quarta-feira, 13 de maio de 2009

Brasil tenta atrair vizinhos para padrão digital "nipo-brasileiro"


Aumentou o lobby do governo brasileiro para convencer os países da América do Sul a adotar o sistema ISDB-T de televisão digital. Nas últimas semanas, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o chanceler Celso Amorim aproveitaram encontros com seus homólogos da região para reforçar os argumentos a favor do padrão "nipo-brasileiro" e vender a ideia de que a uniformização do sistema deverá levar investimentos da indústria aos países vizinhos.

O lobby já funcionou com o Peru, que anunciou a escolha do ISDB-T em abril. Mas há uma disputa acirrada com os europeus, que emplacaram o padrão DVB na Colômbia e no Uruguai. As decisões da Argentina e do Chile, que deram sinais recentes da disposição em fazer parcerias com o Brasil e adotar o sistema japonês, são vistas pelo Itamaraty como fundamentais para fazer do ISDB-T uma plataforma na região. Autoridades brasileiras acreditam que a maioria dos países vai selecionar um padrão a tempo de ver a Copa de 2010 com a nova tecnologia.

"O nosso interesse é que a América do Sul tenha um sistema regional", diz o ministro das Comunicações, Hélio Costa. Segundo ele, o Brasil pôs uma importante carta à mesa: abre mão dos royalties a que teria direito pela incorporação do software de interatividade Ginga e pelo mecanismo de compressão de vídeo MPEG-4 ao padrão ISDB-T. "Os japoneses também se comprometeram com isenção de royalties."

Até hoje, só Brasil e Japão adotaram esse sistema, enquanto o padrão europeu foi escolhido por mais de 60 países. Menos difundido, por suas limitações em termos de mobilidade (a recepção de sinais em veículos e ônibus), é o americano ATSC. O que o governo brasileiro quer é evitar o erro cometido no passado, com a TV analógica, em que o sistema PAL-M existia somente no Brasil e no distante Laos.

"Quanto mais países adotarem o ISDB-T, mais vamos nos beneficiar mutuamente", afirma Hadil Vianna, chefe do departamento de temas científicos e tecnológicos do Ministério das Relações Exteriores. Ele cita a integração de cadeias produtivas e o intercâmbio de conteúdo audiovisual como potenciais avanços. Viana defende as vantagens técnicas do sistema "nipo-brasileiro", mas, com sua experiência diplomática, reconhece que a escolha do padrão de TV digital "tem uma boa dose de natureza política".

Missões brasileiras, geralmente com integrantes japoneses, já visitaram quase todos os países sul-americanos. As delegações têm sempre altos funcionários do Itamaraty, da Casa Civil e dos ministérios das Comunicações, Relações Exteriores e Ciência e Tecnologia. Enquanto isso, o governo japonês se mobiliza para influenciar a escolha em países asiáticos, como Tailândia e Filipinas. "No mínimo, essas incursões têm levado os nossos vizinhos a pensar melhor", afirma Vianna.

A diplomacia brasileira torce para que esse seja o caso da Venezuela do presidente Hugo Chávez. Notas na mídia local têm proliferado dizendo que o sistema chinês DTMB - que ainda está em desenvolvimento, sequer foi registrado na União Internacional de Telecomunicações e não teve nenhuma adesão até agora - teria sido escolhido. Há duas semanas, Celso Amorim conversou pessoalmente com Chávez a respeito da televisão digital e recebeu do presidente o pedido de envio de uma missão brasileira para mostrar as qualidades do ISDB-T.

Pode ser coincidência, mas o governo da Venezuela desmentiu já ter batido o martelo pelos chineses. Isso aliviou também os radiodifusores venezuelanos. "Nós pensamos - e todos os estudos técnicos que fizemos indicam isso - que o padrão europeu é o melhor", assinala o vice-presidente-executivo do grupo Cisneros, Carlos Bardasano, que comanda a maior emissora do país, a Venevisión.

A Venezuela recebe atenção especial do governo. O Itamaraty nega, mas há em Brasília quem desconfie que as decisões de países "bolivarianos" como Bolívia e Equador, da órbita de influência de Chávez, possam seguir o anúncio feito em Caracas. Além disso, é total a dedicação em convencer argentinos e chilenos. Para o governo brasileiro, as escolhas desses dois países vão determinar se o ISDB-T se converterá ou não em um sistema regional, podendo até fazer com que outros vizinhos, como o Uruguai, voltem atrás para não se isolarem.

Lula já conversou sobre isso com a presidente da Argentina, Cristina Kirchner, que sinalizou claramente, durante encontro em Buenos Aires, a disposição em "acordar um sistema comum de televisão digital". Mas ela ressaltou a exigência de transferência de tecnologia. Tanto na Argentina quanto no Chile, porém, a escolha do padrão ocorrerá somente após o término da tramitação das novas leis de comunicações audiovisuais enviadas pelos respectivos governos a seus Legislativos. Isso deve tomar alguns meses, mas o sentimento no Brasil é de que um anúncio se aproxima. "Estamos à beira da decisão", acredita Hélio Costa.

A indústria brasileira tem acompanhado o discurso do governo e manifestou aos países vizinhos a intenção de fazer investimentos na região. A Tele System Electronic, empresa italiana que produz em Manaus e espera vender 1,1 milhão de receptores digitais neste ano, trabalha com a perspectiva de abrir unidades na Argentina ou no Chile caso adotem o ISDB-T. Uma possibilidade, segundo o diretor-geral no Brasil, Marco Szili, é manter a produção em Manaus e enviar componentes para montagem nos vizinhos. "Estamos dizendo claramente que a escolha do sistema ISDB não significa, absolutamente, dependência do Brasil no fornecimento de equipamentos."

A Tele System, que tem capital fechado, não divulga números de faturamento nem de seus investimentos. Mas a empresa planeja ampliar sua presença na América do Sul. Por isso, Szili acompanhou a missão brasileira que visitou o Chile, há duas semanas. "Temos muito a ganhar. A maior vantagem, sem dúvida, é o aumento da escala e a redução de custos", afirma.

Szili acredita que, além disso, o aumento dos países com a tecnologia ISDB-T significa mais gente trabalhando no aperfeiçoamento do sistema. O Itamaraty e o Ministério das Comunicações enfatizam aos governos sul-americanos - e a Cuba, único país visitado fora do subcontinente - que eles farão parte, junto com os radiodifusores locais, do Fórum do Sistema Brasileiro de Televisão Digital. Ao mesmo tempo, os países da região vão conversar com os japoneses no fórum de desenvolvimento do sistema ISDB-T.

Confiantes, mas minimizando uma eventual derrota no esforço de convencimento, a indústria e o governo dizem que não haverá problema se a maioria dos vizinhos optar pelo padrão europeu DVB. "Só o Brasil e o Japão produzem 10 milhões de aparelhos (de televisão) por ano", diz Hélio Costa. "O Brasil, com o mercado interno que possui e regras razoavelmente estáveis, é a nossa prioridade", completa Szili.

0 Comentários em “Brasil tenta atrair vizinhos para padrão digital "nipo-brasileiro"”

Postar um comentário

 

Consciência Política Copyright © 2011 -- Template created by Consciência Política --