sábado, 30 de maio de 2009

A ponte Italiana





Clique nas imagens dos documentos







A Satiagraha é certamente a mais polêmica operação da Polícia Federal dos últimos sete anos. Já é público que, em seus trabalhos, Protógenes usou irregularmente mais de 90 agentes da Abin, monitorou ilegalmente políticos, advogados, jornalistas e autoridades dos tribunais superiores e promoveu inúmeras interceptações telefônicas sem autorização judicial. Agora, a sentença redigida em 29 páginas pelo juiz Mazloum indica que outros crimes podem ter ocorrido durante a operação. No parágrafo número 53, o juiz afirma que, na fase de preparação da Satiagraha, Protógenes fez mais de 50 ligações para duas empresas: a PHA Comunicação e Serviços, do jornalista Paulo Henrique Amorim, e a Nexxy Capital, do empresário Luís Roberto Demarco. "Esse inusitado fato deverá ser exaustivamente investigado, com rigor e celeridade, para apurar eventual relação de ligações com a investigação policial em questão, vez que inadmissível e impensável que grupos econômicos, de um lado ou de outro, possam permear atividades do Estado", escreveu Mazloum. Em outras palavras, o juiz pede a abertura de um novo inquérito para apurar se a Operação Satiagraha foi conduzida de maneira a atender a interesses privados. Uma espécie de privatização da Polícia Federal.

Na sentença, Mazloum traz à cena principal da Satiagraha um personagem que vem se movimentando intensamente nos bastidores das ações da Polícia Federal. Tratase de Luís Roberto Demarco, exfuncionário de Dantas, envolvido em várias guerras comerciais com o banqueiro nos últimos dez anos. Este mesmo personagem é também um dos protagonistas de uma investigação conduzida pela Procuradoria de Milão, na Itália. Na última semana, ISTOÉ obteve cópia dos documentos que integram o processo que tramita na Itália. Os papéis comprovam que Demarco já vinha articulando ações da Polícia Federal brasileira desde 2004 - o que reforça as suspeitas do juiz Mazloum.

Em dezembro daquele ano, por exemplo, Demarco encaminhou um e-mail ao delegado Élzio Vicente da Silva, que era responsável pela Operação Chacal, precursora da Satiagraha, sugerindo que Dantas fosse indiciado por crimes como formação de quadrilha e até tentativa de sequestro, a partir de notas publicadas no site de um jornalista conhecido como Ucho Haddad. Três meses depois, Demarco pediu ao jornalista, em outro e-mail, que passasse a divulgar um placar informando o número de dias em que Dantas estava fora do País. Isso, segundo o que registra o e-mail, faria com que a PF brasileira antecipasse um pedido de prisão preventiva do banqueiro. Seis dias depois, em 28 de março de 2005, o delegado Élzio, de fato, pediu a prisão preventiva de Dantas.

Outra evidência que reforça o papel de Demarco como articulador das ações da Polícia Federal brasileira contra Dantas está no depoimento prestado, sob os benefícios da delação premiada, por Marco Bernardini. Ele disse aos procuradores italianos que Demarco era o responsável pela aproximação da Telecom Italia, adversária de Dantas na guerra da telefonia, com a Polícia Federal e autoridades do governo brasileiro. Demarco, no entanto, sempre se colocou como um personagem que agia movido por idealismo - a tal ponto que foi aceito pelo Ministério Público Federal como "assistente de acusação" nos processos contra Dantas. Os documentos de Milão revelam, porém, que Demarco era remunerado pela Telecom Italia para articular as ações da Polícia Federal brasileira contra seu expatrão. Para isso, ele fechou um contrato de US$ 500 mil.

"Não falei com o delegado . Podem ter feito alguma confusão"

Luís Demarco, ex-Opportunity

Os e-mails apreendidos pela Procuradoria de Milão revelam que nem tudo o que foi combinado foi pago. Os documentos mostram que em 2005 Demarco passou a cobrar insistentemente uma dívida de US$ 250 mil. Neste processo de cobrança, outros fatos vêm à luz. Demarco diz estar sendo tratado como "clandestino" e de forma pior do que "corruptos" como Mauro Marcelo, ex-diretor-geral da Abin - ou seja, o documento insinua que, a exemplo do que ocorreu na Satiagraha, a Abin teria participado da Operação Chacal. E num grampo telefônico, que também faz parte do processo de Milão, dois executivos da TIM, Paolo Dalpino e Angelo Jannone mostram-se arrependidos com o fato de terem contratado Demarco. Dalpino o chama de "patife" e Jannone afirma que Demarco era a pessoa que fazia grampos ilegais para a Telecom Italia.

