sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

Disputa pela Eletronet já dura 10 anos na Justiça

A Eletrobrás fez ontem um comunicado ao mercado reiterando que a rede de fibras ópticas do sistema de transmissão da Eletrobrás pertence e sempre pertenceu exclusivamente a ela, e que o direito de uso dessa infraestrutura apenas esteve temporariamente cedido à Eletronet por meio de um contrato de direito de acesso firmado por sua subsidiária, Lightpar, atual Eletropar, em agosto de 1999. De acordo com o comunicado da empresa, o contrato preservou integralmente seus direitos sobre a rede de fibras ópticas existente na ocasião e também sobre sua sobre ampliações e extensões implantadas posteriormente.

A manifestação da Eletrobrás é mais uma em meio a uma disputa que já dura dez anos na Justiça do Rio e que contrapõe governo, Eletrobrás e suas controladas Furnas Centrais Elétricas, Eletrosul, Eletronorte e Companhia Hidrelétrica do São Francisco (Chesf), de um lado, e a massa falida da Eletronet de outro, além dos maiores credores da empresa, as companhias Lucent Technologies e Furukawa, que concentram mais de 80% das dívidas da Eletronet, e das empresas de telefonia, que exercem pressão para que a rede permaneça em poder da Eletronet e, assim, possa ser negociada.

Por trás da disputa está o modelo de privatização do sistema. Criada em 1999 pela Eletrobrás, por meio da Lightpar, a Eletronet seria formada com parte do capital nas mãos da estatal e outra parte nas mãos de uma empresa privada, a ser escolhida por meio de um leilão público. Enquanto Chesf, Furnas, Eletronorte e Eletrosul deveriam ceder a infraestrutura de transmissão de energia elétrica e de fibras ópticas instaladas, ao passo que a empresa vencedora do leilão injetaria capital suficiente para a aquisição e instalação de 6.917 quilômetros de cabos e reforço das torres de transmissão já existentes. Do leilão, do qual participaram também as empresas National Grid, o consórcio Eletropar 2000, formado pela Inepar e pelo Opportunity, do banqueiro Daniel Dantas, e a CS Participações, saiu vencedora a AES - a única que, na época, apresentou as garantias exigidas.

A Eletronet, assim, ganhou o direito de prestar serviços por meio dos cabos de fibras ópticas das quatro empresas do sistema Eletrobrás que foram instalados junto com o sistema de transmissão de energia e interligam Estados do Sul, Sudeste, Nordeste e parte do Centro-Oeste. O Norte do país, área com carências de serviços de telecomunicações, fica de fora da rede. Cada cabo tem de seis a 36 pares de fibras. Neste tipo de rede nem sempre todas as fibras são utilizadas. Muitas delas ficaram apagadas, isto é, os equipamentos necessários para o uso em telecomunicações não foram instalados. A Eletronet "iluminou" quatro fibras em cerca de 16 mil quilômetros de cabos com equipamentos da Alcatel Lucent. E uma extensão de 3,5 mil quilômetros ela própria instalou com cabos fornecidos pela Mitsui e pela Furukawa.

O problema surgiu quando o empreendimento passou a registrar prejuízos a partir da "bolha da internet". A retração do mercado de telecomunicações a partir de 2001 levou ao endividamento da empresa e, diante do não cumprimento das exigências contratuais pela AES, à quebra do acordo de acionistas e afastamento da empresa privada do controle da Eletronet, da qual detém 51%. Endividada, a Eletronet, com o aval da sua acionista Lightpar, foi à Justiça pedir auto-falência.

De acordo com o pedido feito à Justiça pelo advogado da Eletronet, Jorge Lobo, a companhia, ainda que em processo de falência, deveria ser mantida em funcionamento - por ser economicamente viável, pela possibilidade de desvalorização de seus ativos e pelo risco que a paralisação causaria ao país.

