segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

Atraso em construção de ferrovia irrita Lula

O consórcio vencedor da licitação para construção da Ferrovia Nova Transnordestina terá que apresentar ao governo, a partir de janeiro, relatórios mensais sobre o andamento das obras. A cobrança foi feita pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva há duas semanas, durante reunião com representantes do consórcio, liderado pela Companhia Siderúrgica Nacional (CSN). Lula ficou irritado com o atraso no cronograma da obra, uma das principais do Programa de Aceleração ao Crescimento (PAC), que deveria estar pronta em 2010. "Estou me sentindo enganado", disse ele a empresários.

Apresentadas como plataforma de campanha em 2002, o presidente não conseguirá concluir no atual mandato as ligações ferroviárias do interior do Nordeste aos portos de Pecém (CE) e Suape (PE). Com um ritmo de obras abaixo do esperado, a nova ferrovia, nas palavras de um assessor, continua "ligando o nada a lugar nenhum".

O governo percebeu um atraso na solicitação de desembolsos pelo consórcio junto a financiadores oficiais. Recentemente, o presidente reconheceu ser impossível terminar a obra nos oito anos de governo, mas queria algo mais concreto para apresentar durante a campanha presidencial de Dilma Rousseff. A meta seria ter concluída, pelo menos, a conexão até um porto.

A crise com o consórcio liderado pela CSN - que contratou a Odebrecht para alguns trechos - teve seu estopim no dia 7 de dezembro, quando o governo reuniu vários ministros para fazer um balanço das ferrovias do PAC e do trem de alta velocidade (TAV). Lula foi informado por seus auxiliares que as obras da Transnordestina estavam com atraso maior do que na última previsão. Ele entendeu que havia falta de dedicação do consórcio em fazê-las caminhar. No dia seguinte, o presidente viajaria a Montevidéu, para uma reunião de cúpula do Mercosul. "Eu quero que vocês marquem uma reunião com os responsáveis pelo consórcio amanhã, na hora que der", pediu Lula, visivelmente contrariado.

Com a reunião marcada para as 18 horas do dia 8, Lula alterou a agenda no Uruguai, voltando ao Brasil logo após o almoço. Estiveram presentes também nessa reunião os governadores do Ceará, Cid Gomes, do Piauí, Wellington Dias e de Pernambuco, Eduardo Campos - Estados onde passará a Nova Transnordestina. A irritação do presidente aumentou ainda mais ao descobrir que o presidente da CSN, Benjamin Steinbruch, não estaria presente - o empresário estava em Nova York. Compareceu ao encontro o presidente do consórcio Transnordestina Logística, Tufi Daher Filho.

Na visão do governo, Steinbruch aceitou participar da licitação sem ter condições de tocar a obra com a celeridade esperada. "O consórcio prometeu a obra pronta em três anos, mas não tinha um bom projeto quando venceu a licitação", diz um representante do governo no setor. O projeto chegou a ter uma primeira fase prevista para ser entregue em 2007.

Outra reclamação do Executivo é que a CSN quer fazer a obra praticamente 100% financiada, sem tirar dinheiro do próprio bolso. Havia uma previsão de contrapartida de R$ 1,5 bilhão do consórcio diante dos R$ 4,5 bilhões estimados como custo total da obra - valor depois revisto para R$ 5,4 bilhões.

Dias depois após a reunião do presidente com Daher Filho e os governadores, a CSN anunciou a intenção de comprar a cimenteira Cimpor, por R$ 10 bilhões, e de promover o IPO da Casa de Pedra, mineradora com uma das jazidas de ferro mais valiosas do mundo.

Ao longo de 2009, foram muitos os esforços do governo para que a obra andasse. Em setembro, o Decreto 6.952 alterou o nível de exigência financeira do consórcio. Caiu de 20% para 10% o volume de contrapartida exigida do grupo para sacar recursos do Fundo de Desenvolvimento do Nordeste (FDNE), é um dos principais financiadores da obra, com R$ 2,76 bilhões. Além disso, o decreto permitiu que o consórcio dividisse o projeto em módulos. Dessa forma, poderia apresentar apenas uma pequena parcela de recursos próprios para conseguir levantar a parte do FDNE, que é administrado pela Sudene.

O Executivo também previu, por meio de emenda à MP 462, que a estatal Valec se tornasse sócia do consórcio. Nesse ponto, o auxílio foi menos financeiro e mais técnico. O BNDES passou a auxiliar a CSN com mais R$ 500 milhões, como forma de injetar capital na Transnordestina Logística, para que o consórcio conseguisse levantar os recursos financiados. Mesmo assim, do total de R$ 600 milhões que o FDNE tinha previsto em orçamento este ano para a obra, nenhum centavo foi entregue até dezembro, por falta de contrapartida.

Depois da reunião do dia 8 , alguns documentos necessários para liberação de recursos chegaram ao escritório da Sudene, que, desde o dia 21, avalia os atestados apresentados pelo consórcio. "Aqui, pelo menos, o consórcio não pode reclamar por não ter recebido dinheiro, porque dependia apenas deles apresentar as garantias e os documentos necessários", diz Francisco Rabelo, coordenador-geral do FDNE pela Sudene. Ele lembra que, com frequência, empreendedores tocam as obras mesmo sem liberação de verba e depois usam os recursos do FDNE para reembolsar gastos.

Procurados pelo Valor, o consórcio e a CSN afirmaram que apenas o governo fala sobre o projeto. Na reunião com o presidente, porém, os empresários apresentaram uma lista de justificativas para o atraso. Segundo eles, as principais explicações para o atraso são a demora para os governos executarem as desapropriações previstas, a lentidão da Justiça em resolver algumas pendências e a dificuldade que tiveram para obter algumas licenças ambientais. Segundo recente balanço do PAC, faltava, por exemplo, a licença de instalação do trecho entre Pecém e Missão Velha (CE). No mesmo trecho, faltava a desapropriação de 5 quilômetros ao longo da ferrovia.

Também houve atraso na liberação de recursos do Fundo de Investimento do Nordeste (Finor), que que responde por R$ 823 milhões do financiamento da obra. A liberação teria sido prejudicada por mudanças no Ministério de Integração Nacional desde a conquista do contrato, em 2006.

A maior dificuldade, segundo os empresários, especialmente no Ceará, foi a subcontratação de empresas locais para realizar o serviço. Segundo o consórcio, o valor da obra ficou baixo demais, o que dificulta a contratação de mão de obra. Em algumas regiões, os prestadores de serviço chegaram a entrar em greve. Também as fortes chuvas prejudicaram as obras.

Em junho, o então secretário-executivo do Ministério da Integração Luiz Antonio Eira pediu demissão, após discussão acalorada com Dilma sobre a Transnordestina. Depois do episódio, a ministra chegou a afirmar que "nem morta" deixaria de fazer a ferrovia.

A construção da Nova Transnordestina deverá ser usada para escoar a produção de frutas na região de Petrolina, derivados de cana do Maranhão e do Piauí e soja da Bahia e Piauí. Outro setor que espera com ansiedade a conclusão da obra é a mineração. Há locais onde se explora ferro e alumínio na região e o contato com os portos estimularia as exportações. Há, ainda, uma imensa jazida de gipsita (pedra de gesso) no traçado da ferrovia, no lado pernambucano.

Com o acompanhamento mensal das obras, o presidente deu seu recado ao consórcio: se houver atrasos sem justificativa, poderá até solicitar a caducidade do contrato com o consórcio, diz um representante do governo federal.

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