sexta-feira, 7 de março de 2008

Ruas sem saída


Venda de veículos cresce à razão anual de 30% e projeta o caos, que em São Paulo já é calamidade

A indústria automobilística se move outra vez como carro-chefe da produção industrial, que abriu 2008 com crescimento de 1,8% sobre dezembro, 8,5% em relação a janeiro de 2007 e progrediu de 6% até dezembro no acumulado de 12 meses para 6,3%. A indústria cresce acima da média das economias emergentes, um tabu até pouco tempo atrás, à exceção da Ásia, onde a China não deixa para ninguém.

Não há do que reclamar. Cabe perguntar é aonde isso vai parar. Não o crescimento industrial, que é bem vindo, mas a entrada dos novos carros no mercado, o que também seria, se houvesse avenidas e ruas suficientes para que todos circulassem à vontade por elas.

O trânsito na cidade de São Paulo, por exemplo, se arrasta todas as manhãs e finais de tarde em suas principais vias, e não há por onde escapar. Nesta terça, dos 820 quilômetros de vias monitoradas pela companhia de tráfego, o congestionamento chegou no período da manhã a 155 quilômetros, novo recorde, quarto no ano em 10 dias.

A cena se repete no Rio, Belo Horizonte, Salvador, Porto Alegre, até Brasília, construída sem cruzamentos e esquinas e já deformada pelos semáforos para organizar (?) o trânsito. Não se trata de ser do contra ou mal humorado. É só constatação, como fez o economista Fernando Montero, freqüente aqui falando de conjuntura econômica, numa singela projeção sobre o grande congestionamento em formação.

O título que deu ao exercício: “Quero trabalhar em casa — nota de um motorista desesperado”. Sua preocupação é antiga. Em agosto do ano passado ele já advertia para a confusão indagando: “Onde vamos estacionar?”, como intitulou a nota. De lá para cá só piorou.

Em meados de 2007, pelo seu registro, a venda de carros crescia 30% anuais: 27% de janeiro a julho, contra igual período de 2006, e 29,5% em agosto. “É difícil imaginar que a expansão sustentada a tal ritmo se estenda por muito tempo”, apostou na ocasião.

Semana passada, Montero atualizou as contas e se surpreendeu: as vendas de carros, veículos leves, ônibus e caminhões ainda crescem a incríveis 30% anuais: 38,8% de janeiro a fevereiro, comparado ao primeiro bimestre de 2007, e 32% nos últimos doze meses até agora.

Em volume, as vendas saltaram de 1,92 milhão de veículos em 2006 para 2,46 milhões em 2007. Ao ritmo atual, chegarão a 3,23 milhões este ano. Equivalem à capacidade de produção do setor ou às vendas combinadas de 2004 e 2005. Confirmada a projeção de 30%, as vendas em três anos, de 2006 a 2008, vão empatar com as de seis, de 1998 a 2003. O país está preparado para tanto carro nas ruas?

Omissão dos poderes
A queda dos juros, apesar de ainda exagerados, o aumento do prazo dos financiamentos, que chegam a oito anos, o crescimento da renda e do emprego e o otimismo geral são o combustível deste movimento.

Mas o aumento da malha viária e do transporte coletivo, como das restrições à circulação dos veículos, não tem a mesma velocidade. O resultado é o caos urbano. Em São Paulo, mais que isso. Espanta a omissão de prefeitos, governadores e do presidente. O problema é econômico, mas também ambiental, de saúde pública e de segurança.

Sem solução fácil
Vai melhorar? Nem por uma tromba d’água. Carro é condução no país — problema sem solução pela carência de transportes coletivos, de baixo investimento em metrô e na malha viária e de soluções mais radicais para o planejamento urbano. Carro também é status. Só por meio de medidas antipáticas, possivelmente arbitrárias, se freará um sonho de consumo que estava represado. Não há solução fácil.

Pode-se prever que aos poucos o ímpeto se esvaia. “É provável que a venda de duráveis se estabilize num patamar muito alto e inicie uma fase de crescimento mais comedido”, diz Montero. De fato, todo ciclo de consumo perde pique, depois de esgarçado o endividamento pessoal. “O problema é que não se sabe quando isso começa.”

Um rush exponencial
A indústria automobilística não é vilã, nem o consumidor. O setor é puxador do crescimento econômico no mundo. O que falta são ações focadas em desenvolvimento urbano, em transportes de massa e maior disciplina da circulação de veículos. A frota total em janeiro era de 50 milhões de veículos, 60% só de carros, 44% com mais de 11 anos. Ela cresceu 1,55 milhão em 2007, já excluídos os tirados de uso, e deve aumentar 2,24 milhão este ano. Montero afirma que esta é uma trajetória de crescimento exponencial. As cidades vão parar.

Sem novas soluções para o planejamento urbano, todas onerosas mas necessárias, só haverá remendos. No curto prazo, há opções à mão. Nenhuma é agradável, o que cria o impasse: políticos não gostam de aborrecer o eleitor. Quais as opções? A mais simples é o rodízio.

Em São Paulo, funciona das 7h às 10h e das 17h às 20h, tirando de circulação 20% da frota. Um vereador do PT aprovou em dezembro uma versão mais rígida, que tiraria 50% de circulação. Recuou porque o prefeito Gilberto Kassab ameaçou vetar, sem propor alternativa.

Muitos acham que só pelo bolso se amenizará o problema. A idéia é o chip eletrônico colado no pára-brisa, que serviria para rastrear roubos, flagrar veículo irregular (30% da frota, 1,6 milhão em São Paulo, têm atraso de IPVA, multas e licenciamento) e também cobrar pedágio em áreas engarrafadas, como se faz em Londres. A inspeção veicular ajuda. É isso ou ficar zen. Buzinar é que não ajuda.

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