A Justiça concedeu a auto-falência e, desde então, teve início uma disputa pela posse da rede de fibra óptica da empresa. Para avaliar o que é de quem, as empresas do sistema Eletrobrás pediram uma perícia para avaliar, dentro da infraestrutura, o que integra o sistema das empresas e o que é fruto da concessão da Eletronet. O advogado das empresas do sistema Eletrobrás, Márcio André Mendes Costa, do escritório Mendes Costa Advogados, faz um paralelo entre este caso e a concessão de uma rodovia a uma empresa privada para defender a tese de que a propriedade de toda a rede de fibra óptica é da estatal: "Se a concessionária da rodovia vai à falência, a rodovia é entregue ao governo federal, seja a parte original que foi concedida à empresa privada, seja a parte ampliada".

O argumento de que a rede pertence ao governo é também utilizado pelo advogado da Furukawa, uma das credoras da Eletronet, Domingos Refinetti, do escritório Machado, Meyer Advogados. "A Eletronet é uma empresa criada pelo governo federal e de sua propriedade", diz. É do governo federal, portanto, a dívida da empresa. A União, por outro lado, nega que deva à Eletronet pela rede transferida por ela à empresa em 1999.

Independentemente da disputa na Justiça e da decretação de falência em 2003, a Eletronet continua operando e tem como grandes clientes operadores de telefonia. O que as empresas do sistema Eletrobras questionam é que a empresa continuem a buscar novos clientes depois da falência. Em janeiro deste ano, a massa falida informou à Comissão de Valores Mobiliários (CVM) o resumo do movimento financeiro da empresa: faturou R$ 15,3 milhões, sendo que R$ 14,90 milhões foram recebidos de seus clientes. As despesas somaram R$ 7,4 milhões.

No mercado, a avaliação é a de que a rede da Eletronet pode estar obsoleta e exigiria enormes investimentos para ser reativada. Essa é a opinião de Juarez Quadros, diretor da Orion Consultores Associados. Segundo ele, a infraestrutura da Eletronet passa por 18 das 27 unidades da federação e tem poucos clientes, provavelmente provedores de internet e as próprias empresas elétricas. Quadros calcula que a Eletronet tenha 16 mil quilômetros de rede e 30 mil quilômetros de cabos com fibras. Só em termos de comparação, as empresas privadas como Oi, Embratel e Telefônica, contam com backbones que somam 200 mil quilômetros entre cabos e fibras. Ele também aponta outra dificuldade para o uso da infraestrutura do setor elétrico: por problemas de interferência e segurança, as redes passam ao largo das cidades mais importantes.

A rede da Eletronet é composta por duas camadas: uma eletrônica e outra óptica, que são sistemas independentes. A parte eletrônica da época foi totalmente superada por novos sistemas. Os cabos ópticos também sofreram evolução e hoje são concebidos para ofertas de altas velocidades. "Toda essa estrutura deve estar muito defasada em função do tempo e teria que receber enormes investimentos em modernização para tornar a rede operacional. Pode ser que possa aproveitar apenas a fibra, o que é muito pouco dentro de todo o ativo", afirma Quadros.

Ontem o ministro da Fazenda, Guido Mantega, afirmou que o Plano Nacional de Banda Larga ainda está em discussão no governo e, portanto, não há definição sobre a possibilidade de o Tesouro assumir parte da dívida de R$ 800 milhões da Telebrás, medida necessária para que a empresa possa ser reativada. Na terça-feira, a ação preferencial (PN, sem direito a voto) foi a quarta mais negociada no pregão da Bovespa, com giro superior a R$ 200 milhões, atrás apenas da Vale, Petrobras e OGX. A ação PN fechou em queda de 0,38%, enquanto a ordinária (ON, com voto), recuou 1,57%. Apesar da queda, os investidores seguem interessados no desfecho do Plano Nacional de Banda Larga. Para os analistas, o episódio é mais um estímulo ao investidor que quer ganhos rápidos em vez de aplicações de longo prazo com base em fundamentos. Valor Econômico

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