Há 24 anos voto em Bush ou Clinton. Por que deveria votar novamente numa Clinton?, perguntou a eleitora presente ao primeiro debate entre Obama e Hillary.
Estava em disputa a indicação democrata para a Casa Branca. A senadora exibia experiência, segurança e, sobretudo, o apoio dos superdelegados. O voto deles — ex-presidentes, congressistas e caciques do partido — pesa muito mais nas primárias que o dos demais eleitores. Branca, anglo-saxônica e protestante, a ex-primeira-dama representava o continuísmo. Seria mais um presidente americano, só que de saia.
O adversário, desconhecido senador no primeiro mandato, surpreendia na aparência e no discurso. Negro, tinha nome estranho — Barack Hussein Obama. Trazia marcas multirraciais e multiculturais. A mãe, americana branca protestante. O pai, queniano negro muçulmano. O padrasto, indonésio. Ele, elegante, articulado, formado pela respeitada Harvard University, prometia o que a jovem entrevistadora cobrava — mudança.
Dependesse dos cartolas, Obama não teria vez. Mas ele se impôs. Ou melhor: foi imposto. O povo escolhe o candidato. O partido o proclama. Quem quer a indicação, corre atrás. As chances são as mesmas. Ganha quem joga melhor. (Na democracia tupiniquim, o eleitor referenda o pretendente ungido pelos líderes partidários. Não é outra a razão por que gente da ditadura se mantém no poder até hoje.)
“Nós podemos”, insistiu Obama. Negros, brancos, hispânicos, asiáticos, judeus ou muçulmanos acreditaram. Ali estava alguém como eles que chegou lá — abriu a porta da esperança e subiu na vida, ideal dos imigrantes que buscaram a América. Era a prova do “nós podemos”. Ao contrário de Bush, que, com a mão na Bíblia, disseminou o preconceito, a intolerância e o ódio, Obama acena com a inclusão, o direito ao sonho, a reconquista do direito de conviver. Ele, no imaginário popular, não é mais um presidente. É o presidente que tornará o país por eles escolhido a terra prometida.