro de Administração Municipal (Ibam) estima que, se a proposta for aprovada, a quantidade de vereadores aumentará em mais de 5 mil em relação ao total eleito em 2004. Para quê? A relevância dessa iniciativa só satisfaz os parlamentares eleitos e os seus representantes nas bases municipais, não os eleitores.

Nenhuma medida que interfira com o sistema eleitoral deveria ser considerada sem ampla discussão pública, no limite até envolver um plebiscito. Mas o tal projeto já está pronto para ser votado em primeiro turno na Câmara (por emendar a Constituição serão duas votações na Câmara e no Senado). A ele se anexou um substitutivo que relaciona o número de vereadores à população dos municípios, divididos em 24 faixas. A menor, de cidades com até 15 mil habitantes, elegeria nove vereadores. A maior faixa, com população acima de 8 milhões, teria 55 vereadores como teto, o mesmo atual. É uma divisão iníqua.

Proposta é absurda
Se os deputados aprovarem esse absurdo, a representação de uma cidade com até 15 mil habitantes, será de um vereador para cada grupo de 1.666 habitantes. Com população superior a 10,5 milhões, a representação na cidade de São Paulo é de um vereador para cada 145,5 mil habitantes. É um acinte à regra da proporcionalidade.

Pior ficaria se a relação bolada pelos deputados buscasse atendê-la: São Paulo teria de ter 533 vereadores, 21 mais que o número de deputados na Câmara Federal. E isso sem garantia de que a despesa com vereadores baixará. Segundo o Ibam, antes de 2004 as câmaras consumiam 3,38% das receitas municipais, em média, muito menos que os percentuais propostos (de 4,5% a 7,5%). Não há o que aprovar.

O problema federativo é muito mais complexo do que sugerem esses projetos isolados. Há vários propondo a divisão de estados, como o Maranhão, o Pará e o Amazonas. Nada disso é necessário. Só implica mais despesas, com a replicação de assembléias, justiças estaduais e aparatos policiais e de servidores, entre outros gastos ociosos, que terão de ser bancados por repasses do orçamento federal, cujo tamanho não pode mais aumentar. Ao contrário, deve diminuir como proporção do PIB ou, pelo menos, parar de crescer. Isso para que a carga tributária que extorque a renda do contribuinte e sufoca o investimento possa, gradativamente, começar a ser abatida.

O Congresso precisa é de ousadia para desonerar a representação legislativa dos pequenos municípios, de até 200 mil habitantes, por exemplo, como era antes da Constituição de 1988, fazendo do exercício da vereança um ato de civismo, com remuneração de jetons simbólicos pagos por reunião. Tais câmaras só se reúnem uma a duas vezes por semana, por meio período, quando muito.


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