sexta-feira, 27 de outubro de 2006

Fechado para balanço


Nascido de uma costela do PMDB e apartado da sigla-mãe na esteira da Assembléia Nacional Constituinte de 1987-1988, o PSDB não estava preparado para exercer a Presidência da República pelas mãos de Fernando Henrique Cardoso já em 1995. Em 1989, por um curto período de três semanas, foi possível vislumbrar a vitória de Mário Covas e caso ela se consumasse a História teria sido bem outra. Covas e Fernando Henrique eram amigos, o sociólogo admirava o engenheiro, mas a recíproca nem sempre era verdadeira. Se não tivesse sido atropelado pelo breve bonde Sílvio Santos, que se interpôs no cenário político por duas semanas e interrompeu a escalada ascendente de Covas, talvez tivesse ocorrido ali a vitória do projeto do PSDB -- e ele não redundaria do descolamento do partido social-democrata em relação à sociedade civil nem aos movimentos sociais e sindicais. Não foi o que aconteceu e é inútil teorizar sobre possibilidades.

O fato é que FHC se elegeu e se reelegeu presidente da República, em seu governo o Brasil experimentou um clima de rara tranqüilidade institucional, ele agregou em sua equipe desde prepostos de Antonio Carlos Magalhães até ex-ideólogos do PT como Francisco Weffort e o Príncipe da Sociologia foi capaz de consolidar a imagem de ser um homem à frente de seu tempo. Foi, mas deixou para trás um partido espicaçado. Fernando Henrique descobriu-se incapaz de arbitrar a disputa entre o núcleo paulista do PSDB que gravitava em torno de José Serra e o núcleo mais nacional da legenda que também gravitava em torno de outro paulista: o próprio Mário Covas. Com a morte de Covas, em 2001, Tasso Jereissati herdou o comando dessa ala da legenda, mas não conseguiu reter em suas mãos a autoridade que tinha o ex-senador e ex-governador paulista para se fazer ouvir e para se ver respeitado na sigla.

Sob o governo de Fernando Henrique Cardoso, o PSDB implodiu em três atos.

O primeiro deles foi encenado no leito de morte de Sérgio Motta, quando o então ministro entregou a Tasso um bilhete manuscrito, desesperado, em que perguntava aonde Fernando Henrique pretendia levar o partido. Ele reclamava da extrema influência do PFL e das idéias agregadas aos pefelistas sobre a administração do país.

O segundo ato dessa destruição, e contra o qual Mário Covas, já debilitado pelo câncer que o matou muito resistiu, foi a aliviada e silenciosa aceitação com que os tucanos encararam a desfiliação do ex-ministro Ciro Gomes. "Eu não teria deixado o Ciro sair. Ele é um dos melhores quadros do PSDB", disse-me Covas certa vez durante um jantar no Palácio dos Bandeirantes. "É um erro crer que Ciro atrapalha. Ele aponta os nossos erros com precisão e exerce uma liderança que nós dificilmente encontraremos em outros político dessa turma que fundou o PSDB". Como quase sempre, Covas estava certo. Pena que muitas de suas certezas e todo aquele seu jeitão doce de se indignar como um trovão mas agir de forma racional como um engenheiro tenham morrido com ele.

O terceiro ato da desconstrução tucana foi o próprio processo de decisão do candidato do partido à Presidência da República em 2002. Fernando Henrique tinha dois nomes nas mãos e um terceiro no bolso do colete. Em suas mãos estavam as fichas de Tasso Jereissati e de José Serra. No bolso do colete, Paulo Renato Souza, a quem FHC preferia. Fiel a seu estilo de jamais contrariar os interlocutores, o ex-presidente nunca trabalhou com afinco a alternativa Paulo Renato. O ex-ministro da Educação vinha de um gigantesto trabalho em sua área e, ao cabo de oito anos, mudou a face desfigurada do panorama educacional brasileiro. Muito há por se fazer, mas em oito anos Paulo Renato trabalhou como poucos -- talvez tenha sido de fato aquilo que se vangloria ser: o melhor ministro da Educação da História. FHC, então, foi fraco ao não expor suas preferências. Parecia claro a Tasso Jereissati que ele seria o herdeiro de Paulo Renato no pragmático coração de Fernando Henrique. O nome de Tasso sempre teve muito mais capilaridade nas diversas alas partidárias do que o de Serra. Também sempre foi muito mais popular entre os barões da Fiesp, mas José Serra sempre fez seus adversários internos tremerem ante a obstinação que demonstra ter na trajetória que pode um dia levá-lo à presidência. Serra se orgulha dessa obstinação e, dela, só retira o condicional "pode". Ele está certo de que chegará lá. Em dezembro de 2002, portanto, encenando um golpe partidário executado por dois emissários, FHC convenceu Tasso a se retirar da disputa. A empreitada foi surpreendente fácil e consumiu apenas uma madrugada. Jereissati jantou pré-candidato a Presidente e disposto a enfrentar José Serra em uma eleição prévia. No café da manhã seguinte, tomado às 9h30 em um hotel de Brasília, já anunciava a desistência e ensaiava um discurso de união partidária. O resto dessa História é o que já conhecemos.

Agora, na antevéspera de uma nova eleição presidencial que o PSDB se preparou para perder e foi surpreendido pelo fôlego não programado de seu candidato Geraldo Alckmin, o partido se prepara para um novo ciclo de balanços e traições. Alckmin, que sairá das urnas com uma respeitável votação mas tudo leva a crer que será derrotado, descobrirá quão fugaz foi a liderança que exerceu sobre seus pares. Já na segunda-feira, antes de sacramentado o resultado eleitoral, o PSDB terá de correr em busca de sua reconstrução e José Serra e Aécio Neves, os dois maiores líderes da legenda a emergir das urnas, estarão obrigados a tentar reencontrar o caminho que os leva a criar algum catalisador com a sociedade civil, com os movimentos sociais e com os sindicatos. Além disso, tornar-se-ão os interlocutores privilegiados do presidente Lula com a oposição e terão em suas mãos o comando dos dois maiores Estados da federação. Serra e Aécio serão os primeiros a desviar os petardos que alguns mercenários de baixa patente perfilados atrás das divisas de PSDB e PFL tentarão lançar contra os palácios do Planalto e da Alvorada. Como eles poderão iniciar seus mandatos e, a partir deles, credenciar-se para a disputa de 2010, sem um diálogo institucional e republicano com o governo revigorado de um presidente reeleito? Ou o PSDB pára, pensa e age de acordo com esse script, ou jamais sobreviverá na cena política nacional.

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