Por que a Telecom Italia teria atrasado os pagamentos de uma pessoa tão polêmica quanto Demarco? Neste ponto, entra na história um outro personagem também do elenco da Satiagraha: o investidor libanês Naji Nahas. Foi ele quem costurou um acordo com Dantas para encerrar as disputas com a Telecom Italia, que formaram o pano de fundo da Operação Chacal.

A documentação levantada pela Procuradoria de Milão mostra que, para pacificar a disputa entre Dantas e os italianos, Nahas chegou a assinar dez contratos de consultoria com a Telecom Italia. O maior deles chegava a 25 milhões de euros. "Era um contrato de risco, e não cheguei a receber tudo", disse Nahas à ISTOÉ. O investidor, no entanto, ganhou Demarco como inimigo. Num dos e-mails, dirigido ao chefe da segurança da Telecom Italia, Demarco fala da necessidade de "neutralizar" Nahas. Anos depois, coincidência ou não, Nahas também foi preso ao lado de Dantas, na Operação Satiagraha, pelo delegado Protógenes Queiroz.

O mesmo que, segundo o juiz Maz loum, teria feito várias ligações para Demarco.

A guerra comercial entre o Opportunity e a Telecom Italia foi danosa para os dois lados. Ad versárias no início e depois aliadas, as duas empresas perderam o controle da Brasil Telecom, que acabou sendo vendida para a Oi. Em decorrência dessa disputa, Dantas perdeu credibilidade no meio empresarial e foi condenado a dez anos de prisão. Ainda que a sentença de Mazloum lance suspeitas sobre os métodos da Satiagraha, Dantas terá de responder a outras acusações levantadas pelo delegado Ricardo Saadi, que sucedeu Protógenes Queiroz nas investigações, relacionadas a crimes fiscais e evasão de divisas.


OLHO NA CÂMARA Delegado quer ser deputado por São Paulo
O FUTURO DE PROTÓGENES
Afastado de suas funções na Polícia Federal e réu sob a acusação de fraude processual e vazamento de informações colhidas de forma irregular pela Operação Satiagraha, o delegado Protógenes Queiroz já tem preparado o roteiro para tentar buscar um mandato parlamentar. Depois de percorrer diversos Estados, acompanhado por representantes do PSOL, tentando construir a imagem do chefe de uma cruzada contra a corrupção, o delegado decidiu trocar o domicílio eleitoral do Rio de Janeiro para São Paulo. "Várias pesquisas mostram que posso obter mais de um milhão de votos em São Paulo", afirmou Protógenes à ISTOÉ na quinta-feira 28.

"Há um movimento cívico em torno de meu nome", completou. As pesquisas também indicam que, se o partido do delegado for o PSOL, suas chances são menores. Por isso, aqueles que o acompanharam nos últimos meses podem ser deixados na estrada. O delegado está muito próximo de se filiar ao PSB paulista, que o receberá de braços abertos. "Ele tem o apoio da maçonaria e não faltará dinheiro para a campanha", disse um dirigente nacional do PSB.

Conquistar um mandato parlamentar assegurará a Protógenes o foro privilegiado de ter seu caso julgado pelo Supremo Tribunal Federal.

O problema é que isso não será necessariamente algo positivo. Há dez meses ISTOÉ revelou com exclusividade que agentes da Abin e da PF, sob o comando de Protógenes, teriam monitorado o presidente do STF, ministro Gilmar Mendes. Informação semelhante foi confirmada ao ministro pela desembargadora Suzana Amaral. Na mesma reportagem, a revista divulgou que fora registrado pelos agentes um jantar em Brasília, reunindo uma loira, advogados do banqueiro Daniel Dantas e assessores de Gilmar Mendes, no mesmo dia em que o STF recebeu pedido de habeas-corpus preventivo impetrado pelo banqueiro.

Mais tarde, quando a própria PF apreendeu nos computadores de Protógenes as imagens do suposto jantar, ficou claro que não havia nenhum assessor do STF no encontro. No restaurante estavam apenas advogados de Dantas e uma loira. O ministro Gilmar Mendes credita a contrainformação a uma tentativa da polícia de intimidar o trabalho do Judiciário. (Leia aqui a página dois e três)

0 Comentários em “A ponte Italiana”

Postar um comentário

 

Consciência Política Copyright © 2011 -- Template created by Consciência Política --