sexta-feira, 2 de maio de 2008

Juízes contra o foro privilegiado


Um grupo de magistrados e procuradores estuda uma forma de reabrir as discussões em torno da possibilidade de políticos, incluindo ex-ministros, serem processados por crime de improbidade administrativa na Justiça comum. A estratégia pretende impedir que cerca de sete mil denunciados sejam anistiados pelo Supremo Tribunal Federal (STF) por conta de uma decisão adotada em 2007, que, ao analisar um caso específico, decidiu que a prerrogativa de foro privilegiado não se restringe a crimes de responsabilidade, mas também aos delitos de caráter administrativo.

Para o presidente da Associação dos Procuradores Federais, Antonio Carlos Bigonha, a necessidade de uma nova discussão se deve ao fato de que milhares de agentes políticos têm sido beneficiados com a extensão do foro para crimes de improbidade. “Defendemos que é preciso restringir ao máximo a abrangência do foro. Dependemos agora que algum ministro leve ao plenário um caso tratando do tema. Temos trabalhado para isso”, afirmou.

Na opinião do juiz eleitoral Márlon Reis, presidente da Associação Brasileira de Magistrados, Procuradores e Promotores Eleitorais, o momento não é apenas indicado para a abertura de um novo debate no STF, como é o ideal para que juristas analisem junto ao legislativo uma forma de rever a lei de improbidade. “É preciso editar a legislação de modo a evitar interpretações que protejam os agentes políticos”, opinou.

A defesa dos juristas para que o assunto volte à pauta do Supremo se deve à esperança que muitos deles têm de que a diferente composição do Supremo Tribunal Federal possa resultar em um novo entendimento. Quando a jurisprudência foi firmada, o placar de seis a cinco acabou definido com os votos dos ex-ministros Nelson Jobim, Maurício Corrêa e Ilmar Galvão, hoje aposentados. “A composição do pleno mudou e isso pode implicar na mudança do próprio pensamento da Corte. É hora de abrir um novo debate na tentativa de acabar com os privilégios”, avalia o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Cezar Britto.

A discussão em torno da possibilidade de agentes políticos serem processados pelo crime de improbidade reflete uma discreta divergência entre o Ministério Público e o STF. O primeiro já encaminhou mais de sete mil denúncias à Corte contra políticos e ex-ministros. Os processos, no entanto, aguardam na fila de apreciação sem muitas chances de prosseguir.

Isso porque, ao analisar um processo contra o ex-ministro de Ciência e Tecnologia Ronaldo Sardemberg, o Supremo entendeu que a prerrogativa de foro privilegiado concedida aos políticos implica na impossibilidade dessas autoridades serem julgadas por outros tribunais. Além disso, a Corte decidiu que esses agentes não se sujeitam à disciplina de responsabilização de que trata a Lei de Improbidade Administrativa (Lei nº 8.429/92), mas à prevista na Lei nº 1.079/50, que define os crimes de responsabilidade e regula o respectivo processo de julgamento.

Sobre a abertura de um novo debate sobre o tema pelo STF, o presidente da Corte, ministro Gilmar Mendes, é enfático: “faríamos isso se houvesse um fato novo. Por enquanto, continuaremos aplicando a jurisprudência”.

Arquivamentos

Com base na decisão do pleno no caso Sardemberg, o presidente determinou no último dia 22 o arquivamento de duas ações de reparação de danos por improbidade administrativa ajuizadas pelo Ministério Público Federal contra ex-ministros do governo Fernando Henrique Cardoso. A decisão livrou Pedro Malan (Fazenda), José Serra ( Planejamento) e Pedro Parente (Casa Civil) da acusação de que teriam atuado irregularmente na concessão de assistência financeira do Banco Central ao Banco Econômico, em dezembro de 1994. “Determinei o arquivamento porque há jurisprudência do tribunal nesse sentido. A Corte já possui uma posição sobre o assunto e os relatores devem respeitá-la. Pelo menos até que haja um novo entendimento”, justificou o presidente .

Jatinhos da FAB geraram polêmica

A jurisprudência sobre a possibilidade de agentes políticos serem julgados pela Lei de Improbidade Administrativa foi firmada no ano passado, quando o Supremo Tribunal Federal julgou a Reclamação 2138, apresentada em 2002 pelo então ministro de Ciência e Tecnologia, Ronaldo Sardemberg .

A ação pretendia desfazer a decisão da 14ª vara da seção judiciária do Distrito Federal, que o condenara ao ressarcimento do erário público e à perda dos direitos políticos por oito anos, pela utilização indevidamente de aeronaves da Força Aérea Brasileira (FAB). Na alegação, Sardemberg sustentou que sua condição de agente político o impediria de ser condenado pela Lei de Improbidade Administrativa e por uma Corte que não fosse o Supremo. Foi atendido. Com um placar apertado de seis a cinco, livrou-se da condenação e abriu um precedente para milhares de casos semelhantes que tramitam na STF.

Na época, o relator da matéria, ministro Nelson Jobim, alegou que os agentes políticos eram protegidos pela Constituição, que lhes concedia prerrogativa de foro privilegiado, inclusive quando deixavam os cargos. Seu entendimento foi seguido pelos ministros Maurício Corrêa, Ilmar Galvão, Ellen Gracie e Gilmar Mendes. Desses, somente os dois últimos ainda compõem o pleno da Corte.

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