segunda-feira, 26 de maio de 2008

Ações contra comerciante indispõem comunidade chinesa com Kassab


Diante das câmeras de televisão, o prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab (DEM), engrossa o tom de voz e dispara, enfático: "O senhor é um bandido, senhor Law. Saia de São Paulo. Se não sair por bem, vai sair no camburão. Nesta cidade queremos pessoas do bem, que paguem impostos, trabalhem com seriedade e respeitem aqueles que estão criando seus filhos aqui". As câmaras continuavam focadas para o arremate: "Enquanto for prefeito, este shopping não abre".

O alvo de Kassab era o comerciante chinês Law Kin Chong, cujo shopping de seis andares no centro de São Paulo seria interditado por falta de alvará de funcionamento e problemas estruturais. A interdição rendeu aos cofres da prefeitura R$ 2,4 milhões com a multa aplicada e ao prefeito, a imagem de xerife da cidade.

Desde o episódio até hoje, já se passaram sete meses, tempo suficiente para Kassab perder o apoio de uma das comunidades que mais crescem na cidade, a chinesa. A forma como Law foi exposto pelo prefeito incomodou a comunidade. Integrantes de associações cultural e empresarial, além de comerciantes, são categóricos ao classificar as ações de Kassab como "perseguição" e "auto-promoção". Law é considerado pela Polícia Federal como um dos maiores contrabandistas do Brasil há quase 11 anos. O último pedido de prisão do empresário chinês foi feito há pouco mais de um mês.

Na comunidade chinesa, houve uma reação forte às medidas da prefeitura sobre os shoppings populares do Centro. A aposta do prefeito na conduta moralista, em busca dos votos de um eleitorado mais conservador, reverteu-se contra ele dentro desse grupo de imigrantes. "A comunidade é mais conservadora no voto", considera Hsu Chih Chin, pré-candidato a vereador da comunidade. "Mas Kassab não vai ter nenhum voto na comunidade". Médico ginecologista, Chin considera que a atuação da prefeitura contra o comércio irregular foi "muito violenta". "Kassab precisava de holofote. Usou o Law para aparecer, fazer teatro. É um pseudo-moralista."

Dos cerca de 200 mil chineses que vivem no Brasil, 150 mil estão concentrados em São Paulo, segundo estimativa do consulado chinês no país. A comunidade é uma das que mais crescem na cidade e prepara-se para ampliar a participação também na política. Para esta eleição, quatro pré-candidatos já têm amplo apoio dentro da comunidade. A expectativa é modesta, de ocupar pelo menos duas das 55 vagas para o Legislativo municipal.

O comerciante Lucas Lin, integrante da Associação Cultural Chinesa, conta que a comunidade não tem costume de apoiar um único partido. "Vamos apoiar os candidatos que tivermos simpatia", comenta. Para ele, assim como considera Chin, um fato é certo: Kassab está fora da lista dos candidatos que receberão recursos dos empresários chineses. "As medidas que ele tomou vão prejudicá-lo. Com certeza não vamos votar nele. Votaríamos em alguém com flexibilidade para tratar as questões do comércio".

Na gestão anterior, de Marta Suplicy (PT), a relação com os comerciantes de shoppings populares foi mais pacífica, dizem pequenos e micro empresários e integrantes de associações. Mas o perfil da petista, na análise desse grupo, não é o mais bem aceito. "Não é que se tenha nada contra a Marta, por exemplo, mas existem resistências contra o partido dela, o PT", aponta o pré-candidato a vereador Chin.

Em eleições passadas, a comunidade se mobilizou para apoiar o candidato Paulo Maluf (PP). O prefeito Kassab, ao compor uma ampla chapa com partidos da direita e do centro, como PMDB, PR (ex-PL) e PV, tenta atrair o eleitorado que não votaria no PT. Mas depois do desgaste com os imigrantes chineses, o apoio financeiro e político da comunidade tende a ir para Geraldo Alckmin, candidato do PSDB.

A participação política dos chineses no Legislativo paulista ainda é pequena. O principal representante é o deputado federal William Woo (PSDB), considerado uma espécie de ícone da comunidade. O tucano recebeu 46.755 votos na disputa pela Câmara municipal, em 2004, e ficou em quinto lugar na lista dos dez parlamentares eleitos pelo partido. Woo arrecadou R$ 167,7 mil. Dois anos depois, quando disputou a Câmara Federal, conquistou 113 mil votos, em uma campanha com receita de R$ 1,1 milhão. O tucano também tem votos das comunidades coreana e japonesa.

No Congresso, Woo é autor de lei anti-pirataria e defende o aumento da pena de crimes contra marcas. O parlamentar foi acionado pelos lojistas chineses prejudicados, mas diz que pouco pode fazer. Ele rejeita a tese de perseguição e acredita que a ação da prefeitura foi mais ampla. "O prefeito apresentou uma fiscalização muito rígida. Não foi só em relação ao comércio popular, mas também sobre bares e restaurantes", afirma o deputado.

O médico ginecologista Chin, pré-candidato a uma cadeira na Câmara Municipal, diz que as bandeiras de sua campanha estarão centradas em Saúde e Segurança. Mas acredita que boa parte dos pedidos da comunidade virá dos comerciantes. Chin veio aos 13 anos, em 1970, ao Brasil e diz que vivenciou as dificuldades de um imigrante ilegal. Começou trabalhando em um restaurante popular da família, no Centro e até hoje ouve relatos de estrangeiros em situação irregular no país. "Sempre ouço dos comerciantes que muitos fiscais criam ´dificuldades´ para vender ´facilidades´ e cobram propinas." As associações empresariais dos imigrantes não sabem precisar quantos chineses trabalham com o comércio popular.

