terça-feira, 26 de maio de 2009

Requião completa seis anos ao vivo na TV


É comum encontrar brasileiros que atuavam como comunicadores em rádio ou televisão e viraram políticos. No Paraná ocorreu o inverso. O governador Roberto Requião (PMDB), jornalista e advogado por formação, mantém há seis anos um programa que vai ao ar toda semana pela rede de comunicação estatal Paraná Educativa, em versões ao vivo e editada.

A ideia surgiu em junho de 2003, em reunião com o secretariado sobre os primeiros seis meses da gestão, e evoluiu para um encontro com toda a equipe, aberta ao público no local em que acontece e também pela internet, TV e rádios AM e FM. O espaço já foi usado por Requião para mostrar atos de governo, fazer campanha contra os grãos transgênicos, criticar adversários e até para ensinar a fritar ovo, quando o programa foi censurado pela justiça. A experiência, inédita no país pelo formato e tempo de vida, foi e continua sendo alvo de elogios e críticas.

Os elogios partem daqueles que defendem a divulgação das informações sobre ações do governo. Semanalmente são escalados secretários, presidentes de estatais e outros representantes da equipe para expor projetos que serão lançados ou estão em andamento e também apresentar balanços.

As críticas têm a ver com o conteúdo político e com o uso de uma rede estatal como palanque. "Acho interessante quando o governo usa meios de comunicação para ser transparente", comenta o economista Masimo Della Justina, especialista em administração de finanças públicas e professor da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR). "Ando de ônibus e táxi e ouço comentários sobre o programa, o que é um sinal de que a população assiste, mesmo para criticar."

Para Valmir Alberto Thomé, professor da Universidade Positivo e especialista em gestão pública, o programa aproxima o governo do povo, mas a forma deveria ser melhorada. "Como é pago com recursos públicos, deveria ser em prol do Estado, não para emissão de opinião", diz. Segundo ele, o nome atual, "Escola de Governo", é equivocado, porque remete a curso, formação.

No ano passado, Requião enfrentou uma grande batalha para manter o programa no ar. A pedido do Ministério Público Federal, o desembargador Edgard Lippman Júnior, do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, proibiu o governador de criticar adversários, sob pena de pagar multa de R$ 50 mil.

Ao se ver censurado, o pemedebista pediu apoio da sociedade em sua defesa e ressuscitou uma prática usada na ditadura pelo jornal "O Estado de S. Paulo", que publicava receitas de bolo nas páginas censuradas. Requião decidiu dar uma receita de ovo. "Fritar ovo é uma técnica. Não é qualquer pessoa que faz um ovo frito de qualidade", disse, antes de recomendar o uso de azeite de oliva bem quente. "Quebra-se o ovo, um ou dois, numa xícara, para não correr o risco de espirrar muita gordura", sugeriu. "Você tem um ovo excepcional, vai ficar com a clara crocante e a gema mole."

Ações sobre o tema continuam em tramitação, mas há um mês o governador comemorou decisão do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) que afastou Lippman Júnior de suas funções, para apurar denúncia de que teria recebido dinheiro para permitir a reabertura de bingo em Curitiba.

A reunião-programa de Requião acontece toda terça-feira pela manhã - hoje um novo programa vai ao ar -, no auditório do Museu Oscar Niemeyer, onde cabem 372 pessoas sentadas. Normalmente é precedida por apresentações culturais. O diretor-presidente da Paraná Educativa, Marcos Batista, conta que sua equipe cuida da parte técnica e produz vídeos quando solicitados por secretários. "O conteúdo não é nosso", explica.

Na tevê, a transmissão começa às 8h30 e, como a reunião, não tem hora para acabar, normalmente vai até por volta de 10h30. Depois, tem reprise na tevê à noite e no sábado pela manhã. A audiência não é medida. O programa entra no meio de conteúdos da TV Cultura que são transmitidos pela estatal paranaense e também entre produções locais.

"Como jornalista, acho o programa saudável", defende Batista. De acordo com ele, 15 pessoas trabalham na transmissão ao vivo, entre câmeras, técnicos, jornalistas e outros profissionais.

Requião abre e fecha o programa e faz intervenções quando julga necessário. Ele sempre chama a atenção quando o quórum está baixo (normalmente o auditório fica cheio) e irrita-se quando a apresentação dos secretários não está clara o suficiente para ser entendida pela população ou quando os vídeos e planilhas apresentados são de baixa qualidade.

