segunda-feira, 16 de novembro de 2009

Excesso de exigências atrasa licenciamento e eleva custo de obras

Depois de ter a data inicial de previsão vencida em 20 dias, a licença prévia para a construção da hidrelétrica de Belo Monte (capacidade de 11,3 mil MW e orçamento previsto de R$ 16 bilhões) deverá sair hoje. Assim como ocorreu nas usinas do rio Madeira, em 2007, uma série de condicionalidades deverá ser imposta para os empreendedores da obra no Pará, o que representa a ponta de um iceberg em relação aos problemas que envolvem o licenciamento ambiental de grandes obras.

O anúncio do licenciamento para hoje foi feito na semana passada pelo ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, após reunião com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, e a ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff. O episódio replicou o ocorrido em julho de 2007, quando depois de semanas de expectativa, foi necessária uma reunião similar para liberar as licenças para as usinas de Santo Antonio e Jirau, em Rondônia.

O Valor ouviu representantes do governo, órgãos licenciadores federais, empreendedores e técnicos que fazem os Estudos de Impacto Ambiental e Relatórios de Impacto Ambiental (EIA-Rima). São dois os consensos entre todos. O primeiro é de que as leis ambientais brasileiras, afora alguns ajustes, são suficientemente boas para permitir o desenvolvimento econômico com danos ambientais compatíveis. O segundo, porém, é de que os processos para o licenciamento das obras dificultam a sua eficiência, podendo atrasar e encarecer obras no setor elétrico e outros críticos da infraestrutura.

Além de Belo Monte, permanecem sem licença prévia, e podem ficar fora do leilão de energia nova que ocorre até o fim do ano, sete hidrelétricas que terão capacidade de gerar 905 MW. Segundo o presidente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), Maurício Tolmasquim, se a licença não sair, o leilão venderá energia apenas das térmicas, que poluem mais e têm energia mais cara. Até hoje, um mês após esta ameaça, as licenças não saíram.

As excessivas condicionalidades impostas no licenciamento prévio dos empreendimentos ou no decorrer das obras são sugeridas pelos especialistas, em geral acadêmicos, no EIA-Rima. Cabe aos licenciadores acatar as sugestões e sugerir novas exigências, se acreditarem que as medidas são insuficientes para reduzir os impactos.

Procuradores do Ministério Público Federal (MPF) têm olhado com lupa falhas ou elementos questionáveis no EIA. Preocupados com a região, muitos conseguem, na Justiça, interromper obras.

O problema principal dos questionamentos do MPF é que, com frequência, eles apontam a pessoa física que liberou a obra como responsável nos processos. Isso amedronta os envolvidos no caso, que muitas vezes podem negar a licença por temer condenação ou passar a outro colega ou instância a responsabilidade. Há quem diga, ainda, que, algumas vezes, licenciadores prorrogam decisões por militância ou ideologia, ou seja, por querer evitar o aproveitamento de recursos naturais locais por grandes grupos empresariais.

No caso de Belo Monte, a disputa começou antes mesmo da licença prévia. Na semana passada, o MPF no Pará questionou o fato de o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama) ter feito apenas quatro audiências públicas em Altamira, no Pará. Alegando que deveriam ocorrer mais audiências, para abranger todos os povos afetados, o MPF conseguiu decisão favorável na terça-feira. No dia seguinte, o Ibama conseguiu derrubar a decisão no Tribunal Regional Federal, em Brasília.

O projeto final de Belo Monte foi concebido sem reservatório significativo, a pedido das comunidades locais que queriam evitar a construção de uma barragem maior, que traria mais impactos. A usina será construída no modelo que se chama "fio d"água", o que impede que se explore o máximo de sua capacidade. O modelo é considerado uma "aberração energética" por alguns especialistas, por se tratar de construção cara e enorme, que jamais operará no limite do potencial. Apesar do potencial de mais de 11 mil MW, a geração prevista será de 4,6 mil MW médios. Nos períodos de estiagem, ela poderá não funcionar, o que exigirá o uso das termelétricas.

Para o governo, o problema do atraso recente para a liberação das licenças é dos empreendedores. Segundo Roberto Messias Franco, presidente do Ibama, muitos empresários têm pago grandes somas por estudos de má qualidade, que acabam prejudicando a liberação dos projetos. "Os investimentos estão aquecidos, mas ainda são poucos os cursos para formar estudiosos do ramo e é necessário tempo para formar essa mão de obra."

Do outro lado, porém, muitos empresários afirmam que os pedidos de estudo feitos pelos licenciadores muitas vezes estão além do limite do conhecimento científico. Um exemplo seria a necessidade de previsão de sedimentação do solo no período de dez anos em certas hidrelétricas. Já outras previsões para as quais há conhecimento, como o impacto socioambiental, não seriam pedidos.

Para Nirvia Ravena, cientista política da Universidade Federal do Pará, que acompanhou os estudos de Belo Monte, há diversas discussões no Judiciário sobre a falta de clareza dos termos de referência, em que os licenciadores listam pedidos. "Isso faz com que os empreendedores muitas vezes invistam em "caixas-pretas", porque questões relevantes não são previstas." Em Tucuruí, por exemplo, diversos passivos socioambientais surgiram para a Eletronorte depois que foi feito o EIA-Rima, diz.

Outro debate acalorado é a descentralização das instâncias licenciadoras. Com frequência, órgãos estaduais e o Ibama podem fazer as mesmas exigências. Para Antonio Luiz Abreu Jorge, diretor de meio ambiente da Energia Sustentável, consórcio que controla Jirau, as licenças deveriam ser unificadas nas três essenciais: a prévia, a de instalação e a de operação. Ele lembra que, até agora, precisou de mais de 20 licenças e a usina começará a operar em 2012.

Uma solução para esse problema apontada pelos próprios acadêmicos e empreendedores seria adotar o modelo, difundido internacionalmente, de especialistas certificados por uma entidade independente. No entanto, segundo Izabella Teixeira, secretária-executiva do Ministério do Meio Ambiente (MMA), o Brasil precisa avançar em outros processos antes. O tema do licenciamento é discutido no âmbito do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), que, além do MMA e Ibama, envolve outras instâncias do governo, de entidades não-governamentais, empresas e da sociedade em geral. Ele teria poder para mudar os processos.

À luz do projeto federal de integração do sistema elétrico pela América Latina, um presidente de entidade de classe do setor, que não quis se identificar, comenta o entrave: "Está muito mais fácil conseguir licença para investir em hidrelétricas nos países vizinhos do que no Brasil".

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