Para o pré-candidato, Kassab teve "boa intenção" em tentar combater o comércio ilegal, mas errou na forma: "Do jeito que comandou essas ações ele gerou muita rejeição". O médico estima que os candidatos da comunidade devem ter de 50 mil a 60 mil votos. Nem o consulado chinês nem as associações têm dados oficiais dos chineses naturalizados e descendentes com direito a voto.

Prefeito investe em imagem de xerife com autuações no comércio popular e perde votos para Alckmin

Segundo integrantes das associações comerciais e empresariais, muitos ilegais procuraram esse tipo de comércio para driblar as restrições impostas com a demora do visto de permanência no Brasil, que leva de dois a três anos. Os donos de shoppings populares, como o de Law, são conhecidos dentro da comunidade como "padrinhos dos imigrantes".

Na comunidade Law, é essa a visão que muitos imigrantes que convivem há décadas com o empresário. "É só andar pela 25 de Março para ver que ninguém vai falar mal dele. Para a gente que é imigrante, ele é bom e muito camarada, não nos trata como vilão", diz Lucas Lin, comerciante e integrante da Associação Cultural Chinesa. Para ele, Law foi pego como "bode expiatório".

A apreensão de mercadorias dentro dos estabelecimentos particulares não é de competência direta da prefeitura e depende da atuação conjunta com as polícias civil e federal. Para o comerciante Lin, da Associação Cultural Chinesa do Brasil, entende que a prefeitura usou Law "para se promover". "Kassab quis participar de uma operação que é policial para se promover. Para que expulsá-lo daquela forma?"

Lin conta que desde o ano passado, quando a prefeitura engrossou as ações, a comunidade tentou se aproximar da prefeitura. "Fizemos doação de cinco toneladas de alimentos e convidamos o prefeito para o nosso principal evento, a comemoração do ano novo chinês". A festa foi realizada no início deste ano e contou com a presença de Marta Suplicy e de um representante de Alckmin. "Kassab foi, mas não participou. Ficou no estacionamento, não entrou na festa. Vai ver que ficou com medo dos chineses", ironizou.

O vice presidente da Associação Geral dos Empresários chineses, André Ye, reforça: "Se o dono do shopping fosse outro, e não Law, o tratamento seria diferente. A perseguição é visível e a gente nota nas declarações do prefeito. A nacionalidade vem antes". Segundo Fernando Ou, da Associação Cultural Chinesa do Brasil, os lojistas e empresários classificaram as medidas como "excessivas". "O que se ouve é que todo comerciante chinês pertence a uma máfia. Houve perseguição mesmo", relata. Para ele, a situação é recente. "No governo anterior a relação foi mais cordial", diz.

A Prefeitura de São Paulo nega qualquer tipo de perseguição de natureza política. Para o secretário de Subprefeituras, Andrea Matarazzo, não houve qualquer determinação contra os estabelecimentos de Law Kin Chong. "Fazemos, sim, perseguição aos produtos contrabandeados. Falar que há perseguição de outra natureza é querer politizar um caso que é de polícia", diz. "Perseguimos os produtos contrabandeados. Nem olhamos o dono", afirma.

O combate ao comércio ilegal é um dos principais desafios aos candidatos à Prefeitura de São Paulo. Basta uma rápida caminhada pelos arredores na região da rua 25 de março, principal zona de comércio popular da cidade, para ver um mar de camelôs vendendo nas ruas produtos sem procedência garantida, como CDs, roupas e eletrônicos.

O secretário de Subprefeituras diz que os ambulantes hoje são vistos como uma "questão policial", não mais social. "Das 1,4 mil licenças, ficaram 800. Os outros 600 ambulantes perderam licença porque vendiam produtos piratas", explica Matarazzo.

Quando Marta foi prefeita, entre 2000 e 2004, a relação da administração com os ambulantes foi um dos grandes problemas. Sucessora do governo de Celso Pitta, que ficou marcado pela Máfia dos Fiscais, Marta focou na regularização das licenças. Segundo o ex-secretário de Subprefeituras, vereador Antonio Donato (PT), a prefeitura não conseguia combater o comércio irregular porque não tinha apoio da polícia estadual, comandada pelo então governador Geraldo Alckmin (PSDB).

Para Donato, ex-secretário de Subprefeituras, "Kassab tentou mostrar autoridade em questão que não é própria da prefeitura". "Ele se apropriou de ações da Polícia Federal e surfou na onda", critica o vereador petista. "Os problemas do shopping 25 e do Pari existem em outros 10 mil imóveis na cidade, mas ele escolheu um símbolo. Ele tenta reviver o Jânio Quadros, mostrando que autoridade se impõe pela força. Não é bem por aí, é possível ter soluções negociadas. Escolheram construir imagem para Kassab como homem que tem autoridade. Assim é fácil ganhar fama em cima de factóides", analisa.

Apesar da visibilidade dada às ações contra o comércio irregular, levantamentos do instituto de pesquisas de opinião Datafolha apontam que o problema não está entre as maiores preocupações do eleitorado paulistano. Na avaliação de governo realizada em fevereiro, apenas 1% dos entrevistados cita que a área em que o prefeito se sai melhor é no combate à corrupção/ moralização da administração. A retirada de camelôs pela prefeitura não é lembrada pelos entrevistados. A pergunta sobre o principal problema da cidade, registra apenas 1% de respostas para o combate à corrupção.

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