Também não gosta de ver gente cochilando na platéia. O governador ocupa uma cadeira da primeira fileira e levanta-se para fazer comentários. O presidente da Copel, estatal de energia, Rubens Ghilardi, diz que falou "umas dez vezes" na reunião, que foi batizada pela imprensa local e pela população de "Escolinha do Requião", em referência ao programa apresentado no passado por Chico Anysio na Rede Globo, a Escolinha do Professor Raimundo.

"Fazemos uma troca de informações e de experiências", diz Ghilardi, que não reclama da convocação do governador - "É no meu horário de trabalho". O secretário de Indústria e Comércio, Virgílio Moreira Filho, costuma falar a cada três meses. "Acho bom", diz. Ghilardi e Moreira nunca receberam bronca em público, como já aconteceu com outros colegas que usaram o microfone pra fazer comentários que não agradaram o chefe e foram repreendidos publicamente.

O secretário de Comunicação, Benedito Pires, contou que o próprio Requião define a pauta do programa. Normalmente são apresentados assuntos factuais e segue-se uma agenda com sugestões de secretários ou pedidos do governador. Em alguns casos, o programa conta com convidados, como o ex-banqueiro José Eduardo Andrade Vieira, que usou o espaço em 2005 para contar bastidores da política nacional e de como o Bamerindus foi parar nas mãos do HSBC.

Em janeiro, executivos da Fiat confirmaram no local a instalação de uma fábrica de motores no Estado. "O programa rompeu as barreiras da informação porque o governo passou a ter seu próprio meio de comunicação", afirma Pires.

Requião não costuma ter bom relacionamento com a imprensa. Recusou-se a dar entrevista ao Valor para falar dos seis anos da Escola de Governo. "Vocês só falam mal da gente", disse, na terça-feira, após a transmissão de mais um programa. Jornalistas do Estado normalmente acompanham as reuniões e, em 2005, presenciaram a criação do prêmio Severino Cavalcanti, representado por uma estátua com corpo de rato e cabeça do ex-presidente da Câmara, que Requião ameaçou entregar aos veículos de comunicação que publicassem notícias que desagradassem seu governo.

No último programa, Requião prometeu duplicar uma rodovia na região da capital, tratou de geração de emprego, falou de ações para proteger o ambiente e criou nova polêmica ao falar de alterações no Código Florestal. Ele convidou políticos que tratam do tema para discuti-lo numa das reuniões. "Está aberta a Escola de Governo para os predadores da natureza virem debater com a gente". Nesse dia, estava lá a aposentada Maria Lucia Gomes, militante do PMDB, que participa de todos os encontros. "Quero saber o que está acontecendo", explicou. "Prefiro ver ao vivo."

No meio da reunião, o presidente do PV no Paraná, Melo Viana, ex-candidato ao governo, saiu do auditório. Questionado sobre o motivo de estar ali, explicou que estuda cinema e estava fazendo um documentário sobre Requião. Ele admitiu que achava o programa chato, mas começou a ouvir elogios e mudou de opinião. "O governador chega antes e todo mundo tem acesso a ele. Prefeitos vêm do interior para falar com ele aqui", comentou. "A estética funciona, mesmo sem cenário e produção. E aqui é sem ensaio."

Mas nem todos gostaram do que viram. Stanley Garcia, produtor cultural de Londrina, município da região Norte do Paraná, aproveitou que estava em Curitiba para acompanhar de perto a reunião. "Ouvi falar que era uma tremenda palhaçada. E é mesmo", disse, para em seguida emendar: "A experiência é boa, mas vejo com estranheza o governador se colocar em posição deselegante, interromper as pessoas". Na opinião dele, no entanto, deveria ter algo parecido nas prefeituras, para democratizar o acesso à informação.

O professor de telejornalismo da Universidade Federal do Paraná (UFPR), João Somma Neto, disse que não possui elementos para falar se a transmissão de reuniões pela tevê é uma tendência mas, segundo ele, os veículos comerciais deixam lacunas, porque não aprofundam temas. "Por ser estatal, a Educativa permite a busca de novos formatos", explica. "O que é complicado, neste caso, é a subserviência dos subordinados ao protagonista. E não sei até que ponto podemos graduar a transparência, porque os assuntos são tratados pela ótica deles", completa.

Adriano Codato, cientista político e também professor da UFPR, desaprova o modelo. "O que é transparente não é o governo, mas o tipo de relação do Requião com sua equipe", critica. "É um palco onde o governador passa pito em quem não gosta." Codato comentou que em qualquer governo há reuniões e broncas, mas não transmitidas ao vivo. E emendou: "É um retrato da psicologia política do governador, que tem falta de freio na língua, é autoritário e administra dando broncas. O valor central não é a eficiência, mas o medo."

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